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Matérias / Personagem

Tutancâmon: conheça o faraó menino

O jovem governante de reinado curto se tornou o rei mais conhecido da História do Egito

Reinaldo José Lopes Publicado em 22/11/2019, às 11h18

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De acordo com pesquisadores, esse seria o verdadeiro rosto do faraó menino - Divulgação
De acordo com pesquisadores, esse seria o verdadeiro rosto do faraó menino - Divulgação

Seu túmulo praticamente intacto ajudou a desvendar mistérios de seu tempo – e fez nascer a lenda de uma maldição para quem atrapalhasse seu sono. Conheça a vida de Tutancâmon e descubra por que ele se tornou o mais popular dos reis do Egito

O inglês Howard Carter sabia que aquele dia, 26 de novembro de 1922, era o mais importante de sua vida. Teve que controlar a ansiedade para manter a precisão em seus gestos diante daquela porta, que caçara incansavelmente a maior parte de seus 48 anos. Antes de abri-la, fez nela um pequeno buraco.

Pelo orifício, do tamanho de uma laranja, colocou, com a mão trêmula, uma vela acesa. A chama não se apagou. Sinal de que o ar da sala, trancada havia mais de 3300 anos, não estava intoxicado. Carter respirou fundo e mandou sua equipe começar a desobstruir o portal que escondia o passado da civilização egípcia.

Quando seu mecenas, o milionário lorde Carnarvon, perguntou a Carter se conseguia ver algo, ele, atônito, só conseguiu responder: “Sim, coisas maravilhosas”. “Detalhes do aposento emergiram lentamente da névoa, animais estranhos, estátuas e ouro – por toda a parte o brilho do ouro”, escreveu o egiptólogo depois. Howard Carter havia feito a mais rica descoberta régia da História no calorento Vale dos Reis, no Egito: o túmulo do faraó Tutancâmon.

Rei dos 10 aos 19 anos de idade, Tutancâmon teve uma vida curta, mas com doses generosas de drama e intrigas (assim como sua morte). E, embora não tenha deixado herdeiros, Tut, apelido que só ganhou no século 20, tornou-se um dos reis mais populares da Antiguidade após a descoberta de seu túmulo, pequeno e praticamente intacto. Mais que isso: ajudou os arqueólogos a recriar o cotidiano do Egito e a entenderem mais sobre a vida e a morte na rica e avançada civilização.

Howard Carter analisa sarcófago de Tutancamon / Crédito: Wikimedia commons

Filho da revolução

Tutancaton, como foi chamado ao nascer, em cerca de 1341 a.C., era o provável filho do faraó Amenhotep IV. Durante séculos, a principal divindade adorada pelos ancestrais de seu pai, os faraós da 18ª Dinastia, era Amon, um deus solar. Ao lado dele, uma série de outros deuses eram venerados no Egito.

Por trás do enorme panteão havia milhares de sacerdotes e templos, que representavam uma força política das mais relevantes – numa comparação com os dias atuais, seriam como parlamentares. Esperava-se que o faraó Amenhotep IV mostrasse sua deferência aos deuses fazendo doações generosas aos religiosos, os quais, com isso, cresciam em poder e riqueza.

Amenhotep IV, no entanto, alterou esse velho equilíbrio. Ele repentinamente resolveu virar devoto de Aton, representado pelo disco solar e até então uma divindade um tanto obscura. Quis ainda transformá-lo no único deus dos egípcios. Como se não bastasse, mudou seu nome para Akhenaton, fundou uma nova capital, a cidade de Akhetaton (ou Amarna) e tentou apagar o nome de Amon dos monumentos do país. Fora a confusão religiosa, O Egito também enfrentou problemas políticos e ficou quase abandonado em seu reinado.

“Essa negligência fica especialmente clara no caso das relações exteriores do Egito. Akhenaton simplesmente deixou de dar atenção às guarnições militares egípcias e aos reis vassalos do país na Palestina e na Síria”, afirma o egiptólogo Michael Rice, autor de Egypt’s Legacy (O legado do Egito, sem versão em português). “O faraó muitas vezes nem respondia às cartas urgentes enviadas por seus súditos no exterior”, diz o arqueólogo Donald B. Redford, da Universidade de Toronto, no Canadá. Resultado: os tributos dessas regiões deixaram de fluir para os cofres egípcios. A despreocupação de Akhenaton com os negócios de Estado sugere que sua reforma religiosa não foi um movimento friamente calculado para tirar poder dos sacerdotes, mas um reflexo genuíno de sua fé.

