Busca
Facebook Aventuras na HistóriaTwitter Aventuras na HistóriaInstagram Aventuras na HistóriaYoutube Aventuras na HistóriaTiktok Aventuras na HistóriaSpotify Aventuras na História
Matérias / Estados Unidos

Anticapitalismo e crítica social: As curiosas origens de Monopoly

Considerado um dos jogos mais adorados do mundo, o tabuleiro foi criado para gerar reflexões sobre desigualdade econômica

Raphaela de Campos Mello Publicado em 25/01/2020, às 10h00 - Atualizado em 15/04/2022, às 08h00

WhatsAppFacebookTwitterFlipboardGmail
Imagem meramente ilustrativa de jogo Monopoly - Divulgação/Pixabay/ Sylbohec
Imagem meramente ilustrativa de jogo Monopoly - Divulgação/Pixabay/ Sylbohec

Cédulas coloridas e propriedades atraentes que fazem os olhos brilhar. Com 'Monopoly', crianças e adultos podem enriquecer e se destacar em longas jogatinas animadas e que, às vezes, podem gerar discussões sobre quem foi o verdadeiro ganhador. Afinal, quem não quer ser o maioral, se não na vida, ao menos na brincadeira?

Isso tudo porque a promessa contida em 'Monopoly', o jogo de tabuleiro mais vendido da História, é a própria alma do capitalismo traduzida de um jeito lúdico e cativante.

Acontece que a ideia original do jogo era diametralmente oposta. Pode ser difícil de acreditar, mas o 'Monopoly', com mais de 250 milhões de unidades vendidas no mundo inteiro, nasceu com o objetivo de chamar a atenção das pessoas para a desigualdade social e a ânsia acumuladora do sistema calcado na propriedade privada.

Como nos conta a obra 'It’s All a Game — The History of Board Games from Monopoly to Settlers of Catan', de Tristan Donovan, a existência desse fenômeno comercial se deve ao impacto de um livro na mente e no coração de uma mulher.

O livro: 'Progresso e Pobreza', escrito pelo economista norte-americano Henry George e lançado em 1879; a mulher: Elizabeth Magie, escritora e inventora, moderna para a época, nascida em 1866, em Illinois, nos Estados Unidos.

O mundo em que Magie vivia estava profundamente rachado. No final do século 19, os EUA chafurdavam no abismo gerado pelo avanço da Segunda Revolução Industrial. De um lado, homens de cartola, bengala e bigodão ostentavam fortunas inimagináveis — vindas, sobretudo, da exploração do petróleo e do aço —, e, de outro, operários maltrapilhos, reféns de cargas horárias abusivas no chão das fábricas, sobreviviam até onde a miséria lhes permitia.

Enquanto alguns aplaudiam a prosperidade dos magnatas e elogiavam seu filantropismo, outros contestavam a exploração do trabalho e a expansão dos monopólios. Ouviam-se os primeiros burburinhos sobre a luta de classes e a criação de sindicatos como meios de retomar o poder pela base da pirâmide.

Imagem meramente ilustrativa de jogo Monopoly / Crédito: Divulgação/Pixabay/ Pontus_Kjellberg

Tentativa de igualar as classes

O economista Henry George estava entre os que se compadeciam da desigualdade social e se sentiam na obrigação de fazer algo a respeito. E nada como um bom plano para mudar a ordem das coisas. Foi o que ele fez. No livro 'Progresso e Pobreza', George apresenta a teoria da Single Tax, um jeito eficaz, segundo ele, de combater a disparidade econômica na sociedade americana.

O economista acreditava que terras eram uma bênção de Deus e qualquer aumento em seu valor provinha do trabalho braçal das classes populares. Logo, o dinheiro que os proprietários ganhavam simplesmente por terem terras pertencia a todos. Para ser justo, o governo deveria, então, transferir essa riqueza para a sociedade, taxando as terras.

