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Matérias / Guerra Fria

Guerra Fria: A ameaça constante do apocalipse nuclear

Soviéticos estiveram à beira de lançar suas armas 143 vezes; os americanos, pelo menos 20

Natália Rangel Publicado em 11/02/2020, às 12h30

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Bomba nuclear - Getty Images
Bomba nuclear - Getty Images

Assim que a Segunda Guerra terminou, a Europa estava destruída e duas jovens e superpoderosas nações surgiam: Estados Unidos e União Soviética. Aliados contra Hitler, a amizade entre as duas, no entanto, não durou muito e rapidamente as duas superpotências estavam em lados opostos do mundo. A separação irreconciliável veio a partir das negociações de retirada das tropas da Europa.

Os soviéticos insistiam em manter sua influência nos territórios que haviam libertado, como Polônia, Romênia e Iugoslávia, e os americanos ergueram bases militares na Alemanha, Itália e Turquia. Em fevereiro de 1947, o ex-presidente Harry Truman discursou no Congresso americano e disse que iria lutar sem tréguas contra a expansão comunista.

Começava a Guerra Fria, um duelo tenso, baseado na ameaça constante de um conflito entre as duas superpotências, que possuíam arsenais militares, incluindo armas atômicas, capazes de destruir o inimigo e, de quebra, levar todo o mundo junto. Assim, sentado sob um barril de megatons, o mundo viveu por mais de 50 anos, até o colapso da União Soviética em 1991.

"Com o fim da Guerra Fria e a abertura de documentos secretos nos Estados Unidos e na Rússia, o mundo ficou sabendo que as chances da guerra esquentar foram bem grandes", diz o historiador John Modell, da Universidade de Carnegie Mellon, na Pensilvânia. Espionagem, generais malucos, bombas desaparecidas e computadores ruins quase levaram o mundo à destruição. "Os soviéticos declararam alertas nucleares 143 vezes, e entre os americanos, que tem um intrincado código de cores para classificar ameaças à segurança nacional, estima-se que o presidente pôs o dedo no gatilho pelo menos 20 vezes", diz Modell, do Museu da Guerra Fria, com sede em Washington.

Macarthur na Coreia

Cinco anos depois de derrotar a Alemanha, os ex-aliados Estados Unidos e União Soviética meteram-se num conflito armado pelo controle da Coreia, que deixou uma ameaça de guerra nuclear e, ao final, um sensível aumento nas hostilidades entre as duas potências. A península da Coreia se dividia em dois Estados: a República da Coreia, capitalista, no sul, e a República Popular Democrática da Coreia, comunista, no norte.

Em julho de 1950, o exército norte-coreano cruzou a fronteira e tomou Seul, a capital da Coreia do Sul. A ONU condenou o ataque e enviou forças, comandadas pelo general americano Douglas MacArthur, um herói da guerra contra os japoneses, para expulsar os invasores. Após cinco dias de guerra, os 70 mil soldados norte-coreanos são vencidos pelos 140 mil soldados das Nações Unidas e Seul é libertada.

O general MacArthur parte com as forças internacionais para a capital da Coreia do Norte, Piongiang, mas a China de Mao Tse-Tung reage, enviando 300 mil soldados para a Coreia do Norte. As forças da ONU são expulsas.

MacArthur insistiu na ampliação do conflito: pediu um ataque nuclear à China. Naquele tempo, o controle das armas não era atribuição exclusiva do presidente, e durante algumas semanas, muita gente acreditou que MacArthur iria atacar a China. As intenções do general repercutem em Moscou, e para acalmar os ânimos soviéticos, o ex-presidente Harry Truman repreendeu publicamente o general.

Mas MacArthur não se deu por vencido e enviou cartas aos congressistas americanos debochando do recuo frente ao avanço comunista. Antes que a situação saísse de controle, no entanto, Truman substituiu MacArthur pelo ex-general Ridway, que iniciou as negociações de paz que resultaram num acordo assinado em 1953.

Um espião em Moscou

A década de 60 foi um dos períodos mais tensos. União Soviética e Estados Unidos estavam no auge da corrida nuclear e ambos já tinham capacidade de destruir o mundo com o arsenal que acumulavam. Não podia haver momento pior para que um plano de espionagem americano fosse descoberto.