Seja como for, em 1336 a.C., após 13 anos de reinado, o faraó morreu, deixando o país nesse estado bagunçado. E, após um período de cerca de dois anos, o trono acabou ocupado por Tutancaton, então um menino de 9 ou 10 anos. Os documentos apenas dão pistas de que Akhenaton era o pai do garoto. Nos retratos oficiais, o faraó de Amarna aparece com sua esposa principal, Nefertiti, e suas seis filhas – nunca com um filho.

No entanto, há registros de que Tut era filho do rei, e que o menino nasceu no meio do reinado de Akhenaton – tarde demais, portanto, para que ele fosse irmão mais novo do faraó. Além disso, há indícios de que Kiya, esposa secundária de Akhenaton, deu à luz um menino, o que indica que pode ser a mãe de Tut.

Objetos encontrados na tumba do faraó / Crédito: Reprodução

Por outro lado, alguns arqueólogos dizem que, naquele período que se passou entre a morte de Akhenaton e a ascensão de Tutancâmon, o Egito foi governado por um tal Smenkhare, que aparece como co-regente de Akhenaton em seus últimos anos. Nesse caso, Smenkhare, que teria reinado apenas alguns meses, poderia ser meio-irmão de Akhenaton ou filho dele, o que faria de Tut um sobrinho ou neto do faraó de Amarna. Para complicar ainda mais, alguns pesquisadores acreditam que Smenkhare e Nefertiti seriam a mesma pessoa – e a esposa teria assumido o trono com outro nome após a morte de Akhenaton, antes de Tut entrar em cena. Por enquanto, todas essas hipóteses são defensáveis.

Casamento com a irmã

O certo é que Tutancaton acabou sendo reconhecido como o único herdeiro masculino da 18ª Dinastia e, para reforçar ainda mais seu direito ao trono, os conselheiros do faraó-menino realizaram seu casamento com Ankhesepaton, uma das filhas mais novas de Akhenaton, que devia ter cerca de 12 anos na época – e que seria, assim, meia-irmã de Tut.

“A medida tem a ver com o fato de que a linhagem feminina era uma garantia importante da ligação com a realeza no Egito”, afirma o egiptólogo Bob Brier, da Universidade de Long Island, nos Estados Unidos. A união de dois meios-irmãos de sangue real chegava, portanto, bem perto do máximo de legitimidade política.

Em todo esse processo, Tut e sua noiva devem ter sido assessorados de perto por duas figuras que acabariam ocupando o trono faraônico mais tarde: o vizir (espécie de primeiro-ministro) Aye e o general Horemheb. Os dois tinham sido muito próximos de Akhenaton, mas, percebendo o descontentamento dos egípcios com o regime monoteísta de Amarna, fizeram o novo faraó ser coroado em Tebas, antiga capital da 18ª Dinastia e centro do culto ao velho deus Amon.

O casal real voltou brevemente para Akhetaton, mas, cerca de dois anos após a coroação, mudou-se em definitivo para Tebas e passou a ser conhecido pelos nomes de Tutancâmon e Ankhesenamon – a incorporação do nome do deus Amon sinalizava a volta à velha ordem religiosa.

Mas a contra-revolução não ficou meramente subentendida. Tut (certamente sob inspiração de Aye) mandou erigir um monumento em frente ao templo de Amon em Karnak, nos arredores de Tebas, onde resumia seu programa de governo em hieróglifos – o equivalente na época a um pronunciamento do presidente em rede nacional de televisão e rádio.

