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Matérias / Brasil

A monarquia vai cair: Últimos momentos de Dom Pedro II

Os altos gastos de dom Pedro II foram publicamente questionados, marcando o início do fim da monarquia brasileira

Lilia Schwarcz e Heloisa Starling Publicado em 15/11/2019, às 09h00

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Wikimedia Commons
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Dizem que a eficácia de um governante está muito ligada à sua capacidade de sair ileso e de ficar distante de qualquer escândalo. E não por obra do acaso foi que na década de 1870 uma política deliberada de denúncias acerca dos gastos extremados da Coroa tomou lugar na imprensa. Enumeravam-se despesas, verificavam-se as finanças do país e
se cobrava transparência nas prestações de contas do Estado Real.

Tal qual sinaleiro de má fumaça, uma grande polêmica estourou nos jornais cariocas, em 1873, a respeito da conta paga por Pedro II quando se hospedou no Hotel do Porto, em
Portugal, no ano anterior. A nova postura pública oscilava agora entre preservar a figura do monarca e colocar em debate suas ações como cidadão.

As posições se dividiram entre aqueles que preferiam o ocultamento e outros que advogavam o viés constitucional da liberdade de imprensa. Contra ou a favor, evidenciou-se uma rachadura na imagem pública do monarca.

Mas o maior escândalo político da época ficou conhecido como o “roubo das joias da Coroa”. O episódio em si não merece grande atenção. Já sua repercussão é indício forte de como as dúvidas em torno da monarquia eram maiores do que as certezas. Na noite de 17 para 18 de março de 1882, desapareceram do interior do Paço de São Cristóvão joias raras da imperatriz.

O chefe de polícia, desembargador Trigo de Loureiro, logo apurou que o responsável pelo furto seria uma pessoa da intimidade do palácio. Manuel Paiva e seu irmão Pedro de Paiva, velho servidor do Paço, logo viraram os principais suspeitos do crime, o qual, segundo a imprensa local, estaria sendo acobertado pelo próprio imperador. Presos, os dois larápios, apesar de confessarem seu crime, jamais foram processados. As joias, consideradas uma fortuna, foram encontradas na casa de Manuel Paiva, enterradas em latas de manteiga, e mesmo assim os culpados foram soltos sem punição.

A reação foi de indignação; o exemplo é do Jornal do Commercio de 29 de março de 1873: “A restituição da propriedade pode satisfazer o espoliado, mas não as exigências da moral da sociedade”. A boataria rolou solta, com vários jornais dando cobertura ao episódio. Raul Pompeia, em A Gazetinha, acusava o imperador de ter violentado a filha de Paiva e de tê-lo soltado, por medo de retaliação.

A Gazeta da Tarde, sob o título “A ponte do Catete”, redigiu ataques duros à “fraqueza” do imperador, enquanto a Revista Ilustrada, com muito humor, cobrava o cumprimento da justiça. O escândalo teve tal repercussão que as agências telegráficas transmitiram a notícia para o estrangeiro. Era evidente como se demolia sistematicamente a figura pública do imperador, cuja popularidade caía precipício abaixo.

Dom Pedro tentava acobertar tudo, porém sua famosa política de dissimulação já não encontrava muita sustentação. Afinal, o soberano sempre teve amantes, mas só então
se falou, publicamente, de sua infidelidade. A corte sempre dispôs de um orçamento folgado para a realização de seus rituais, no entanto apenas nesse momento alguém se lembrou de fazer as contas.

O imperador dom Pedro II / Crédito: Reprodução

Gilberto Freyre, anos depois, arriscou interpretar a troca da “coroa pela cartola” como
uma situação em que a realeza punha em perigo sua própria existência. Chamando dom Pedro de “imperador cinzento de uma terra de sol tropical”, Freyre enxerga incompatibilidade entre as expectativas do povo e a nova figuração do imperador. Parece que, ao se voltar para a Europa, ele se afastava do imaginário local e se transformava num monarca “dos outros”.

No Carnaval de 1883, um dos carros alegóricos apresentava o imperador só, num quarto, sob o dístico: “Roubaram- lhe tudo”. Outro ironizava o interesse do monarca pela passagem do planeta Vênus, numa alusão ao seu gosto pela astronomia. Melhor mesmo
era a charge de Agostini: “De tanto olhar para o céu, nosso Imperador vai perder o caminho da terra”.

A monarquia tropeça

A entrada nos anos 1880 encontrou a monarquia cercada por desafios de todo tipo. Em 1880 foi fundada a Sociedade Brasileira contra a Escravidão, e em 1883 a Confederação
Abolicionista. Também nesse ano o poeta romântico Castro Alves publicou Os Escravos, e Joaquim Nabuco, O Abolicionismo, duas obras que não só tinham como autores líderes
do movimento de emancipação como se tornaram — na literatura e na ciência política — livros de referência sobre a questão.