A renda dessa tarifa seria tão vultosa, projetava George, que todos os outros impostos poderiam ser abolidos. Assim, o povo poderia ficar com os lucros de seu próprio trabalho e, de quebra, a terra teria um uso mais produtivo. “O plano acabaria aumentando a renda dos trabalhadores e evitando que proprietários acumulassem riqueza de maneira parasitária sem fazer nada para merecer isso”, esclarece Donovan.

Apesar de rejeitado por boa parte dos conservadores, temerosos de que a taxa reduzisse ao invés de encorajar investimentos, o livro de Henry George não só virou best-seller como também provocou um novo movimento político: os single taxers, ansiosos por ver a teoria se tornar realidade.

Fotografia de Henry George / Crédito: Creative Commons/ Wikimedia Commons

O sonho de uma inventora

Quando recebeu de seu pai uma cópia da publicação de George, Progresso e Pobreza, Elizabeth Magie já tinha criado e patenteado um aparelho que permitia colocar mais facilmente papel nas máquinas de escrever. Naquela época, menos de 1% das patentes era propriedade de mulheres.

Fascinada pela teoria da taxa única, ela não se contentou em aderir ao movimento: tornou-se secretária do Clube Feminino da Taxa Única, em Washington. Após a morte do economista, em 1897, Magie fez questão de seguir batalhando por seus ideais, embora a corrente tenha se enfraquecido.

Como as palestras que ministrava sobre o assunto estavam alcançando poucas pessoas, teve uma ideia melhor. “Em 1902, ela inventou um jogo de tabuleiro para trazer à vida os argumentos de George, como forma de demonstrar os danos que os proprietários monopolizadores causavam e como a taxa de propriedade era a cura”, conta Donovan. A criação, que futuramente seria um sucesso descomunal, só que com a alcunha 'Monopoly', se chamou 'Jogo do Proprietário' (The Landlord’s Game, em inglês).

As regras da versão original do jogo são familiares a muitos de nós. Os participantes circulavam pelo tabuleiro munidos de dinheiro falso. Com ele, podiam adquirir lotes, ferrovias e serviços. Uma vez donos de algum endereço, passavam a ter o direito de cobrar aluguel de qualquer um que parasse por ali e ainda podiam construir prédios para aumentar o valor da cobrança.

Outras casas do tabuleiro impunham o pagamento de impostos ou o sorteio de uma carta — afortunada ou danosa. A cada volta completa, os jogadores passavam por uma casa marcada como “Trabalho sobre a Mãe Terra produz salários”, e coletavam US$ 100. Num canto do tabuleiro, havia o alerta: “Não ultrapasse. Vá para a prisão”.

Imagem meramente ilustrativa de tabuleiro / Crédito: Divulgação/ Pixabay/ jcesar713

Esse espaço, explicou Magie em um artigo do Single Tax Review, eram terras de um lorde britânico e representava a “propriedade estrangeira de solo norte-americano” — numa clara menção à colonização britânica na América do Norte. Quem caísse nessa casa era mandado para a prisão no canto diagonalmente oposto, onde ficaria até tirar dois números iguais nos dados ou pagar uma multa de US$ 50.

O quadrado do canto final continha um parque público e uma casa de pobres para onde os jogadores falidos eram mandados. E eles só podiam sair dali se outro jogador emprestasse dinheiro suficiente para que os endividados pagassem suas dívidas.

Por fim, depois que os participantes completavam a volta no tabuleiro um número fixo de vezes, a brincadeira acabava e o jogador com mais dinheiro acumulado era declarado o vencedor. Tudo isso para mostrar, segundo a inventora, “como os proprietários ganham seu dinheiro e ficam com ele”.

O idealismo de Elizabeth Magie a levou  a crer que o jogo permitiria que as crianças “vissem claramente a injustiça do nosso sistema presente de propriedade” e, no futuro, virassem adultos capazes de lutar contra isso. O curioso é que ela criou algumas regras opcionais, mais alinhadas ao projeto igualitário do seu mentor Henry George. No entanto, esse “adendo” passou despercebido pelos usuários. O sucesso do jogo se consolidou mesmo por causa da ganância.

