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Matérias / Brasil

Das Ist Brummer: Os terríveis imigrantes alemães

No Rio Grande do Sul, entre os anos de 1825 e 1870, para garantir as fronteiras do Brasil e um futuro melhor para os seus descendentes, o imigrante alemão trocava a enxada pela espada

M.R. Terci Publicado em 03/03/2020, às 14h00

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A Chamada dos Brummer - Wikimedia Commons
A Chamada dos Brummer - Wikimedia Commons

É em algum trecho de um caminho de pólvora, aço e sangue, em um daqueles muitos milhares de pontilhados nos mapas de antigas pelejas bandeirantes e sesmarias esquecidas que flagramos o jovem Frederico, atirador de elite alemão.

A aurora desponta e verte nos prados torrentes de luz. O sol nunca atrasa, a guerra não tarda; marcham as legiões sobre pasto caudilho, fulgem nos campos as espadas lustrosas, lampejam as baionetas sedentas de sangue. Na vanguarda de ambos os exércitos resvalam as balas dos fuzis, relincham os cavalos, trovejam, retumbam e ribombam os canhões.

Misturam-se brados e clamores ao som da corneta e ao rufar ruidoso do tambor. Chamas ardentes envolvem o Arrojo Morón e gritam os lábios aterrados quando sobre as barricadas se abatem medonhos estampidos. A morte vem dali. Monte Caseros, inferno inundado por vermelho clarão e densa nuvem de fumo. Isso acaba hoje, diz o vento quando finalmente silenciam as bocas de fogo.

Debaixo da sombra da bandeira do Império do Brasil, Frederico respira a fumaça pesada de pólvora e ouve o grito dos companheiros abatidos. Frederico é pedra dura, mas por dentro ainda é menino. Guardou a infância dentro de si, pois, muito cedo, foi privado dela. Seu aspecto, no entanto, já é um dos mais característicos e vigorosos deste século de guerra.

Um viking cuja morte ou sobrevivência não produziria impressão maior na história do império. Mas Frederico atravessou o oceano, viajou muitas milhas para provar seu valor e encontrar o seu destino. Ajusta a baioneta. Confere seu fuzil de retrocarga Dreyse, faz uma oração, espia por cima da trincheira.

O inimigo já vem.

Existem duas versões para Frederico ter se metido nesse sarilho.

Na primeira, Frederico Michaelsen nasceu na cidade de Hamburgo, na Alemanha, em 19 de fevereiro de 1829. Filho de Gottlieb Michaelsen. Sua mãe, Emilie Hildbrand, morreu no parto. Na segunda, era filho de uma tal Rebeca Michaelsen e foi abandonado nas escadarias da igreja de Saint Michaelis. Qualquer que seja a verdade, órfão de sangue e de pátria, a guerra lhe deu o nome de brummer e, outra terra, pedra bruta carente de cinzel, o adotou.

No Rio Grande do Sul, entre os anos de 1825 e 1870, para garantir as fronteiras do Brasil e um futuro melhor para os seus descendentes, o imigrante alemão trocava a enxada pela espada. É em algum trecho desse caminho de pólvora e sangue, em um daqueles muitos milhares de pontilhados nos mapas de antigas pelejas bandeirantes e sesmarias esquecidas que flagramos o jovem Frederico, atirador de elite alemão, mordendo o cartuchame no afã de disparar mais tiros letais, caçando à bala os artilheiros inimigos que bloqueavam o avanço da cavalaria do tenente-coronel Osório. Frederico reconhecia naquele homem um gigante. Já havia visto gigantes antes.

Na Alemanha, muito antes de ter idade para se barbear, levantara armas contra a Dinamarca. Aqui, educado com os boletins do Império do Brasil, onde se respira o cheiro da pólvora, onde arde o fogo da batalha, Frederico bebe do mesmo entusiasmo de Osório, compartilha a gana com que entra na liça e deixar vaguear seu espírito de aventura pelas mil veredas do perigo.

E tudo era perigo do outro lado do oceano.

Em 1851, por intermédio do tenente coronel Sebastião do Rego Barros, dois mil legionários alemães foram contratados pelo Império do Brasil para lutar contra Oribe no Uruguai e Rosas na Argentina, guerra essa que segundo Osório terá seu epílogo hoje, 03 de fevereiro de 1852, na batalha de Monte Caseros, na qual 80 brummers, armados com seus fuzis Dreyse, terão participação decisiva.

