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Matérias / Guerras

Guerra Anglo-Zulu: Quando a lança venceu o fuzil

Neste dia, em 1879, começava o conflito entre ingleses e zulus. O exército britânico precisou de seis meses para vencer os africanos, em um combate histórico

Thiago Cordeiro Publicado em 11/01/2020, às 10h00

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Ilustração da Guerra Anglo-Zulu - Divulgação
Ilustração da Guerra Anglo-Zulu - Divulgação

De um lado, guerreiros praticamente nus, protegidos por um escudo feito de couro de vaca e com uma lança nas mãos, que eles chamavam de iklwa – na falta delas, qualquer pedaço de madeira servia como porrete. A maior parte dos soldados era de camponeses, vinda de vilarejos.

Do outro, o maior império já visto no planeta Terra, onde se dizia que o Sol nunca se punha. Soldados bem preparados, utilizando uniformes padronizados com calças pretas, blusas vermelhas e capacetes cáqui. Portavam artilharia, cavalaria e os fuzis mais modernos disponíveis, os recém-introduzidos Martini-Henry.

A invasão ao território zulu havia apenas começado quando aconteceu a batalha de Isandlwana. Os ingleses haviam se dividido em três colunas, que avançavam sem resistência desde 10 de janeiro de 1879.

Obra registra a batalha de Isandlwana / Crédito: Wikimedia Commons

No dia 22, uma dessas colunas, comandada pelo general e barão Frederic Thesiger, se aproximou de Isandlwana, um morro cujo nome faz referência ao segundo estômago das vacas – para os ingleses, mais parecia uma esfinge, ou um leão deitado.

O local, que fica a 170 quilômetros da atual cidade de Durban, na África do Sul, era adequado para os britânicos acamparem e se posicionarem de forma defensiva para aguardar a aproximação zulu. Não foi o que aconteceu.

Thesiger não acampou, nem estabeleceu um ponto para recuo de seus homens. Confiante que estava na superioridade de seus soldados e suas armas, ele montou uma linha de defesa bem armada e avançou.

Os ingleses não sabiam, mas já haviam perdido. Liderados pelo comandante Ntshingwayo Khoza – ainda estavam estudando os movimentos dos inimigos europeus e reagiram de supetão ao perceber que seriam atacados –, os zulus fizeram o que sabiam: lançaram um ataque frontal e, em paralelo, realizaram um movimento tático que ficaria conhecido, na Inglaterra, como o “chifre do diabo”: dois grupos atacaram pelas laterais,
simultaneamente.

Os soldados britânicos estavam muito distantes entre si, o que facilitou o ataque frontal. “A linha de fogo britânica se estendia por 2750 metros, o que significa que havia espaço demais entre os soldados. Havia dado certo em outras campanhas britânicas, em especial contra os xhosas, também do sul da África, porque o poder de fogo dos Martini-Henry conseguiu eliminar a linha de frente adversária. Não foi o caso em Isandlwana.”

Para complicar ainda mais a situação, as duas colunas laterais dos zulus encontraram os flancos desprotegidos, de forma que foi possível cercar os inimigos europeus. Rapidamente, os zulus dispersaram os inimigos que restaram.

“Percebendo que estavam sendo cercados, os britânicos perderam coesão, o que permitiu aos zulus separálos em pequenos grupos e provocar a batalha da maneira como eles mais mais gostavam, com combates corpo a corpo até a morte de um dos adversários, em geral os europeus”, afirma John Laband, professor emérito da Wilfrid Laurier University, do Canadá, e autor de Historical Dictionary of the Zulu Wars (sem tradução). “Apenas alguns homens a cavalo conseguiram escapar.”

Muitos soldados morreram tentando se defender usando facas ou transformando suas armas descarregadas em porretes. Alguns, que optaram por fugir correndo, simplesmente foram cercados e forçados a lutar até o fim.

Quando a batalha havia se tornado uma simples perseguição, era perto das 14h30. Nesse horário, aconteceu um eclipse total do sol, que deu à derrota britânica um ar ainda mais funesto.

