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Matérias / Personagem

Há 31 anos, o líder político Nelson Mandela era libertado da prisão

O revolucionário lutou contra o regime do Apartheid na África do Sul e ficou preso durante 27 anos

Alexandre Carvalho Publicado em 11/02/2021, às 06h30

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Nelson Mandela em 1990, celebrando sua saída da prisão - Getty Images
Nelson Mandela em 1990, celebrando sua saída da prisão - Getty Images

Esmagar pedras com um martelo para fazer cascalho. Essa foi, em 1964, a principal atividade de Nelson Mandela na prisão. Depois seu trabalho de condenado mudou para escavar calcário numa pedreira. A rocha sedimentar era de um branco tão intenso (o giz é feito disso) que o brilho agredia a visão dos presos políticos. Eles só ganhariam óculos escuros três anos depois do início desses trabalhos forçados, e ainda tiveram de pagar do próprio bolso pelos óculos. Mas já era tarde para Mandela.

Ele teve a visão lesionada, com o pó de calcário afetando o funcionamento de seus dutos lacrimais — até que passasse por uma cirurgia em 1994, o líder sul-africano chorava sem derrubar uma lágrima sequer. E ele teve muitos motivos para chorar ao longo dos 27 anos que passou na prisão, por lutar contra a segregação racial na África do Sul — dos quais 18, entre 1964 e 1982, na penitenciária da Ilha Robben, destino comum de presos políticos que ousavam desafiar o regime do Apartheid.

As humilhações e o isolamento da cadeia eram desafios que Mandela suportava com uma grandeza sobre-humana. “A prisão, em si, é uma tremenda educação quanto à necessidade de paciência e perseverança. Acima de tudo, é um teste de comprometimento”, ele diria. De todo esse período, o que realmente o abalou foi não ter sido autorizado a acompanhar os funerais de sua mãe, em 1968, e de seu filho mais velho, que morreu num acidente automobilístico, em 1969.

E essa crueldade tinha explicação: Mandela, na época, tinha a pior classificação entre os prisioneiros — classe D. Significava que só podia receber uma única visita ou correspondência a cada seis meses. Não poderia, nessa época, ler jornais ou ter qualquer outro contato com o mundo além daqueles muros.

A todo esse sofrimento, Nelson Mandela resistiu com uma força interior extraordinária. Quando percebia que estava a ponto de perder toda a esperança, repetia para si um pequeno poema vitoriano, Invictus, escrito em 1875 pelo inglês William Ernest Henley, que termina assim: “Além deste lugar de ira e lágrimas / Somente o horror das trevas eu vejo / E ainda assim a ameaça dos anos / Me encontra, e sempre me encontrará, sem medo / Não importa quão estreito o portão / Nem quanto minha sentença é de punições carregada / Eu sou o mestre do meu destino / Eu sou o capitão da minha alma”.

“Preparado para morrer”

Em 2016, o diplomata americano Donald C. Rickard revelou numa entrevista explosiva: foi a CIA que, em 1962, informara às autoridades sul-africanas sobre o paradeiro de Mandela. O governo americano resolveu se meter numa questão externa por acreditar que o líder rebelde podia se transformar numa ameaça comunista. Mas a acusação que colocou Madiba — como os locais carinhosamente o chamavam — atrás das grades nada tinha a ver com a influência soviética no continente. O argumento oficial era de que Mandela incitava greves de trabalhadores e tinha deixado o país sem permissão. A verdade é que sua militância contra o regime racista que vigorava no país precisava ser contida.

Mandela em 1961 / Crédito: Getty Images

Mandela foi mandado primeiro a uma prisão de Pretoria, a capital, onde sua estada era bem mais tranquila que a descrita no início deste texto. Sua esposa, Winnie, podia visitá-lo, e ele começou a fazer um curso universitário por correspondência — para se tornar bacharel em Direito pela Universidade de Londres. Ainda assim, foi considerado culpado pelos crimes e ganhou uma sentença de cinco anos de prisão.