Escravos em frente ao teatro, Do Rocio, Rio de Janeiro, Brasil, em meados de 1820 / Crédito: Getty Images

A fronteira do Rio Grande do Sul, ao longo de 243 anos de conflitos, sofreu diversos fluxos e refluxos, fosse por força de conflitos bélicos, fosse por força de tratados diplomáticos. Para fixação definitiva da fronteira e preservação da integridade e soberania brasileira no Sul, os brummers contribuirão militarmente, de modo expressivo, direta e indiretamente, no período mais agudo do conflito.

Frederico é brummer e existem duas versões ser chamado pela chalaça. A primeira, pela tradução literal da palavra alemã que significa rezingão ou resmungador, pois têm os mercenários alemães temperamento deveras turbulento, rixento e reclamador. Indisciplinados e brigões, não se submetem e reagem por vias de fato, por sua conta e risco. A estratégia sugerida por Osório foi soltar esses demônios em cima dos argentinos partidários de Rosas. A outra versão para se chamarem brummers diz respeito à moeda polonesa que circulava na Alta Silésia, terra natal de alguns deles.

Era grande, feita de cobre e fora apelidada brummer (rezingão) devido ao som peculiar que produzia quando girada sobre o tampo de uma mesa. Ao verem as moedas de 2 vinténs – quarenta réis de cobre com a esfinge de Dom Pedro II – com as quais receberiam seu soldo, exclamaram surpresos: “Por mil raios! São os nossos rezingões! ”. No desembarque, cada legionário havia recebido a paga de 5.115 réis e, ao que consta, realmente receberam esse primeiro soldo em moedas grandes de 40 réis, mais exatamente 127 moedas de cobre por mês, pesadas e volumosas, que ao serem transportadas por cada soldado produziam grande ruído. Disso todos eles se lembravam e se ressentiam.

No dia 24 de maio de 1851, Frederico Michaelsen e seus irmãos mercenários desembarcaram no Rio de Janeiro e marcharam pelas ruas da cidade. As moedas nos bolsos dos soldados provocavam de fato barulho suficiente à chamar a atenção do povo carioca. Quando indagados sobre o ruído, respondiam: “Das ist brummer! ”. O termo caiu no gosto popular e dentro de pouco tempo os alemães passaram a ser chamados de brummers.

Os alemães então seguiram junto com a Divisão Brasileira. Em dezembro de 1851, reembarcaram em Montevidéu, subiram o rio Paraná, desembarcaram em Diamante, forçaram a passagem por Tonelero e marcharam até aqui. Agora a infantaria avança com balas zunindo por cima das cabeças. A cavalaria faz a terra tremer e Frederico confere o fuzil mais uma vez. Respira profundamente. Há duas versões para estar atolado até os joelhos numa trincheira defronte a Monte Caseros. Apenas uma lhe interessava, pois traz consigo um propósito. Frederico Michaelsen, pedra bruta, salta então da trincheira e corre de arma em punho para se bater com o inimigo.

Quem me contou a história de Frederico foi Valmor Heckler, quando da época que pesquisava para escrever o romance Imperiais de Gran Abuelo. Valmor administra o Parque Pedras do Silêncio, em Nova Petrópolis, um imenso parque turístico que relata através de escultura em pedras, a história da imigração no Rio Grande do Sul.

Mas se você parar por um instante e prestar atenção, realmente vai ser capaz de ouvir a lida de antigamente, do soldado e do colono, do retinir do aço e da canção da enxada, e muito vai descobrir sobre o júbilo dos vitoriosos. Mas ouça mais, ouça além da pedra bruta. Das ist brummer sussurra o povo carioca à sua passagem. Das ist brummer ovaciona o gaúcho quando é recebido na vila Nova Petrópolis. Das ist brummer sussurram os camaradas das antigas testilhas quando leva sua amada ao altar. Das ist brummer canta a vila em festa, quando nasce o primeiro rebento Michaelsen em terras brasileiras.  Ali é costume dizer que as pedras contam histórias.

Logo após as guerras que lhes deram fama, no qual incluíram-se incursões na Guerra do Paraguai, Frederico e muitos de seus irmãos brummers se radicaram em vilas do Rio Grande do Sul e aceleraram o desenvolvimento cultural e industrial de toda Província. Dada a excelência de sua cultura, habilidades técnicas e, por transferência de conhecimentos aos vigorosos braços dos agricultores somada à atuação em diversos setores, juristas, políticos e professores, os mercenários somaram cérebros e mãos de hábeis artifícios.

Dar forma às pedras, esse era o propósito.


M.R. Terci é escritor e roteirista; criador de “Imperiais de Gran Abuelo” (2018), romance finalista no Prêmio Cubo de Ouro, que tem como cenário a Guerra Paraguai, e “Bairro da Cripta” (2019), ambientado na Belle Époque brasileira, ambos publicados pela Editora Pandorga.


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