Khruschev vendo os restos do U-2 / Crédito: Domínio publico

Em maio de 1960, um avião espião U-2, pilotado por Francis Gary Powers, foi abatido pelos soviéticos e Powers foi preso. O presidente Nikita Khruschev exigiu desculpas, condecorou os pilotos que haviam abatido o U-2 e sugeriu que qualquer ato de espionagem dos americanos em território soviético seria tomado, a partir dali, como um ato de guerra.

O ex-presidente americano Dwight Eisenhower reagiu afirmando que o avião fazia pesquisas meteorológicas. Num documento datado de apenas 17 dias antes do incidente e classificado com o inconfundível carimbo Top Secret, no entanto, Eisenhower mostrava-se animado com a ideia de sobrevoar o espaço aéreo russo e espionar as suas instalações militares. "Khruschev poderá ficar intrigado com nossos conhecimentos, mas não poderá nos acusar de espionagem. Ficará de mãos atadas. Não terá provas", escreveu o ex-presidente americano. O nome de seu interlocutor, porém, foi apagado das transcrições.

Powers foi detido em uma solitária como preso político e condenado a 10 anos de reclusão. Acabou solto dois anos depois, trocado pelo ex-espião russo Rudolf Abel, capturado em território americano. O episódio ajudou a complicar a relação entre as duas nações e preparou o terreno para o azedume geral que viria um pouco depois, com o impasse cubano.

Mísseis em Cuba

Pouco antes do anoitecer do dia 16 de outubro de 1962, assessores próximos do ex-presidente John Kennedy receberam um comunicado inusitado: deviam se apresentar na Casa Branca imediatamente. Lá, foram notificados que a CIA identificara a instalação de mísseis nucleares em Cuba, a apenas 270 quilômetros da Flórida. Reunido às pressas em Washington o comando militar americano foi unânime em orientar um ataque imediato a Cuba. Kennedy preferiu esperar.

Ele adotou uma posição cautelosa: decretou a prisão de qualquer navio soviético que se aproximasse da costa americana e deu um ultimato: a base deveria ser desmontada, senão... Todo o mundo sabia o que queria dizer o senão. Kennedy também ameaçou Cuba e autorizou voos de intimidação sobre a ilha.

Em meio à crise começaram as conversas entre Kennedy, Khruschev e Fidel. Em 2001, a CIA tornou públicos alguns trechos desses contatos. Em 26 de outubro, Fidel Castro escreveu: "Camarada Khrushchev: eu acredito que a agressão americana ocorra em 24 ou 72 horas. A moral do povo cubano está alta e o agressor será enfrentado heroicamente. Sei o quanto o senhor defende uma solução pacífica, mas estaremos prontos para enfrentar uma guerra e percebemos que isto está muito próximo". Khrushev respondeu: "Querido camarada Fidel: mostre firmeza, mas também paciência. Não dê aos militaristas do Pentágono pretexto para a invasão".

Americanos fotografam base de mísseis soviéticos em Cuba / Crédito: Wikimedia Commons

Em 6 de novembro, Kennedy falou diretamente a Khrushchev: "Sr. Presidente. Me surpreendi com sua carta que afirma que a lista de armamentos que exigimos que sejam retirados de Cuba sugere um desejo de complicar as coisas. A única solução da crise está na retirada de todos os armamentos que podem ser usados ofensivamente. Sem isso não há chance de falar em solução pacífica para o confronto".

Nesse momento, a opinião pública americana já esperava a invasão e as declarações de alguns militares sugeriam que uma ação militar era iminente. Ninguém sabia, nem os Estados Unidos, nem o mundo, que os comandantes soviéticos na ilha tinham autorização de Moscou para iniciarem um ataque nuclear contra os americanos ao primeiro sinal de agressão.

Alguém teria de ceder. Fidel estava impassível, Kennedy decidido. Coube a Khruschev evitar o conflito. Em 8 de novembro, ele ordenou a retirada das bases de lançamento, em troca do compromisso americano de não agressão à ilha.

Vídeo cacetada

Às 8h40 da manhã de 9 de novembro de 1979, todas as luzes do painel central do Comando Aeroespacial de Defesa Norte-americana, no Colorado, acenderam e começaram a piscar. Simultaneamente, os computadores da central militar do Pentágono, em Washington, repetiu o pisca-pisca, seguidos pelos equipamentos do Comando de Forte Ritchie, em Maryland. A mensagem era clara: estava em curso um ataque nuclear massivo proveniente da União Soviética.