A situação se agravou no ano seguinte. Em julho de 1963, a polícia invadiu uma fazenda usada secretamente por ativistas do Congresso Nacional Africano (ANC), o partido de Mandela, que se opunha ao regime segregacionista. E por lá encontrou papéis de planos relacionados a atividades subversivas, que mencionavam a participação do líder preso. Então a acusação contra Nelson Mandela subiu de patamar: ele e seus companheiros passavam a ser associados a sabotagem e conspiração para derrubar o governo. No julgamento, eles admitiram o envolvimento com sabotagem, mas negaram qualquer intenção de fazer um golpe de Estado.

Mesmo assim, o fato é que Mandela não contribuiu muito para a própria absolvição enquanto esteve no banco dos réus. Estava mais preocupado com uma causa maior: o fim do Apartheid. Enquanto a promotoria convocou 173 testemunhas de acusação, Mandela usou o julgamento para dar publicidade à luta contra a discriminação.

Tanto que fez a própria defesa, começando com um discurso de três horas sobre a necessidade de igualdade de direitos no país. “Lutei contra a dominação branca, e lutei contra a dominação negra. Tenho apreciado o ideal de uma sociedade democrática e livre, na qual todas as pessoas vivam juntas em harmonia e com oportunidades iguais. É um ideal pelo qual espero viver e ver realizado. Mas, se necessário, também é um ideal pelo qual estou preparado para morrer.”

Seu objetivo com o discurso foi atingido. A fala ganhou repercussão internacional, e até a ONU veio a entrar em contato com o governo sul-africano, pedindo o fim da política segregacionista. Mas, na esfera do julgamento, aquelas palavras não sensibilizaram os que decidiriam sobre o seu futuro. E Nelson Mandela foi condenado à prisão perpétua.

Nelson Mandela, líder da luta contra o Apartheid / Crédito: Getty Images

Uma decisão que fez com que Winnie respirasse aliviada: ela tinha receio de que o juiz atendesse ao clamor da promotoria, que pedia pena de morte para o seu marido.

Hóspede da cela 5

Prisioneiro 46664. Era assim que Mandela seria chamado na prisão estadual da pequena Ilha Robben — por ser o 466º preso a chegar em 1964. Do relativo conforto de seu período em Pretoria, o líder sul-africano chegava a essa ilha-prisão para viver seus piores anos de cárcere. Localizada a 11 quilômetros da Cidade do Cabo — a capital legislativa do país —, a ilha fora descoberta pelo português Bartolomeu Dias em 1488, quando o navegador realizou um dos grandes feitos da época das Grandes Navegações: contornou o Cabo da Boa Esperança, no extremo sul da África, em busca de um atalho para chegar às Índias. Nos anos 1960, a ilha já tinha uma longa história como destino de presos políticos.

Lá, Nelson Mandela passaria a maior parte da sua vida como prisioneiro. Isso tudo dormindo na cela número 5, um cubículo de 2,5 por 2,1 metros (menor que muitos banheiros), com uma janelinha de 30 centímetros e um fino tapete de palha no lugar onde deveria estar uma cama.

Apesar de ser um preso classe D, confinado num espaço tão pequeno, não havia dúvida na Ilha Robben de que se tratava de um detento especial. Na primeira vez em que seu advogado foi visitá-lo, Mandela chegou escoltado por nada menos que oito guardas. Seu defensor notou que, mesmo nessas condições, era Mandela quem ditava o ritmo da caminhada de seus carcereiros, e não o contrário. Ao chegar, o prisioneiro comentou num tom de muita seriedade — e ironia também — , referindo-se àquela escolta: “Perdoe-me, George, este lugar está fazendo com que eu perca minhas boas maneiras. Esqueci de apresentá-lo à minha guarda de honra”.

