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Matérias / Personagem

Nelson Mandela: Cinco pontos polêmicos sobre a vida de um dos maiores ícones mundiais

O ganhador do Prêmio Nobel da Paz de 1993 usou a guerra e a paz contra um regime odioso - e nunca se arrependeu

Tiago Cordeiro Publicado em 12/06/2019, às 06h00 - Atualizado em 04/12/2020, às 10h53

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Mandela no espelho - Reprodução
Mandela no espelho - Reprodução

Vencedor do Prêmio Nobel da Paz, Nelson Mandela foi um grande defensor dos direitos humanos, e um dos maiores nomes da luta do movimento negro. Mas, como todas as pessoas, ele também tinha seus pontos obscuros.

1. Don Juan

É comum desposar várias mulheres ao mesmo tempo em certas etnias africanas. Mandela casou-se três vezes. Embora tenha se separado antes de cada nova união, carrega a fama de mulherengo. "É verdade que ele dedicara sua vida ao CNA, mas essa dedicação incluía também alguns elementos femininos do movimento", afirma o colega de cela Mac Maharaj em Mandela - Retrato Autorizado.

Questionado sobre o que escreveu, o autor disse que, "das várias mulheres que, imaginava-se, foram amantes dele, o nome mais citado é o de Esme Matshikiza. Ela nunca confirmou, mas era vista com ele com muita frequência, a qualquer hora do dia ou da noite". Aparentemente, Evelyn, a primeira mulher do líder, tinha suas razões para cobrar fidelidade do marido.

Ela o abandonou em 1957, após 13 anos de união e quatro filhos. "Já estávamos nos desentendendo antes da minha militância aumentar. A partir do momento em que ela se tornou testemunha de Jeová, tínhamos visões de mundo diferentes", afirmou o ex-presidente.

Em 1958, ele se casou com Winnie Madikizela. A união de 34 anos só consistiu em cinco de convívio efetivo - dessa vez, ela é que foi infiel (acusada de corrupção, o divórcio foi muito polêmico). Em 1998, aos 80 anos, desposou Graça Machel, ex-primeira-dama de Moçambique. Dos seis filhos do líder, três estão vivas - Makaziwe, 64 anos (com Evelyn), Zenani, 59, e Zindziswa, 58 (do segundo casamento).

Winnie reclamou algumas vezes que o ex-marido não é acessível a elas. Em 1969, preso, ele não foi autorizado a ir ao enterro do primogênito, Thembi, vítima de um acidente de carro. "Minhas escolhas políticas exigiram de mim e de muitos outros líderes alguns sacrifícios pessoais. Sinto muito por não ter ajudado a criar meus filhos", disse certa vez.

2. Conforto merecido

Nos últimos dois anos de prisão, Mandela foi mantido em uma casa com piscina na cidade de Paarl. Ali recebeu visitantes como o ex-colega de cela Tokyo Sexwale, que perguntou a ele por que tinha uma TV na cozinha - era um micro-ondas. Acordava às 4h30, arrumava a própria cama e caminhava, hábitos que adquiriu na cadeia e nunca mais abandonou, nem em hotéis de luxo.

Vestido com ternos finos (vaidoso, gostava de usá-los ainda antes de ser detido), recebia ou visitava autoridades já no processo de negociação pelo fim do apartheid. Mas o relativo conforto demorou a chegar. Na primeira cela que ocupou em Robben Island, após a condenação à prisão perpétua, em 1964, dormia sobre uma esteira, com os pés e a cabeça quase tocando as paredes: ele tinha 1,85 m de altura.

Usava calças curtas (cobrindo o joelho), inadequadas para a umidade e as temporadas mais frias no local. Por oito anos tomou banho gelado. Costumava sair da cela (onde permaneceu 18 anos) para cumprir jornadas de trabalho forçado, quebrando pedras de cal no pátio. Aos poucos, Mandela conquistou certas regalias, mas sempre fez questão de que fossem estendidas aos companheiros.

Ao fim dos anos 1970, já tinha roupas melhores, uma cama de verdade e autorização para circular nas áreas comuns em certas ocasiões. Em 1982, foi transferido para Pollsmor, onde dividiu cela com outros ativistas do movimento negro. Lia muito, recebia familiares esporadicamente, jogava damas e futebol com os colegas - começou como atacante, mas logo encontrou a posição ideal: bandeirinha.

