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Matérias / Segunda Guerra

Philipp von Schulthess: “Meu avô contra Hitler”

Em entrevista exclusiva a AH, o neto de Claus von Stauffenberg, o militar alemão que tentou matar o Führer em 1944, há exatos 75 anos, conta a história de sua família e fala da Operação Valquíria

Julia Melchior Publicado em 20/07/2019, às 08h00

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Claus von Stauffenberg Vs. Hitler - Crédito: Reprodução
Claus von Stauffenberg Vs. Hitler - Crédito: Reprodução

No momento em que a derrota passou a ser inevitável para os países do Eixo na Segunda Guerra Mundial, vários militares alemães tentaram matar Adolf Hitler. Nenhum chegou tão perto quando Claus von Stauffenberg, um coronel de 37 anos, que perdeu a mão direita, dois dedos da esquerda e um olho nas batalhas do Norte da África. Em 20 de julho de 1944, durante uma reunião no quartel-general Wolfsschanze, na Prússia Oriental, o oficial entrou na sala atrasado, pousou uma maleta embaixo da mesa de mapas, a pouco mais de 2 metros de Hitler, e saiu.

Ao ouvir a explosão, às 12h42, teve certeza do sucesso da missão, batizada de Operação Valquíria. No entanto, o ditador saiu ileso. 

À 1 da madrugada, o premiê alemão surgiu em cadeia de rádio: "Uma pequena súcia de oficiais idiotas, ambiciosos, inescrupulosos e, ao mesmo tempo, criminosos, planejou eliminar-me. É um pequeno bando que agora vai ser destruído impiedosamente". A ameaça foi cumprida à risca. Stauffenberg e três outros conspiradores foram fuzilados na mesma noite. Nos dias seguintes, mais de 110 pessoas envolvidas foram condenadas à morte. A maioria foi estrangulada.

Claus von Stauffenberg, o homem por traz da Operação Valquíria / Crédito: Wikimedia Commons

As famílias dos conspiradores foram confinadas em campos de concentração. Grávida, a viúva de Stauffenberg, Nina, foi presa, e em janeiro de 1945 deu à luz sua quinta filha, Konstanze. Ela é a mãe do economista e ator Philipp von Schulthess, 35 anos, que conversou com História, num café em Berlim, sobre a saga de sua família. Na entrevista, Philipp fala de seu avô e comenta sua participação no filme Operação Valquíria, de 2008, em que Tom Cruise representa o coronel Stauffenberg. Sua avó, Nina, morreu aos 92 anos, em 2006.

O que ela lhe contou sobre seu avô? Ela sabia da conspiração?

Ela falava de meu avô apenas quando lhe perguntávamos. Mas nosso "opapa", como o chamávamos, sempre estava presente. Minha avó sabia da conspiração, mas não os detalhes. Foi assim que combinaram. Ela também conhecia alguns dos outros conspiradores e queimava documentos a pedido de meu avô. Dessa forma, ela fazia parte da conspiração. Confiava em meu avô e sabia que ele não era uma pessoa que seguia ordens às cegas.

Ela sabia que seu avô iria ele próprio cometer o atentado?

Não, não sabia. Eles se despediram dias antes do atentado, quando minha avó partiu com as crianças para a casa dos sogros. Ele a havia impedido de ficar, porque estava consciente de que iria cometer o atentado. Essa foi a última vez que se falaram.

O que aconteceu com sua família depois do atentado?