“Nem era preciso ler o texto: lá estava a imagem do faraó trazendo oferendas para Amon”, diz Brier. No entanto, os hieróglifos foram decifrados. E diziam: “Quando sua majestade subiu ao poder, os templos dos deuses e deusas tinham caído em abandono. A terra estava em confusão, os deuses tinham abandonado este país. Então sua majestade meditou, procurando o que seria benéfico a seu pai Amon. Todas as oferendas dos templos foram dobradas, triplicadas, quadruplicadas. A celebração agora toma toda a terra, e as condições favoráveis voltaram”.

Se nas entrelinhas a mensagem de Tutancâmon atestava a incompetência do pai, a impressão deixada pela maioria dos registros é que o Egito voltou a entrar nos eixos. A construção de templos e monumentos foi retomada no vale do Nilo e, sob a batuta de Horemheb, o exército egípcio voltou a ser temido no Oriente Médio. O general esmagou os rebeldes que tentavam separar a Núbia (norte do atual Sudão) do reino faraônico e voltou a impor alguma ordem na Palestina e na Síria. Os principais inimigos do Egito na área eram os hititas, povo que governava a atual Turquia e estava tentando uma expansão para o sul, ameaçando tirar algumas regiões da Síria da esfera de influência egípcia.

Egito no Império Novo / Crédito: Wikimedia commons

A mole vida de um rei

A descoberta em 1922 do túmulo quase intacto de Tutancâmon – apenas a primeira parte dele havia sido saqueada poucos anos após sua morte – ajudou os arqueólogos a recontar não só a biografia do faraó como também sua vida diária e o dia-a-dia no Egito. Lá dentro foram contabilizados 5398 objetos e utensílios ligados a Tut. Por meio das peças e pinturas encontradas, os arqueólogos descobriram que o faraó costumava participar de festas religiosas em Tebas, como a que celebrava a visita do deus Amon ao templo de Luxor.

Nela, as estátuas dos deuses seguiam 3 quilômetros pelo rio Nilo em barcos. Outro tipo de festa celebrava o deus-falcão Hórus – deus, aliás, de quem o faraó era o representante na Terra (de acordo com a tradição da monarquia divina egípcia, quem governava o país era o próprio Hórus, na figura do faraó).

Ele também era um caçador: a quantidade de arcos no túmulo de Tut não deixa dúvidas de que ele adorava o esporte. Em geral, nessas ocasiões, ele e Ankhesenamon deixavam seu palácio em Mênfis, no norte do Egito, e partiam para o delta do Nilo, perto do Mediterrâneo, uma região coberta por uma densa vegetação pantanosa e lar de grande quantidade de aves aquáticas. Enquanto Tutancâmon mirava um pato, a rainha preparava a próxima flecha para ele. Com um arco maior, parecido com os usados na guerra, Tutancâmon partia para o deserto para caçar avestruzes e gazelas, montado em bigas ou carruagens velozes. Enquanto um cocheiro assumia as rédeas, o jovem faraó manejava a arma, que podia lançar flechas a quase 200 metros de distância.

As cenas da vida de Tutancâmon retratam o casal sempre próximo, trocando gestos de carinho (o rei oferece uma flor de lótus para a esposa, ou derrama perfume nas mãos dela). Os dois adoram os deuses ou oferecem colares de ouro aos súditos que realizaram tarefas importantes com sucesso.

Tudo isso sugere que a relação entre eles era ótima. Mas o casal provavelmente perdeu duas filhas. Ankhesenamon teria sofrido abortos com oito e cinco meses de gravidez. A primeira menina, se tivesse sobrevivido, teria deficiências físicas sérias. Os dois fetos foram mumificados, contrariando a prática da época, e colocados na tumba do pai. Cerca de dois ou três anos após a morte do segundo bebê, em 1324 a.C., Tutancâmon morreu.

Morte cheia de mistério

A morte foi acompanhada de uma baita confusão. Os únicos fatos indiscutíveis na bagunça envolvem Ankhesenamon numa conspiração internacional fracassada. Agindo por desespero e interesse político, a rainha escreveu para Supiluliuma I, o rei dos inimigos hititas, em tom de súplica. “Meu marido morreu. Filhos eu não tenho. Mas para ti, dizem, os filhos são muitos. Se me desses um dos filhos teus, ele tornar-se-ia meu marido. Nunca hei de tomar um servo meu e fazê-lo meu esposo! Tenho medo!”