Painel central do Comando Aeroespacial de Defesa Norte-americana / Crédito: Wikimedia Commons

Toda a defesa aérea americana foi colocada em alerta e pelo menos dez foguetes foram lançados imediatamente. Como parte do procedimento obrigatório, os oficiais do centro de comando checaram os dados dos radares dos satélites de alerta prévio e verificaram que não registravam nenhum ataque externo. Estes satélites são capazes de rastrear lançamentos de mísseis que têm os EUA como alvo de toda a superfície terrestre.

Menos de 20 minutos depois foi enviado às bases um comunicado que informava o erro: um vídeo que simulava um ataque soviético, usado para treinamentos militares, havia sido acionado por engano e interpretado pelos computadores como ameaça real. E em consequência o aviso seguiu para todas as outras máquinas interligadas. Os mísseis de contra-ataque americanos não chegaram a ser ativados e foram desviados a tempo. Ufa!

O russo que salvou o mundo

Stanislav Petrov era coronel do exército russo, tinha 44 anos e estava em serviço na madrugada de 26 de setembro de 1983, numa base próxima a Moscou. Ele não costumava trabalhar a noite, mas estava ali cobrindo a folga de um colega. Sua função era vigiar computadores e satélites e informar as autoridades sobre qualquer mudança. No caso de um ataque, a estratégia soviética era clara: o responsável tem exatos 12 minutos para acionar o sistema de retaliação. É o tempo que levava para que um míssil americano atingisse território soviético.

Era pouco mais de meia noite em Moscou e domingo à tarde nos Estados Unidos, quando os computadores de Petrov indicaram que um míssil americano voava em sua direção. Ele interpretou o aviso como um erro da máquina "afinal se fosse uma guerra, os americanos não lançariam só um míssil" e registrou o aviso como um alarme falso. Algum tempo depois, soou novamente o alerta: um segundo míssil americano, e, depois, um terceiro, um quarto e um quinto.

Piscava na tela do monitor em letras vermelhas a palavra natinats (iniciar). Petrov manteve-se impassível, ele não tinha outras fontes para checar a informação e os radares terrestres só detectariam os mísseis quando estivessem visíveis na linha do horizonte, quando seria tarde demais.

Petrov confiou na intuição e não comunicou nada. Ele sabia que se estivesse errado o mundo cairia sobre sua cabeça, literalmente: 13 minutos se passaram. O silêncio era absoluto dentro e fora do comando militar. Nenhum míssil ou destruição. Petrov tomara a decisão certa e livrou o mundo de uma guerra nuclear. Mas se o planeta agradeceu, o mesmo não o fez o comando militar soviético. Petrov foi advertido por ter desobedecido o protocolo oficial, passou por longos interrogatórios e sua carreira no exército terminou ali.

Futebol nuclear de Boris Yeltsin

A União Soviética nem existia mais, mas em 25 de janeiro de 1995, o mundo passou por outro susto. E dos grandes. Era perto da hora do almoço, quando os radares russos detectaram o lançamento de um foguete proveniente de uma ilha na costa noroeste da Noruega. Por alguns minutos, a Rússia esteve preparada para iniciar um ataque nuclear contra os Estados Unidos.

O ex-presidente Boris Yeltsin declarou depois que, pela primeira vez, ativara o dispositivo que lhe permitia se comunicar com os comandantes militares em tempo real e que levava numa maleta preta. A limitada resolução do sistema só permitia identificar a velocidade e a altitude que o míssil atingira e os dados obtidos batiam com os de um míssil nuclear americano Trident.

Os estrategistas russos interpretaram o lançamento como uma tentativa de "cegar" seus radares enquanto um ataque maior estaria partindo da base terrestre, nos Estados Unidos. O sistema de prévio alarme não pôde confirmar o ataque e Yeltsin foi levado às pressas para uma base secreta. Após 30 minutos de tensão, em que a imprensa mundial só sabia que o ex-presidente russo fora visto carregando a sua maleta nuclear, o Kremlin e as forças armadas anunciaram que não haveria retaliação e que o foguete disparado tinha finalidades de pesquisa meteorológica.

O caso repercutiu severamente no Congresso americano. Senadores exigiram explicações detalhadas da Nasa sobre o fato e a necessidade de fazer alguma coisa para impedir que informações equivocadas terminem por gerar um risco real de confronto. Em documento oficial, o comando militar informou que lançou um míssil Black Brant de pesquisa e que os radares russos, que ficam a 750 quilômetros dali captaram o sinal e o interpretaram equivocadamente.


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