A dureza da repressão variava conforme mudavam os administradores da prisão, e Mandela, com sua habilidade de negociador, conseguiu diversos benefícios para o coletivo de prisioneiros. Um deles era de caráter simbólico — e dizia muito sobre a discriminação racial na África do Sul.

Na Ilha Robben, prisioneiros negros vestiam shorts para trabalhar — uma peça de roupa que na época era coisa de criança — , enquanto os presos brancos usavam calças, como adultos que eram. Quando seu companheiro de ativismo anti-apartheid, Ahmed Kathrada, recebeu calças compridas por ser indiano, não negro, o militante disse a Mandela que pediria para vestir shorts também, solidário aos amigos. Madiba então respondeu, com serenidade: “Pode usar as calças. Logo todos estaremos usando calças compridas”. E assim foi.

Mandela durante campanhas eleitorais, em 1995 / Crédito: Getty Images

Acesso a estudo na prisão foi outra das reivindicações que contagiaram Mandela. Negociando com a administração da cadeia, ele a fez entender que o status do local melhoraria com essa permissão, assim como o comportamento dos prisioneiros. “Vocês deveriam deixar uma atmosfera de universidade prevalecer aqui na ilha”, ele argumentou. E foi bem-sucedido. No ano seguinte, 1966, as autoridades permitiram que os detentos estudassem. Eles puderam se matricular num curso a distância da Universidade da África do Sul.

Madiba ainda liderou greves de fome por comida melhor e pelo fim das agressões por parte dos carcereiros — embora nenhum guarda jamais tivesse a coragem de levantar a mão contra ele. Seus companheiros aderiam motivados pela participação do grande líder — a ponto de, desnutridos, não terem mais energia nem para falar. Diante da impossibilidade de aqueles prisioneiros sem energia trabalharem na pedreira de calcário, a administração da prisão na pequena Ilha Robben cedeu.

O resultado da liderança e da capacidade de negociador de Mandela foi que, a partir de 1967, as condições melhoraram muito. Os condenados negros ganharam calças em vez dos humilhantes shorts. As refeições ficaram mais saborosas e nutritivas. Até jogos, como tênis, foram permitidos. Para ter uma ideia da influência de Mandela, quando, em 1970, um novo gestor chegou e implementou outra política de administração da cadeia, voltando aos abusos físicos e psicológicos contra os presos, Madiba reclamou diretamente a juízes que visitavam a prisão. E o comandante foi imediatamente retirado do cargo — e substituído por outro que desenvolveu um relacionamento de cooperação com Mandela, melhorando progressivamente as condições dos presos.

Foi então num clima de relativa camaradagem com seus vigias e opressores que Nelson Mandela viveu o resto de seus 18 anos na Ilha Robben. Chegou a desenvolver até uma amizade pessoal para o resto da vida com um dos carcereiros, Christo Brand, que ganhou emprego de gerente administrativo e de logística na Assembleia Constituinte quando Mandela virou presidente da África do Sul.

Local de veneração

A estada do grande líder sul-africano na ilha descoberta por Bartolomeu Dias durou até 1982, quando ele foi transferido para uma prisão de segurança máxima — para não influenciar as novas gerações de ativistas radicais que chegavam para cumprir pena. Depois, já em 1988, ele iria para seu último endereço como presidiário, uma cadeia de segurança mínima, onde tinha até cozinheiro particular.

Hoje, a antiga prisão da Ilha Robben virou atração turística, com museu e loja de souvenirs — além de Patrimônio da Humanidade, tombado pela Unesco. Ex-condenados agora trabalham ali como guias, explicando como era o dia a dia e conduzindo os visitantes para o local mais sagrado daquele lugar: a cela número 5, por onde passou um homem responsável por terminar com o terrível regime racista do Apartheid. Um espaço ínfimo, de 4 metros quadros, onde dormiu por 18 anos um futuro Nobel da Paz.


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