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Matérias / Egito Antigo

Egito Ptolomaico, a intrigante nação da rainha Cleópatra

O período foi muito diferente dos estereótipos de Hollywood; longe de ser um lugar de exotismo, era o verdadeiro coração da cultura ocidental

Raphael Tsavkko Garcia Publicado em 27/03/2020, às 09h00

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Cena do jogo Assassin's Creed Origins - Divulgação
Cena do jogo Assassin's Creed Origins - Divulgação

Cleópatra costuma ser retratada no cinema como uma espécie de faraó do tempo das pirâmides. Rainha de um país exótico para sua época, um contraste com a Roma de “nossos ancestrais”, o centro da Civilização Ocidental. Quando era o contrário: Roma podia ser o centro da política e do comércio, mas a sede da cultura da Era Helenística e mesmo de parte da romana ficava em Alexandria, a capital do reino de Cleópatra.

Era como se, no século 19, César morasse em Londres e ela em Paris. Cleópatra foi a última rainha da Dinastia Ptolomaica, os reis gregos do Egito que clamavam para si o título de faraós.

A dinastia levou o pensamento grego para o Egito, como sua arte e arquitetura, mas respeitou os costumes locais, adotando inclusive seus deuses, criando uma mescla única que levou o Egito a uma nova fase.

O reinado dos descendentes de Ptolomeu chegou ao fim em 30 a.C. com o suicídio de Cleópatra e a morte em circunstâncias suspeitas de seu filho, Ptolomeu Cesarião, mas seu legado permanece até hoje – e não apenas em filmes.

Cleópatra, por exemplo, é celebrada como uma referência da ginecologia. De acordo com pesquisadores, ela teria “conhecimento de doenças ginecológicas e uma profunda instrução em farmacologia, chegando a escrever um livro sobre o tema”.

Alexandria, com Roma e Cartago, foi uma das cidades mais importantes da Era Helenística, que começou em 323 a.C., com a morte de Alexandre, o Grande, e terminou em 31 a.C., na Batalha de Áccio, sinalizando justamente a conquista do Egito por Roma.

Era o centro cultural e econômico não só do Egito mas de todo o Mediterrâneo e mundo antigo. A famosa Biblioteca de Alexandria tinha a pretensão de reunir todo o conhecimento do mundo. E o Mouseion, do qual era parte, foi o primeiro grande centro de ensino superior.

Júlio César, em 48 a.C., mandou incendiar o porto de Alexandria e o fogo se espalhou até a biblioteca, destruindo parte de seu acervo. Não se sabe o quanto foi destruído, mas a biblioteca seguiu existindo – sem o mesmo esplendor e importância – e sendo mencionada em documentos históricos até meados do século 5, já profundamente no período romano.

Heron de Alendria, o grande gênio que chegou a inventar uma espécie de motor a vapor no século 1, era parte do Mouseion.

A rainha e a sua comitiva / Crédito: Divulgação/Sattu

Nascimento de uma nação 

Alexandre, o Grande, que em poucos anos conquistara o maior império que o mundo havia visto, morreu em meio às conquistas. Seus generais dividiram o butim. Um deles, Ptolomeu Soter, assumiu o trono do Egito como “faraó” em 304 a.C.

Macedônia e Grécia haviam ficado com Cassandro; parte da Turquia e a Trácia ficaram com Lisímaco; a maior parte do antigo império, com territórios que se estendiam da Ásia Menor, passando pela Mesopotâmia até as portas da Índia, ficou com Seleuco, criando o rival Império Selêucida. Ptolomeu, além do Egito, levara partes da Ásia Menor e Chipre.

O Levante acabou se tornando uma área de conflito entre os dois ex-generais e seus descendentes, passando por diferentes domínios. A Judeia conseguiu conquistar a sua semi-independência, mantendo o status de vassalo, contra o Império Selêucida em 160 a.C., com a Revolta dos Macabeus.

