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Matérias / Império Romano

Teutoburgo: A catástrofe militar que definiu o destino da Europa

Nas escuras florestas da Alemanha, três legiões foram massacradas por bárbaros numa brilhantes ação de guerrilha – e traição. Ali seriam plantadas as sementes do fim do Império

Letícia Yazbek Publicado em 15/09/2019, às 07h00

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A invasão dos bárbaros - Ulpiano Checa
A invasão dos bárbaros - Ulpiano Checa

Era uma tarde do fim do verão. Setembro, ano 35 do reino de Augusto (9 d.C.). Três legiões romanas, lideradas pelo governador da Germânia Publius Quinctilius Varus, avançavam por um atalho nas densas florestas de Teutoburgo, região atual da cidade alemã de Bramsche. Seguindo uma pista fornecida pelo optio (tenente) Arminius, oficial do Exército de Roma, o governador esperava aniquilar mais uma revolta na região.

Então veio a tempestade, bloqueando a visão dos romanos. De repente, a coluna parou, sob gritos distantes, indistintos. Quem estava atrás não percebeu, mas o caminho havia sido bloqueado por forças hostis germânicas. Imediatamente, outros gritos: o de um tsunami de guerreiros germânicos.

Enquanto os gritos se aproximavam, choveram dardos e flechas das florestas.  Em segundos, dos dois lados, saltavam sobre eles 30 mil guerreiros germânicos, armados de lanças, espadas. Em minutos, a orgulhosa e disciplinada força romana foi reduzida a uma turba em pânico, correndo pela própria vida - Arminius, em meio a isso, havia desaparecido.

Missão cumprida

Floresta de Teutoburgo, Alemanha / Crédito: Wikimedia Commons

A Batalha da Floresta de Teutoburgo também foi chamada de Desastre de Varus – e tão unilateral que talvez não mereça mesmo ser chamada de batalha. Foi a maior derrota do Império Romano desde a Batalha de Canas (216 a.C.), mais de dois séculos antes, que quase levou à conquista pelos cartaginenses. Foi um imenso revés para um recém-fundado império em expansão. Em 27 a.C., a República Romana chegara ao fim. Otávio Augusto terminou o que seu tio Júlio César havia iniciado, tendo conquistado o poder absoluto.

O primeiro imperador iniciou uma campanha de expansão. Até 6 d.C., conquistou a Dalmácia, Panônia, Nórica e Récia. Também anexou o Egito e avançou sobre a Hispânia, a África e a Gália. Depois, concentrou suas atenções nas terras além do Rio Reno, em uma área que passou a ser chamada de Germânia.

Entre 10 a.C. e 6 d.C., o general Tibério, enteado de Augusto e seu futuro sucessor, realizou diversas campanhas na região. Era uma missão difícil: era um território desconhecido, habitado por diferentes tribos autônomas, desorganizadas militarmente, mas ainda assim com tradição e entusiasmo no combate. Após uma série de conflitos, Tibério declarou que os povos haviam sido subjugados e que a Germânia estava pacificada. Nomeou Publius Quinctilius Varus governador da nova província romana.

Nascido por volta de 46 a.C., Varus havia se tornado aliado de Augusto durante os primeiros anos de Império. Em 8 a.C., foi procônsul da província romana na África e, no ano seguinte, se tornou governador da Síria. Durante esse período, ficou conhecido por cobrar altos impostos e pela violência com que lidava com os rebeldes. Em 4 a.C., foi enviado a Jerusalém, para conter uma revolta iniciada após a morte do rei Herodes. Varus crucificou 2 mil judeus.

Quando Varus assumiu o governo da Germânia, o sentimento geral era de sucesso. A conquista da nova província parecia um sinal de que o Império se aproximava do auge de seu poder e, após tantas vitórias, o Exército romano era considerado invencível.

“Havia agora uma próspera economia transfronteiras, e o fato de que algumas tribos haviam optado por se tornar aliadas deu uma impressão de pacificação, reforçada pelo grande número de guerreiros germânicos dispostos a se alistar como tropas auxiliares do Exército romano”, afirma o historiador Michael McNally, autor de Teutoburg Forest AD 9 (Floresta de Teutoburgo, 9 d.C.). Essa falsa impressão de paz e prosperidade traria consequências fatais para o Império.

Amigo bárbaro

Arminius e Thusnelda, por Johannes Gehrts / Crédito: Wikimedia Commons

Arminius foi um desses que se alistaram. Era filho de Segimerus, chefe da tribo germânica dos Cherusci (nome romano, não se sabe como eles se referiam a si mesmos). Nasceu em 16 a.C., na região da atual cidade de Minden, no norte da Alemanha. Em 8 a.C., ainda na tentativa de conquistar a Germânia, Tibério fez uma proposta a Segimerus: em troca do apoio, seu filho teria a oportunidade de receber uma educação militar e construir uma carreira no Exército romano.

