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Matérias / Brasil

Corisco e Jesuíno Brilhante: As brutais diferenças entre o primeiro e o último cangaceiro

No fim do século 19, o Cangaço era um movimento social contra a pobreza, até que tudo mudou nas mãos de Lampião

André Nogueira Publicado em 23/09/2019, às 15h00

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Jesuíno e Corisco - Reprodução
Jesuíno e Corisco - Reprodução

No final do século 19, nasceram diversos grupos de bandoleiros que transitavam pelo sertão como criminosos, combatendo o poder dos coronéis e recrutando os mais carentes aos seus bandos. O cangaço — formado por bandidos que fazem parte do imaginário nordestino até hoje — mudou bastante através das décadas. 

Muito do que se conhece e se fala do cangaço é equivalente ao que foi o começo do fenômeno, representado por Jesuíno Brilhante. Mas a figura mais famosa do folclore nordestino, o capitão Virgulino Ferreira da Silva, o Lampião, foi um importante ponto de virada do fenômeno.

Lampião dominou o Nordeste a ponto de quase formar um império, e mudou muito as práticas conhecidas do cangaceirismo, como o auxílio aos populares e o combate aos coronéis. Essas mudanças fortes foram transmitidas ao seu sucessor, Corisco, o último grande cangaceiro.

Entenda as grandes diferenças do mundo do cangaço, do início ao fim, quando o governo federal realmente conseguiu investir no combate aos bandoleiros.

Entrada no Cangaço

Jesuíno Brilhante: Jesuíno Alves de Melo Calado era filho de fazendeiros do Rio Grande do Norte. Um dia, em 1871, seu irmão, que transitava na cidade de Patu, foi acusado e duramente agredido por homens que o acusavam de ter roubado uma cabra que, porém, lhe pertencia. Após o caso, Jesuíno entrou para a vida de bandoleiro como forma de combater a injustiça contra os menos poderosos.

Corisco: Na época em que o cangaço já era mais disseminado, muitos o viam como forma de fugir de sua vida anterior. Cristino Gomes da Silva Cleto, aos 17 anos, entrou em uma briga com um homem protegido pelos coronéis de Água Branca (Alagoas) e acabou matando-o. Fugindo da cadeia e da vingança dos coronéis, entrou para o grupo de Lampião sob o nome de Corisco (ou o apelido Diabo Louro).

Representação de Jenuíno / Crédito: Reprodução

Relação com a riqueza

Jesuíno: Para Jesuíno, a maior parte da riqueza foi roubada do trabalho honesto dos mais pobres, enquanto os mais ricos se corrompiam com o poder que criavam em volta do próprio dinheiro. Dentro da filosofia do Cangaço, ele era visto como o gentil-homem, ou seja, vivia de roubos que, depois de afugentada a polícia, eram repartidos entre os mais pobres. É a partir da ação de Jesuíno que o banditismo ganhou a fama de Robin Hood sertanejo.

Corisco: Assim como Lampião, Corisco tinha grande apreço pelas posses dos ricos, roupas elegantes, armas de qualidade, produtos importados e ostentação. Por isso, muitas das pilhagens realizadas por seu bando ficavam em meio ao próprio bando, que usava do dinheiro roubado para melhorar de vida e adquirir produtos nas cidades. Corisco, por exemplo, adorava um perfume importado que se vendia nas capitais. Pouco desse dinheiro realmente retornava aos mais pobres.

Corisco / Crédito: Wikimedia Commons

Aliança com coronéis

Jesuíno: Os coronéis eram vistos pelos cangaceiros como donos da terra e inimigos do bem estar do povo, pois seu poder de mando e desmando afetava diretamente a tentativa dos sertanejos de manterem sua vida tranquila. Por isso, Jesuíno Brilhante se posicionava como inimigo dos coronéis, por ser aliado do povo do sertão, dos posseiros, jagunços, agricultores e caminhantes.

Jesuíno era famoso por roubar comboios de alimentos que seriam vendidos pelos coronéis e distribuir entre os populares. Também foi responsável, entre 1871 e 1879, pela criação do Estado paralelo sertanejo, que fundou uma sociedade livre de coronéis.

Corisco: Esse cangaceiro sabia que, entre coronéis, havia diversas desavenças. Se utilizando das disputas internas entre as fazendas, Corisco seguiu a tradição lampeônica de aliança com coronéis como forma de combater outros e, assim, conseguir benefícios — como suporte de armas importadas ou lugar para acampar de modo seguro.

Muitas vezes, os bandos de Corisco foram usados para a segurança de algum coronel que tinha inimizades com inimigos comuns dos cangaceiros.