Quanto ao Império em si, enfraquecido por seus confrontos com o Egito e por várias guerras civis, acabaria resrito à Síria, conquistada pela República Romana em 63 a.C. O general e seus descendentes construíram templos e respeitaram a hierarquia religiosa local como forma de serem aceitos, sem revoltas ou contestação, pela população egípcia.

No entanto, eles também precisavam manter clara sua origem grega, que comandava status no mundo helenístico. Também financiavam a construção de templos de deidades gregas e eventos culturais e esportivos das colônias gregas fundadas no país.

A dinastia mantinha um equilíbrio entre esses dois mundos e suas diferentes divindades, mas também buscou promover o sincretismo religioso, mesclando deuses e lendas e também mantendo viva a memória de Alexandre, o Grande, que, ao conquistar o Egito, peregrinou ao templo de Amon-Rá, deus sol egípcio.

“Os padres do templo declararam Alexandre como sendo filho de Zeus Amon”, unindo as divindades egípcias (Amon-Rá) e gregas (Zeus) – o que já significava um primeiro passo em direção ao sincretismo religioso que os ptolomaicos iriam promover mais adiante.

A tolerância, porém, não se estendia a um povo dentro do império, que não aceitava misturar seu deus com outros: os judeus. Os territórios judeus do Levante eram constantemente disputados pelo Egito e o Império Selêucida.

Ambos politeístas, irritavam imensamente os donos da terra, e, em 160 a.C., a Revolta dos Macabeus conseguiu expulsar os selêucidas de vez. Para sobreviverem, os judeus acabaram se aliando aos romanos, que eventualmente os conquistariam.

Cena do jogo Assassin's Creed Origins / Crédito: Divulgação

Um país híbrido 

Todos os faraós, por séculos, se chamavam Ptolomeu. As rainhas preferiam nomes como Cleópatra, Arsinoë e Berenice. A famosa Cleópatra era a sétima de seu nome. Uma tradição egípcia que foi adotada pelos governantes helênicos foi a de faraós casarem com suas irmãs e governarem conjuntamente com elas.

O que, ironicamente, levou a dinastia a se manter mais grega ainda. Cleópatra governou o Egito com seu pai, Ptolomeu XII, e com seus irmãos Ptolomeu XIII e XIV, tendo ainda se casado com este último e supostamente mandado envenená-lo para poder governar com seu filho, Ptolomeu XV Cesarião.

Os faraós ptolomaicos mantiveram a tradição helênica de incentivo ao conhecimento e filosofia. Ptolomeu primeiro planejou a construção da grande Biblioteca de Alexandria, levada a cabo por seu filho.

De acordo com Andrew Erskine, a Biblioteca de Alexandria garantia aos ptolomeus “uma ligação política e dinástica com Alexandre; também garantia aos gregos no Egito uma ligação com seu próprio passado”.

Não que a cultura helênica não estivesse já presente no Egito, colônias gregas já existiam mesmo durante o domínio persa e diversos faraós dependiam dos serviços de mercenários gregos para manterem-se no poder, e muitos desses mercenários acabaram criando raízes no país e espalhando sua cultura por todas as partes.

Apesar da prática de adotar os costumes locais e mesclá-los aos gregos, os faraós ptolomaicos eram vistos como estrangeiros, de acordo com James O’Neil, “o conflito étnico era um fator significante das revoltas” e diversos levantes foram sufocados desde a fundação do reino.

Em 205 a.C. Ptolomeu IV se viu diante de uma revolta popular sem precedentes e perdeu o controle de boa parte do Alto Egito para o líder rebelde que adotou o nome de Faraó Hugronaphor (que governou até 197 a.C.). Seu sucessor, Ankhmakis, chegou a dominar 80% do Egito, até ser derrotado por Ptolomeu V em 185 a.C. e o reino ser novamente unificado.