"Várias dessas melhorias nas condições de alimentação e hospedagem foram repassadas não só para Robben Island como para todos os outros presídios do país", diz John Carlin em Conquistando o Inimigo.

3. Terrorista

Até julho de 2008, líderes da CNA, incluindo Nelson Mandela, não podiam entrar nos Estados Unidos (exceto na sede da ONU, em Nova York) sem uma autorização especial. Eram considerados terroristas.

Ele criou e liderou o braço armado do partido: Umkhonto we Sizwe, ou Lança da Nação, que realizava atentados a bomba em marcos do apartheid, como escritórios para a concessão de passes. "A partir de 1960 (após o massacre de Sharpeville, quando a polícia abriu fogo contra manifestantes, deixando 69 mortos), ficou claro que não havia mais espaço para formas não violentas de luta. Aí Mandela tomou a iniciativa de criar um grupo armado", afirma Ahmed Mohamed Kathrada, colega de cela do ex-presidente.

"Mas ele nunca quis matar civis inocentes. As bombas eram colocadas à noite, em locais estratégicos, como cabines telefônicas e entradas de prédios públicos, quando estavam vazios. O objetivo era abalar o moral do regime, e não matar." Ainda assim, segundo ele, essas ações deixaram 14 mortos e 86 feridos.

O guerrilheiro era fã de Che Guevara e fazia questão de exibir uma barba. Durante três meses de 1962, fez treinamento militar na Argélia. "Ele era um admirador confesso da Revolução Cubana", diz o sociólogo John Stone, especialista em África da Universidade de Boston. "E se identificava com Fidel Castro. Assim como ele, Mandela era um advogado com padrão de vida acima da média, lutou pelas causas de seu povo e brilhou nos tribunais quando foi julgado pelo governo."

4. Falhas no governo

O primeiro presidente negro da África do Sul encontrou um país destroçado pelo ressentimento e pelas marcas do racismo. Era inevitável que, em vários aspectos estruturais, ele não conseguisse avançar muito.

"Ele recebe críticas, sempre indiretas, por não ter conseguido transpor o abismo social entre brancos e negros. Nesse ponto, brancos acham que perderam demais e negros que ganharam de menos. Além disso, ele não deu a devida atenção à aids. Para compensar essa falta, depois da presidência, ele criaria uma ONG dedicada à doença", afirma o cientista político Marc Howard Ross.

Em 2005, Mandela perdeu um filho infectado com o vírus. "Sua única fraqueza foi sua inabalável lealdade com antigos camaradas, permitindo que ministros com fraco desempenho continuassem em seu gabinete", diz Desmond Tutu em Mandela - Retrato Autorizado.

Entre as críticas a seu legado está a falta de cuidado em preparar quadros para a transição. Apesar de se retirar dignamente após um único mandato, ele viu o país eleger líderes marcados por graves acusações de corrupção. Seu sucessor, Thabo Mbeki, renunciou ao mandato sob pressão de seu próprio partido, o CNA.

O atual presidente, Jacob Zuma, responde por suspeitas que vão do desvio de dinheiro ao estupro de uma jovem aidética. "Mandela não conseguiu evitar o que mais temia: que os negros se perpetuassem no poder não necessariamente por mérito, mas porque o apartheid acabara", afirma Marc Ross. "Politicamente, está claro que a era Mandela acabou", diz o sociólogo John Stone. Agora, o país precisa aprender a viver sem ele.

5. Resistência física

Já no fim da vida, Mandela não tinha exatamente uma saúde frágil. Mas os anos de cadeia cobraram um preço alto de seu organismo. A rotina dura em Robben Island, onde quebrava pedras, causou um problema nos canais lacrimais que o impediu de chorar por uma década.

Seus olhos eram sensíveis à luz forte - era pedido que não se usasse flash ao fotografá-lo. As roupas inadequadas para o frio que vestia na cadeia provocaram doenças respiratórias, como a tuberculose, que curou apenas na década de 1980.

Em 2001, passou sete meses fazendo radioterapia para tratar de um câncer na próstata - em 1985, ele já tinha sido operado no local em função de uma suspeita de tumor. Nos últimos meses de vida, segundo o relato de pessoas próximas, apresentou falhas de memória e períodos de isolamento.