Minha avó soube pelo rádio que houve um atentado, que Hitler sobreviveu e que meu avô foi o autor. Estava consciente de que era uma questão de horas até que viessem buscá-la. E assim aconteceu. Levaram-na para uma prisão da Gestapo, onde a mantiveram isolada durante semanas para interrogá-la. Segundo minha avó, foi terrível, principalmente porque não tinha idéia do que havia acontecido com o resto da família. A maioria foi presa. As crianças, mandadas para um orfanato com outro sobrenome. Heinrich Himmler [líder da SS] disse: "Vamos acabar com a família Stauffenberg até o último membro". Felizmente, minha avó não soube disso. Depois, ela foi mandada para um campo de concentração. Como estava grávida de minha mãe, recebeu alimentação especial e foi tratada relativamente bem. Mas, pela janela, podia observar como as outras mulheres viviam. Sua própria mãe morreu nesse campo. Para minha avó, foi importantíssimo estar grávida porque, assim, quis sobreviver pelo bebê. Ela havia prometido a meu avô que faria todo o possível para sobreviver e cuidar das crianças. E essa promessa foi seu principal mandamento.

Ela nunca acusou o marido por ter colocado a família nessa situação?

Sempre disse que não. Aparentemente, os conspiradores eram homens extraordinários: suas viúvas não casaram de novo. Acho que meus avós eram totalmente apaixonados. Não existem cartas deles, todas foram destruídas. Mas dela posso dizer com certeza. Ela o amava, e os dois estavam unidos nas convicções, nos ideais e nos valores.

Sua mãe não conheceu o pai. Seus tios se lembram dele?

Sim, todos os três se lembram dele, principalmente o mais velho, que tinha 11 anos. Foi muito difícil para eles, porque na escola haviam sido treinados para idolatrar o grande Führer. E em 20 de julho souberam que o próprio pai tentara matar esse ídolo. Mas meu tio Berthold diz que aceitou depois de alguns dias e se solidarizou com seu pai com seguinte lema: se meu papai fez isso, então tem razão!

Qual a importância do seu avô na família?

Discutir o atentado sempre foi difícil. Nunca chegamos a um acordo, porque um historiador diz uma coisa e outro historiador diz outra, já que os fatos não são claros. Minha avó costumava dizer que já não conseguia diferenciar o que ela havia vivido e o que havia lido. Em relação a sua personalidade, sempre concordamos. Deve ter sido um homem muito simpático, que deixava as portas abertas, no trabalho e em casa. Com ele, sempre se podia discutir e melhorar o mundo. Um otimista e um pai muito dedicado. Acho que eu teria adorado meu avô!

Philipp von Schulthess, neto de Claus von Stauffenberg / Crédito: Reprodução

Quando e como você tomou conhecimento de quem era seu avô?

Lembro que minha mãe contou a meu irmão e a mim a história de nosso avô quando éramos crianças. Assim que aprendemos a ler, ela nos deu um livro sobre nosso "opapa". Como crianças, foi muito emocionante: nosso avô tinha tentado matar Hitler, o vilão. O "opapa" era o mocinho. Para mim, era um pirata: tinha um tapa-olho, botas de andar a cavalo e apenas uma mão. Com exceção da mão de gancho, ele tinha tudo que eu imaginava num herói. Mas, depois que cresci e li vários livros, cheguei a uma imagem diferente. Não concordo com minha mãe, por exemplo, sobre a religiosidade dele. Não o considero muito religioso. Também acredito que era muito moderno para sua época: tinha uma espécie de cosmovisão democrática, não no nosso sentido, mas no sentido de que ele e seu entorno acreditavam em uma espécie de elitismo que precisava ter uma classe votante e um Estado governado por gente que assume a responsabilidade. Eu o considero aberto a várias formas de governo e acho que ele estava convencido de que era preciso dar o passo seguinte para uma sociedade melhor.

Stauffenberg participou da invasão da Polônia em 1939. Numa carta a sua avó, ele se mostrava favorável a usar os poloneses como trabalhadores escravos. O que você pensa disso?

Para mim, a carta não se encaixa na imagem que tenho de meu avô. Mas minha imagem é a construção de um avô que nunca conheci, é feita a partir de livros que se concentram principalmente em seu ato histórico, em 1944, e não nos anos anteriores. Na carta, ele expressa entusiasmo em relação à eficiência da invasão da Polônia e surpresa pela rapidez com a qual os poloneses se renderam. E ele via também essa conquista como boa para a economia alemã. Isso, lido hoje, parece inacreditável.