Em parte, o fracasso da estratégia se explica pela grande diferença de contingente: eram 67 oficiais e 1707 soldados britânicos, contra uma quan tidade muito maior de zulus: 23 mil homens. Morreram 1300 militares do lado inglês (ou seja, 76% do total), contra aproximadamente mil africanos (ou 4% dos combatentes).

Das três frentes que iniciaram a invasão ao reino zulu, uma foi destroçada em Isandlwana. As outras duas se viram isoladas, porque penetraram rápido demais no terreno adversário e os zulus só precisaram cortar as linhas de fornecimento de mantimentos.

O general Frederic Thesiger se viu forçado a recuar para fora do país inimigo. O erro inicial marcaria sua carreira para sempre, mas ele ainda não sabia disso. Ainda acreditava que podia receber os louros por trazer um novo território inteiro, e suas minas de diamantes, para a posse da Coroa.

Thesiger havia provocado uma tensão que antes não existia entre britânicos e zulus, e decidira partir para a guerra sem o aval de seus superiores. Agora estava decidido a se recompor diante de uma das derrotas mais vergonhosas da história do império a que servia.

“A vitória zulu mudou a abordagem dos britânicos. A derrota em Isandlwana deu aos  europeus um novo respeito pelos inimigos, além de fornecer um incentivo: os europeus se tornaram determinados a se vingar, a impor ao reino zulu uma vitória tão embaraçosa quanto a que eles mesmos sofreram”, afirma Jack Hogan, professor do Departamento de História Internacional da London School of Economics and Political Science.

As motivações para a guerra anglozulu são difíceis de entender. A Inglaterra começou a colonizar o sul da África em 1806, apresentando concorrência aos bôeres, europeus moradores dos Países Baixos, da Alemanha e da Dinamarca, em geral calvinistas, que
já estavam estabelecidos em colônias na região.

O Império Zulu surgiu dez anos depois, em 1816, e se tornou um aliado tradicional, primeiro dos bôeres, depois dos ingleses – no caso dos bôeres, eles alcançaram um convívio tranquilo depois de uma primeira tentativa de invasão europeia, repelida em 1837.

E assim os zulus mantiveram uma situação relativamente estável em relação aos vizinhos, mesmo nos momentos de conflitos sucessórios internos. Nada indicava que eles seriam atacados pelos aliados ingleses.

O rei zulu, desde 1873, era Cetshwayo kaMpande, um literal gigante de mais de 2 metros e 160 quilos. Cetshwayo já havia se consolidado como o sucessor desde 1856, quando entrou em guerra contra seu irmão mais novo, Mbuyazi, o favorito de seu pai, o rei Mpande, para assumir o reino.

Cetshwayo kaMpande / Crédito: Wikimedia Commons

Quando Mpande morreu, em 1872, não havia competição pelo posto. Diplomático, Cetshwayo seguiu as tradições mantidas por seu pai e seu avô, o rei Senzangakhona kaJama: os zulus valorizavam a pecuária e a agricultura de feijões, tubérculos, melancias e abóboras. Viviam em cidades de grande autonomia política e econômica, chefiadas por líderes tribais que juravam obediência ao monarca.

Em termos militares, o rei também mantinha hábitos antigos, como a aposta em armamentos tradicionais – apenas ao final da guerra os africanos começariam a usar mosquetes e fuzis velhos, que os homens mal sabiam usar. Cetshwayo também defendia a religião tradicional local, a ponto de aceitar, por diplomacia, a chegada de missionários europeus, que viviam em paz, mas sempre encontrando motivos para mandar matar
os zulus que se convertiam.

Nada havia mudado, nem na Inglaterra nem na África, para justificar um conflito militar. Mas Frederic Thesiger, um militar de carreira, veterano da guerra da Crimeia e de conflitos contra grupos rebeldes na Índia, encontrou pretextos (como uma incursão de zulus em territórios vizinhos para resgatar as esposas fugitivas de um nobre local) para iniciar uma escalada de ameaças e ultimatos.