Após a derrota de Ankhmakis, Ptolomeu V foi coroado faraó de todo o Egito e em sua homenagem sacerdotes mandaram esculpir a famosa Pedra de Roseta. A Pedra de Roseta foi encontrada em 1799 pelo soldado Pierre-François Buchard durante a campanha napoleônica no Egito quando esta era usada como material de construção do Forte Julien, na cidade de Rashid. A pedra possuía inscrições em egípcio antigo, tanto em hieróglifos quanto em escrita demótica, e em grego antigo de um decreto que estabelecia o culto a Ptolomeu V.

Representação de uma pesagem do Livro dos Mortos / Crédito: Wikimedia Commons

Foi graças à Pedra de Roseta que Jean-François Champollion, considerado o pai da egiptologia, foi capaz de, pela primeira vez em séculos, compreender e traduzir a língua egípcia antiga e decifrar o significado dos hieróglifos, por volta de 1822.

A vitória de Ptolomeu V sobre os rebeldes que haviam dominado parte do país não trouxe paz ao reino, que se encontrava em visível declínio, tendo perdido territórios para o reino macedônio e parte do Levante para os selêucidas.

Para conseguir a paz com os selêucidas, Ptolomeu V casou com Cleópatra, a Síria, filha do então imperador Antiochus III. Cleópatra foi regente durante a infância de seu filho, Ptolomeu VI, após a morte prematura de seu marido. Porém sua morte também prematura fez com que a aliança entre os reinos de seu pai e seu filho desmoronasse e em 170 a.C. Antiochus IV invadiu e conquistou o Egito, depondo Ptolomeu VI e colocando em seu lugar, como fantoche, seu irmão mais novo, Ptolomeu VIII.

Os irmãos Ptolomeu entraram em confronto após a retirada do imperador selêucida, e isso abriu espaço para que Roma passasse a influenciar o Egito. Essa influência irá crescer à medida que sucessivos faraós ptolomaicos se envolviam em conflitos familiares e mesmo assassinavam uns aos outros, até que em 80 a.C. Ptolomeu XI foi linchado por uma turba em Alexandria por ter assassinado sua mãe adotiva (que também era sua prima, tia e esposa).

A partir desse momento Roma passou a efetivamente governar o Egito, ainda que mantivesse as aparências mantendo governantes ptolomaicos como fantoches até a morte de Cleópatra e Cesarião quando o Egito se tornou uma província romana.

País hi-tech 

Como falamos no começo, o Egito ptolomaico é muito diferente do que conhecemos pelos filmes de Hollywood. De fato intrigas palacianas eram lugar-comum, porém os filmes nunca foram capazes de captar os avanços do Egito sob domínio ptolomaico, um farol para a Antiguidade com sua biblioteca que atraía estudiosos de todo o mundo conhecido e, acredita-se, possuía o equivalente a mais de 200 mil livros em seu auge, assim como seus portos comerciais de grande importância para o Mediterrâneo e também para o comércio com reinos árabes e indianos, e os avanços tecnológicos que promoveu, como por exemplo na construção de grandes navios.

O governante grego da Sicília, Heron II, construiu o maior navio já visto até então na Antiguidade e o deu de presente a Ptolomeu II por volta de 240 a.C. Anos depois, Ptolomeu IV resolveu superar a façanha de Heron e mandou construir o Tessarakonteres, que, segundo Christopher Chaffin, era “não apenas o maior barco de guerra da Antiguidade como o único registrado em uma descrição com suas medidas”.

De tão grande, mal conseguia navegar e ser manejado, o que o tornava inviável como navio de guerra e seria mais como um ícone de prestígio da engenharia ptolomaica. Acredita-se que tenha sido o maior navio jamais construído na Antiguidade e o maior, até hoje, a depender de remos e força humana para movê-lo.

Ptolomeu I também foi o responsável pela construção do Farol de Alexandria, ou Pharos (que seu filho, Ptolomeu II, concluiu), uma das sete maravilhas do mundo antigo e que resistiu até 1375, quando um forte terremoto o destruiu.


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