Aos 8 anos, Arminius partiu para Roma, onde recebeu a mesma educação que qualquer aristocrata romano de sua idade. Por volta do ano 1, foi admitido na classe aristocrática da ordem equestre, o que facilitou o início de sua carreira militar – tornou-se comandante auxiliar a serviço do Império. Causou uma ótima impressão nos militares por sua força e disciplina, e recebeu os direitos de cidadão romano.

No ano 6, Arminius se uniu às forças romanas para combater uma revolta na província de Panônia, atual região da Hungria e Áustria. Segundo Peter S. Wells, professor de antropologia da Universidade de Minnesota, “ele deve ter visto muitos panônios nativos quase na mesma posição que seu povo no norte da Germânia”.

Arminius retornou à Germânia em 7 d.C., quando os romanos haviam estabelecido o controle da região. Para os romanos, as origens e as habilidades diplomáticas de Arminius eram ideais para lhes assegurar o bom convívio com as tribos germânicas. “Pronto para assumir sua posição como herdeiro de seu pai, ele era o embaixador perfeito para convencer os queruscos sobre os benefícios das relações amigáveis com Roma”, afirma Michael McNally.

Assim, ao mesmo tempo em que se tornou o líder dos Cheruschi, Arminius assumiu a importante função de conselheiro de Varus. Considerado um homem de total confiança, estava a par de todas as estratégias romanas e tinha a influência necessária para nelas interferir, se assim desejasse.

O retorno à terra natal transformou suas ideias. Vendo de perto a situação da Germânia, ficou insatisfeito em relação ao domínio romano sobre seus compatriotas. Varus, que havia recebido a ordem de tornar a região definitivamente uma província romana, começou a cobrar altos impostos e a tratar os germânicos como serviçais.

Segundo McNally, não se sabe quando exatamente Arminius decidiu se voltar contra os romanos. O grande catalisador pode ter sido algo que aconteceu durante seus primeiros anos em Roma, as guerras brutais em Panônia ou um incidente que ele presenciou após a volta à Germânia. Fato é que, em 9 d.C., passou a pôr em prática seu plano. Ele tinha uma enorme vantagem: havia aprendido tudo sobre os romanos – conhecia suas estratégias e pontos fracos.

Plano secreto

Para colocar o plano em ação, a primeira tarefa de Arminius era unir as pessoas certas – chefes de tribos germânicas conhecidos por serem contrários ao domínio romano. Era a parte crucial, a mais perigosa. Sem o apoio de outras tribos, os Cherusci não conseguiriam derrotar as forças de Varus. Além disso, ao recrutar seus aliados, Arminius corria o risco de que um traidor dedurasse seus planos ao governador. O passo seguinte foi escolher o local ideal para o ataque.

Arminius sabia que, em setembro daquele ano, Varus deixaria seu acampamento de verão, localizado próximo à atual cidade de Minden, em direção ao acampamento de inverno, em Haltern, ao norte do Rio Reno. Levaria com ele suas três legiões – 17, 18 e 19 –, que, com as forças auxiliares, totalizavam até 36 mil homens. Como conselheiro do governador, Arminius também faria parte desse grupo.

Não eram apenas eles. Segundo o historiador Spencer Tucker, autor de Battles That Changed History: An Encyclopedia of World Conflict (Batalhas Que Mudaram a História: Uma Enciclopédia dos Conflitos do Mundo), “familiares e pessoas que seguiam o acampamento acompanhavam o grupo, assim como auxiliares germânicos, totalizando talvez mais 10 mil pessoas”.

Conhecendo bem as matas do noroeste da Germânia, Arminius elegeu a Floresta de Teutoburgo como o cenário perfeito. Localizada no meio do caminho a ser seguido por Varus, a região era desconhecida pelos romanos. Bosques impenetráveis, caminhos estreitos e chuvas frequentes tornavam a movimentação difícil – era o local ideal para seu plano.

Arminius, então, reuniu seus homens e os preparou para uma fulminante ação de guerrilha. “Plenamente consciente de que ele não poderia conduzir uma campanha prolongada, Arminius decidiu que qualquer combate precisava ser resolvido rápida e decisivamente, antes que a superioridade das forças romanas se tornasse um fator decisivo”, afirma Michael McNally.

Aniquilação

Em meio aos preparativos para iniciar a marcha em direção a Haltern, Varus recebeu a visita de Arminius, que trazia a notícia de um suposto conflito tribal na desconhecida região de Kalkriese, próxima a Haltern. Segundo ele, a presença de Varus era essencial para restaurar a paz. Assim, seria necessário fazer uma pequena alteração do caminho em direção a Kalkriese antes de seguir para o destino final. Varus, então, mobilizou todo o acampamento para a viagem.

Durante o percurso, o líder germânico Segestes, que fazia parte dos homens de confiança de Varus, o alertou de que Arminius planejava um ato de traição. Mas foi ignorado pelo governador, que julgava conhecer bem seus aliados.

Retrato romantizado da batalha, por Albert Koch / Crédito:Wikimedia Commons

Subestimando os germânicos e confiando na força de suas legiões, Varus marchava confiante pelos caminhos da Floresta de Teutoburgo, que levavam a Kalkriese. Mas os obstáculos logo começaram a aparecer.