O acordo entre ela e Supiluliuma acabou selado e o rei hitita chegou a mandar um de seus filhos para o Egito, mas o príncipe nunca alcançou seu destino: foi misteriosamente morto no caminho. A solução encontrada pela viúva de Tut e o ex-vizir Aye foi um casamento. Anéis comemorando o matrimônio dos dois provam isso. Até hoje, não se sabe como ou quando ela morreu.

Para Bob Brier, o mistério da morte de Tut tem explicação: o ambicioso Aye teria mandado matá-lo, assim como teria feito depois com Ankhesenamon. Para Brier, a presença de um coágulo na nuca do faraó, sugerida por radiografias da múmia, indica que ele teria levado uma pancada na parte de trás da cabeça enquanto dormia. Ao ver que seu mestre chegava à mauridade e não toleraria mais ser manipulado, Aye teria decidido que era hora de tomar o poder. O vizir também jamais aprovaria o governo de um estrangeiro no Egito. Portanto, teria mandado matar o filho do rei hitita.

No entanto, recentes tomografias computadorizadas feitas na múmia não revelaram a suposta lesão craniana. Para Zahi Hawass, secretário-geral do Conselho Supremo de Antiguidades do Egito, o principal resultado da análise foi a presença de uma fratura séria no fêmur esquerdo do rei, que teria cicatrizado pouco antes da morte. Ele acredita que uma infecção ligada à fratura – que teria acontecido numa das caçadas de Tutancâmon a bordo da carruagem – seria a causa da morte. “Eles, porém, ainda não fizeram uma publicação científica dos achados”, diz Brier.

Rosto mumificado do faraó / Crédito: Reprodução

De concreto, sabe-se que o faraó-menino morreu muito cedo, inesperadamente. A prova é seu túmulo, muito menos suntuoso que os dos reis de sua dinastia: decerto não estava acabado. Tut chegou a supervisionar a construção de sua futura sepultura. “Como era costume, o faraó deve ter passado quase toda sua vida na tarefa de construir a sepultura, finalizada só quando ele morreu”, diz o egiptólogo Julio Gralha, da Universidade Estadual do Rio de Janeiro.

Por causa da morte inesperada, a mobília funerária de Tut era composta por alguns objetos que nem pertenciam ao faraó, e sim a outros membros da família. Muitas peças de ouro maciço foram encontradas ali. Tutancâmon não teria tido tempo de conseguir aquilo tudo, e alguns arqueólogos apontam o fato como outro indício da conspiração para matá-lo. Assim, a suntuosidade preparada por seus supostos assassinos esconderia seus verdadeiros propósitos.

A maldição da múmia

A descoberta da tumba em 1922 também suscitou uma outra teoria. O fato de arqueólogos ocidentais terem virado o túmulo do avesso (o corpo do faraó foi até fatiado para os estudos) deu início à lenda de uma maldição da múmia que recairia sobre os que participaram do suposto sacrilégio. O indício mais concreto disso foi a morte de lorde Carnarvon, o nobre britânico que financiou as escavações, ocorrida após a picada de um mosquito cinco meses após a descoberta.

Dias antes da abertura do sarcófago de Tut, morrera o canário de Howard Carter, considerado a mascote da equipe de escavação. Outras mortes se seguiram: três estudiosos ligados direta ou indiretamente à descoberta, o meio-irmão de Carnarvon e até seu cachorro. Foi divulgado na época que Tut advertira sobre os riscos de violarem sua sepultura. Uma inscrição estaria gravada em sua tumba: “As asas da morte tocarão aquele que incomodar o faraó”.

No entanto, um estudo feito pelo epidemiologista Mark Nelson, da Universidade Monash, na Austrália, mostrou que a idade média de morte das pessoas que entraram no túmulo de Tut foi de... 70 anos, a mesma expectativa de vida de contemporâneos. O próprio Carter só morreu em 1939. Já a tal inscrição, revelou um membro da equipe em 1980, foi uma mentira inventada por Howard Carter e seu mecenas. Tudo para que ninguém ousasse roubar nada da riquíssima tumba do rei. Deu certo.


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