Os tempos mudavam e pediam novos intérpretes e poetas para corrigir injustiças e desacertos. Com o desejo de transformar o mundo, Castro Alves criou uma poesia capaz de chegar “nas nuvens do chorar da humanidade” e de ser “o arauto da liberdade”. Seu verso era “filho da tempestade” e “irmão do raio”; ele compunha para ser recitado diante
da multidão, em praça pública, e criava poesia para ir direto à alma do ouvinte e comovê-lo. Acima de tudo, sua obra foi inimiga da escravidão, e a esse combate Castro Alves
dedicou boa parte da vida. O fato é que sociedades abolicionistas pipocavam pelo país.

Joaquim Nabuco, um dos principais autores abolicionistas / Crédito: Wikimedia Commons

Em 1884, a escravidão foi extinta oficialmente no Ceará e no Amazonas, e em 28 de setembro de 1885 foi promulgada a Lei Saraiva-Cotegipe — que dava liberdade aos escravos de mais de sessenta anos, apesar de garantir seus trabalhos ainda por
três anos. O caráter conservador da medida era tão nítido que as reações não se fizeram esperar. Afinal, da época da Lei do Ventre Livre à Lei dos Sexagenários a origem e a distribuição de escravos no país tinham se alterado radicalmente.

Segundo o Relatório de 1886, desde 1873, contabilizando-se manumissões e mortes, o número de escravos sofrera uma redução de 412 468. As estimativas para 1886 apontavam para uma população escrava de 1 133 228, e as matrículas de 1887 revelavam a existência de 723 419 cativos. Além da redução, a distribuição desigual acelerava-se: não só os cativos eram deslocados do Norte para o Sul, como as libertações eram muito mais evidentes na região setentrional.

O ano de 1885 traria mais uma surpresa ruim para a já complicada agenda do Segundo Reinado: um novo surto de cólera dizimou parte significativa da população da corte e ajudou a acirrar, ainda mais, os ânimos. Mesmo assim, o imperador — que fizera um empréstimo de 50 mil libras à casa bancária Knowler Foster, de Londres — manteve-se firme em sua intenção de voltar à Europa, embarcando no dia 30 de junho de 1887.

A terceira partida imperial foi cercada por um mar de controvérsias. Alguns jornais alegavam que dom Pedro II fugia das questões políticas que assolavam o país. Outros, que o monarca sofria de inequívoca decadência física. A bem da verdade, com apenas 62 anos de idade, dom Pedro parecia um velho consumido, marcado por rugas profundas,
um olhar perdido e uma imensa barba branca.

O navio Gironde, que fora apelidado de Esquife da Monarquia, levava uma pequena comitiva: o príncipe Pedro Augusto (neto do imperador), os condes de Carapebus, o médico e conde Mota Maia, o dr. visconde de Saboia, José Maria da Silva Paranhos e os
dois monarcas, com expressões cansadas.

Obra de Jean-Baptiste Debret representa cotidiano pré-abolição / Crédito: Reprodução

O soberano adoecera em 1887 e também em inícios de 1888. Comentava-se que,
se a primeira viagem fora motivada pelo desejo de conhecer o mundo e a segunda pela doença da imperatriz, a terceira encobria a fraqueza do próprio Pedro II. O périplo duraria alguns meses, e foi novamente a princesa Isabel quem ficou no lugar do pai, ao lado do marido, figura cada vez mais impopular.

Corriam muitos boatos sobre a avareza do conde D’Eu e acerca dos negócios espúrios que realizava como dono de “casas de pensão”. Jornais como o Diário, de 3 de agosto de 1889, chamavam o genro de dom Pedro de “o corticeiro”, “o agiota sem berço”, revelando as preocupações que rondavam a sucessão e um possível Terceiro Reinado.

Mas, se a boataria navegava no país, a viagem corria tranquila. O imperador aportou em Portugal em 19 de julho, e já no dia 22 estava em Paris. Era, porém, outro dom Pedro que voltava à Europa. Tudo havia mudado, e sua era romântica, representada por personagens como Gobineau, Victor Hugo e Wagner, parecia morta. Mas rei que é rei não perde a realeza, e Pedro II tentaria reavivar a mística de “monarca-mecenas”: visitou intelectuais como Pasteur e Renan, fez versos e traduções e os enviou a amigos e parentes. Foram seis meses de repouso, pouco para a agitação que lhe aguardava.


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