“Eles tinham que ficar em uma trilha estreita de bancos de areia, e de cada um dos lados havia um ambiente de floresta pantanosa com locais de passagem muito difíceis. Parecia que a coluna romana tinha que ficar mais estreita – os soldados romanos estavam acostumados a marchar seis ou oito lado a lado. Provavelmente eles tiveram que mudar e marchar quatro ou dois lado a lado”, explica Wells.

Além disso, como estavam acompanhados por mulheres e crianças, e carregando os objetos que levariam ao acampamento, os soldados eram obrigados a andar ainda mais devagar. Arminius conseguiu escapar da marcha e se juntar aos guerreiros germânicos, que o aguardavam em um local combinado. Quando os romanos alcançaram um ponto da trilha próximo à cidade atual de Osnabruck, cerca de 30 mil germânicos, localizados em cima de uma colina, receberam a ordem para o ataque.

Ao perceber que os soldados romanos eram incapazes de reagir, muitos germânicos deixaram seus esconderijos nas colinas e partiram para um ataque mais próximo, usando espadas para apunhalar e decepar mais centenas de vítimas.

Estima-se que na onda humana do ataque inicial metade dos que marchavam com Varus tenham sido mortos. Mas não acabou aí. Os sobreviventes conseguiram se reunir. Mas já era um caso perdido. Nos dias que se seguiram,ataques-relâmpago derrotaram grupos menores formados por romanos que haviam escapado.

Na segunda noite, a coluna principal liderada por Varus estabeleceu uma rota de fuga. Mas caiu em uma segunda emboscada. Eles marcharam em direção a uma colina em Kalkriese, mas se depararam com uma muralha de madeira erguida pelos germânicos e foram novamente trucidados. Para evitar que fossem capturados ou mortos pelos germânicos, Varus e seus comandantes cometeram suicídio.

“Eles rapidamente perceberam que haviam sido atraídos para uma armadilha mortal. Com o medo e o desespero beirando o pânico, Varus sentiu a completa força da duplicidade de Arminius”, afirma Peter S. Well, autor de The Battle That Stopped Rome (A Batalha Que Parou Roma).

Dos até 30 mil romanos, apenas poucas centenas conseguiram chegar à base romana em Haltern e sobreviveram. Do lado germânico, as baixas foram mínimas: dos seus estimados 32 mil guerreiros, apenas cerca de mil padeceram. Outros sobreviventes romanos foram escravizados, sacrificados em nome dos deuses germânicos, enterrados vivos ou crucificados.

A cabeça de Varus foi cortada e enviada a César Augusto, que, diante da perda de cerca de 10% das forças romanas de uma só vez, teria gritado durante vários dias: “Varus, devolva minhas legiões!”.

Jogando a toalha

Roma voltou para se vingar, com resultados discutíveis. Em 16 d.C., após uma série de batalhas contra as tribos germânicas, o imperador Tibério, sucessor de Augusto, desistiu da ideia de incorporar a Germânia ao Império Romano.

A batalha da Floresta de Teutoburgo ficaria conhecida como a grande derrota de Roma imperial e um dos conflitos mais decisivos já registrados na história militar. A reviravolta conquistada pelos germânicos fez com que os romanos fossem obrigados a abandonar seus sonhos de expandir o Império em direção ao centro da Europa. Pelos séculos seguintes, o Rio Reno estabeleceu a fronteira entre o Império Romano e a Germânia.

“O Desastre de Varus significava que o plano de Augusto de levar a fronteira norte do Império Romano adiante havia falhado e que eles sempre teriam que lidar com aqueles povos ferozes da fronteira, que, a qualquer momento, podiam invadir o Império”, afirma Thomas R. Martin.

Os romanos seriam a forçados a deixar os bárbaros hostis livres para prosperarem e se armarem. Seriam os diversos povos livres vindos dessas regiões, 350 anos depois, que em sucessivas ondas começariam a longa maré de migrações e invasões que terminariam por dar fim ao Império Romano do Ocidente. Seria um germânico, Odoacro, a receber a coroa de Roma após a renúncia do último césar, Rômulo Augusto, em 476.

Outra consequência é que se estabeleceu a distância civilizacional entre as culturas romana e germânica, que se manteve mesmo após a cristianização dos germânicos. Segundo Spencer Tucker, a Germânia não se incluiu nos “sistemas cultural e jurídico latinos por centenas de anos e, quando isso aconteceu, foi mais como um aprimoramento, não uma substituição”.

Arminius, considerado um dos grandes guerreiros da História, tornou-se um herói exaltado pelo nacionalismo alemão – inclusive nazistas, razão por que pega mal falar demais nele na Alemanha atual. Mas há um ponto: ao conseguir unir o povo de sua região contra o inimigo estrangeiro, ele, de fato, garantiu a sobrevivência da cultura germânica, enquanto muitos outros povos tiveram sua cultura praticamente sobrescrita pelo que vinha de Roma.