Virgulino Ferreia, o Lampião / Crédito: Wikimedia Commons

Código de Conduta

Jesuíno: A posição de Jesuíno era sempre a de apelar para a violência contra o coronel e a educação para com o povo, com o objetivo também de aprender o que desconhecia com os sertanejos comuns. Jesuíno teve uma educação privilegiada, mas, em ação, tentava ao máximo se aproximar da conduta de um agricultor comum, não assumindo uma posição de autoridade moral, mas a de mais um entre os oprimidos do sertão.

Corisco: As condutas de Corisco eram muitas. Principalmente porque, na cidade ou nas grandes fazendas, o homem alto de cabelos loiros fazia uma verdadeira pose de nobre, tentando passar a ideia de que possuía alguma superioridade intelectual. Ao mesmo tempo, era um homem extremamente violento com suas vítimas e uma pessoa marcada pela ironia e pela brincadeira, além do sadismo, em horas inoportunas.

A História de Jesuíno é contada em vários cordéis / Crédito: Reprodução

Diversão

Jesuíno: Ele aprendeu muito com a população que tentava proteger e, além das cantigas de roda e das brincadeiras em grupo, também conheceu bem jogos populares da época, brinquedos, jogos de palavra e três-marias. Aprendendo a viver de forma humilde, Jesuíno conheceu diversas atividades lúdicas que não exigiam muitos materiais e o integravam à comunidade.

Corisco: Na linha da vontade de ostentar e ter do bom e do melhor, Corisco aproveitou muito as inovações tecnológicas de sua época para se divertir. Andar de carro, jogar plataformas analógicas — equivalentes de época dos videogames —, participar de festas periódicas na cidade e usufruir de aparelhos eletrônicos em recém-desenvolvimento eram algumas das formas de diversão do cangaceiro, além, claro, de jogos de azar e a dança do xaxado.

Maria Bonita e o bando se divertem / Crédito: IMS

Objetivos

Jesuíno: Seguindo a imagem de Robin Hood do sertão, Jesuíno Brilhante tinha como principal objetivo o combate às injustiças que o sertanejo sofria nas mãos do Estado e dos ricos. Ou seja, o banditismo visava à luta contra os poderosos e a recuperação das riquezas pelos mais pobres, vistos como frequentemente roubados e injustiçados, apesar de sua constante honestidade.

Corisco: O cangaço nunca deixou de ser um movimento social que visava à melhoria da vida dos mais pobres. Porém, depois de Lampião, esse objetivo se tornou bastante marginal, perdendo centralidade pela busca de poder pessoal.

Corisco tinha como objetivo se tornar um homem poderoso, mas também buscava a queda dos coronéis vistos como injustos e maldosos. A riqueza pessoal e a boa vida isolada dos circuitos comuns da cidade eram os grandes movimentadores do cangaço nos anos 1930.

Bando de Corisco / Crédito: Reprodução

Violência

Jesuíno: Obviamente, Jesuíno não era contra a violência. O banditismo dele aplicava sem grandes impasses a violência na prática do roubo e do sequestro, além de que muitas violências que hoje podemos apontar eram comuns e banalizadas no século 19.

Ao mesmo tempo, algumas posições do grupo de Brilhante eram consideradas até progressistas, como a proibição do estupro de mulheres ou a intransigência contra a violência contra populações pobres. O uso das armas se continha ao roubo contra coronéis.

Corisco: Algumas características da conduta da violência foram comuns em todo o cangaço. Por exemplo, a regra contra o estupro de mulheres se mantinha, mesmo que muitas vezes ocorresse (segundo os lideres dos grupos, por amor). Porém, o trato com as populações mais obres por Corisco era muito mais violenta do que o cangaço do 19.

Quando a horda de Corisco e Dadá tomava uma pequena cidade, mesmo de pessoas com pouquíssima riqueza, a população era tratada com a mesma violência usada contra comboios e trens dos homens ricos. Muitas vezes, o bando de Corisco tratava com violência pessoas por pura diversão.


Saiba mais:

Luiz Bernardo Pericás. Os cangaceiros: ensaio de interpretação histórica, São Paulo: Boitempo, 2010. 

Frederico Pernambucano de Mello. Estrelas de couro: a estética do cangaço citação, Recife: Ed. Escrituras, 2010.

Frederico Pernambucano de Mello. Benjamin Abrahão - Entre Anjos e Cangaceiros, Recife: Ed. Escrituras, 2012

Frederico Pernambucano De Mello. Guerreiros do Sol - Violência e Banditismo No Nordeste do Brasil, Recife: A Girafa, 1985.

Matheus, Moura. Rei do cangaço e os achismos. Sociedade Amigos da Biblioteca Nacional, Revista de História da Biblioteca Nacional. Fevereiro de 2012.