Como era a relação dele com Hitler e com os nazistas nos anos anteriores ao atentado?

Acredito que ele jamais foi simpático aos nazistas. Nunca teria entrado no partido nacional-socialista, porque conflitava com seus ideais. Existem fontes que dizem que ele falou dois anos antes do atentado: "Não é possível encontrar nenhum oficial no quartel-general que mate o porco com uma pistola?" Certamente se sentiu obrigado a seguir seu juramento militar. Meu avô era um oficial de corpo e alma. Mas seu caráter aparentemente não era todo militar. E, alguns anos depois, mostrou sua consciência e abandonou o juramento. Acho que ele tinha esse lado já em 1939.

Quem é Stauffenberg para você? Seu avô ou uma figura histórica?

Uma pessoa de quem gosto muito e de quem levo algo dentro de mim. Quando estou num lugar histórico, entretanto, me torno racional e imagino a figura histórica. Mas, quando li no roteiro a cena em que meu avô e minha avó se despedem - e sei que é a última vez que se vêem na vida -, comecei a chorar.

Como aconteceu sua participação no longa Operação Valquíria?

Eu atuava numa peça de teatro em Zurique quando uma colega me avisou que seria feito um filme sobre meu avô. Pedi a um diretor amigo em Los Angeles que descobrisse quem era o responsável pelo elenco. Quase simultaneamente meu primo me contou que uma pessoa da produção o havia procurado querendo entrar em contato com nossa família. De repente, eu tinha o número do produtor e roteirista, Christopher McQuarrie, e do produtor de elenco. Pouco tempo depois, me apresentei pessoalmente. Os dois me pareceram simpáticos, o que aparentemente era recíproco, porque logo me disseram: "Cinco minutos depois de conhecê-lo, sabíamos que o queríamos no filme". Mas depois saiu uma entrevista com meu tio num jornal alemão ofendendo a produção, com um ataque pessoal a Tom Cruise. E, de repente, começou um período de silêncio. Os produtores se retiraram para refletir se realmente queriam complicar as coisas me colocando na equipe e começando uma briga familiar com publicidade negativa. Três semanas mais tarde, eles me avisaram: "Temos um papel para você. Não é muito importante, mas temos!"

Qual a importância de atuar em um filme sobre seu avô?

Como ator, é importante. De certa maneira, vejo como um presente de meu "opapa": a oportunidade apareceu no momento em que eu queria entrar no mundo do cinema. Durante a filmagem, me perguntaram se seria estranho ver Tom Cruise como meu avô. Mas não foi. No set, havia uma atmosfera profissional. Hoje em dia existem grupos de ultradireita no mundo inteiro.

Após tentativa de fracassada de matar Hitler, Claus von Stauffenberg foi fuzilado a mando do füher / Crédito: Wikimedia Commons

Você vê isso como um perigo?

Considero um perigo o radicalismo e o fanatismo de qualquer credo político. Independentemente do fundo familiar, os alemães são particularmente sensíveis quando se trata de ultradireitistas. Hoje em dia, não tenho um medo concreto, mas não deveríamos nunca esquecer nosso passado. Existem outras formas de radicalismo que ameaçam o mundo, como o fanatismo religioso. É importante que não deixemos de nos preocupar com todas as formas de radicalismo, que assumamos a responsabilidade e não permitamos que nenhum tipo de radicalismo se fortaleça. Acho que hoje somos mais adultos em relação à manipulação. Somos mais bem informados, não é mais tão fácil nos deixarmos levar pelos meios de comunicação. E vivemos num Estado de direito que funciona. No início do século 20, não era assim. Aprendemos com a História, e o que aconteceu com a Alemanha não pode se repetir nunca mais. Nem aqui nem em nenhum outro lugar do mundo.