A lista de exigências chegou a ponto de demandar que o rei abandonasse o cargo e desfizesse seus exércitos imediatamente. Intimado a se manifestar até o final do ano de 1878, Cetshwayo nem se deu ao trabalho de apresentar uma resposta.

As vitórias anteriores contra os xhosas davam a Thesiger e a seu estrategista militar, o ex-governador de Bombaim (hoje Mumbai), na Índia, Henry Bartle Frere, a impressão de que vencer os zulus seria simples.

E renderia glórias aos dois, que pretendiam instalar, no sul da África, uma grande federação britânica, ao modo da que haviam visto em terras indianas. Para impedir que seus objetivos fossem barrados em Londres, ele optou por comunicar seus planos por correio, muito mais demorado, e não por telégrafo.

A derrota em Isandlwana levou a Coroa britânica a decidir pela substituição de Thesiger pelo marechal de campo Garnet Wolseley, uma das maiores figuras militares do império no século 19, com passagem em campanhas no Canadá, no Egito, em Burma, na China e na Índia.

Mas, até que Wolseley chegasse, Thesiger tinha pela frente alguns meses para agir. De fato, ele conseguiu mudar a situação: ajustou a estratégia e solicitou mais homens. Para a segunda invasão, o número total de soldados havia saltado de 15 mil para 25 mil, com maior participação de europeus – na primeira investida, a maioria dos homens, 9 mil, eram africanos treinados às pressas e sem a mesma experiência em batalha.

Assim, alcançou uma sequência de vitórias, culminando com a Batalha de Ulundi, em 4 de julho de 1879. Nesse dia, iniciou o ataque com uma hora e meia de bombardeio incessante, seguido pelo deslocamento de uma linha de frente compacta, que disparava sem parar. Era, na prática, o fim do Império Zulu.

Crédito: Wikimedia Commons

“O prestígio inglês no sul da África foi fortemente abalado pela derrota, então era essencial para o general demonstrar a superioridade militar por meio de uma vitória incontestável sobre os zulus”, afirma John Laband. “Por isso, todas as tentativas de trégua ou acordo da parte dos zulus foram rapidamente rejeitadas. Os ingleses só poderiam aceitar a rendição completa, a abolição da monarquia zulu e o desmonte de seu temido exército.”

A derrota inicial também definiu o trato aos derrotados. “Foi uma campanha brutal”, diz Laband. “Os britânicos tomaram poucos prisioneiros. Os feridos eram assassinados ainda no campo de batalha e os britânicos passaram a usar a cavalaria a seu favor, de maneira a transformar a retirada do adversário numa verdadeira caçada.”

Apesar da vitória, Frederic Thesiger nunca mais veria um campo de batalha até falecer, em 1905, assim como Henry Bartle Frere, que morreria em Londres, completamente desprestigiado, em 1884.

Ao receber uma vitória consagrada, Garnet Wolseley foi firme em sua estratégia de dividir o inimigo. “O antigo reino foi rachado em 13 fragmentos fracos, que não ofereciam nenhuma ameaça ao território britânico vizinho”, explica o professor. A estratégia foi bem-sucedida, até demais.

Deposto, o rei Cetshwayo kaMpande seguiu para a prisão de Robben Island, a mesma onde, no século seguinte, Nelson Mandela passaria 27 anos detido. Mas os conflitos entre os diferentes governantes do antigo reino foram tão constantes que o antigo monarca foi convidado a retornar a seu país natal em 1883.

Morreria no início de 1884, depois de sofrer uma série de derrotas para Zibhebhu kaMaphitha Zulu, um dos mais importantes líderes dos 13 territórios, que tentava, sem sucesso, reconstruir o Império Zulu.

Apesar do final melancólico, o rei Cetshwayo imortalizou seu nome ao emplacar uma vitória estrondosa sobre o mais poderoso império da História.


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A Lavagem das Lanças: Uma História da Ascensão da Nação Zulu sob Shaka, e Seu Outono na Guerra Zulu de 1879, Donald R Morris

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The Anglo Zulu War - Isandlwana: The Revelation of a Disaster (English Edition), Ron Lock (e-book)

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