Fotografia de Elizabeth Magie com o tabuleiro em mãos / Crédito: Creative Commons/ Wikimedia Commons

De mão em mão

Depois de patentear seu jogo em 1904, Magie começou a fazer cópias à mão para outros single taxers. Um desses tabuleiros caseiros chegou até os moradores de Arden, Delaware — primeira de uma longa lista de peregrinações que o jogo faria até se tornar o produto campeão de vendas em muitos dos estados do país.

Fundada em 1900 pelo milionário do sabão, Joseph Fels, a localidade vivia de acordo com os preceitos de Henry George. Os habitantes, atraídos por uma vida alternativa e comunitária, podiam arrendar, mas nunca comprar terras. O aluguel que pagavam só refletia o valor da terra que ocupavam e todo o dinheiro pago para a cidade era reinvestido na comunidade. Paralelamente, Elizabeth Magie se esforçava para viabilizar sua ideia comercialmente. Fez uma série de contatos, mas sempre ouvia que o jogo era muito político e complexo. Ou seja, pouco comercial.

Em 1905, Scott Nearing, professor de economia da Universidade da Pensilvânia, que vivia em Arden, passou a usar o jogo em sala de aula, sem saber ao certo como ele chamava. Em pouco tempo, estudantes de diversas universidades do nordeste dos Estados Unidos estavam entretidos com a tal brincadeira ou o tal jogo que ninguém sabia de onde vinha. Mais cópias caseiras eram feitas e distribuídas entre amigos. As pessoas improvisavam as peças com brincos, moedas e outros itens domésticos.

Imagem meramente ilustrativa de tabuleiro do Monopoly / Crédito: Divulgação/ Pixabay/ HalasSwiatel

Cartolinas e madeira também eram usadas como matéria-prima e adaptações geográficas eram incluídas conforme cada região. Essas modificações foram ganhando vida própria até que, em 1932, Daniel Layman convenceu um fabricante de baterias de sua cidade, Indianápolis, a publicar o jogo, que começou a ser vendido com o nome 'Finanças'. As diferenças entre o 'Finanças' e o 'Monopoly' atual são mínimas. Elizabeth Magie teria passado mal ao ler a forma como o jogo, sua própria ideologia, foi descrito na versão de Layman: “Paralelo das transações de negócio modernas” e “dando a todos a oportunidade de fazer fortuna”.

A invenção de Magie seguiu em frente, passando de mão em mão, até ser apossada, em 1933, por Charles Darrow, na Filadélfia. Àquela altura, o jogo já era chamado de 'Monopoly'. Como tantos lugares na América, a cidade fora arrasada pela Grande Depressão após a quebra da Bolsa de Nova York, em 1929, e Darrow era apenas um dentre os milhares de desempregados acossados pela falta de oportunidades e de perspectivas provocada pelo pior e mais longo período de recessão econômica do sistema capitalista no século 20.

Visionário, ele pediu a um amigo cartunista que criasse um layout mais atraente para o jogo. Logo, o registrou como “Copyright 1933 Chas B. Darrow” e começou a produzir e vender cópias. A investida de Darrow deu tão certo que o jogo passou a ser vendido pela principal loja de departamentos da Filadélfia. Em pouco tempo, as encomendas aumentaram exponencialmente.

Fotografia de Scott Nearing / Crédito: Creative Commons/ Wikimedia Commons

Sucesso comercial absoluto

Atraída pelo sucesso do Monopoly, a Parker Brothers, uma das principais fabricantes de jogos dos EUA, comprou os direitos comerciais do jogo em 1935. Na ocasião, Darrow afirmou que ele era o único inventor — uma notória mentira, que teria de ser remediada mais tarde. Naquele momento, contudo, só se tinha olhos para a avalanche de pedidos.

O fato é que o jogo, que simulava o enriquecimento de uns em detrimento de outros, tinha virado uma febre. O autor Tristan Donovan tenta justificar o fenômeno: “Era a emoção de poder segurar pilhas de dinheiro de mentira depois de anos lutando para sobreviver com centavos? Ou talvez fosse a possibilidade de comprar e ter propriedades numa época em que a maioria dos norte-americanos pagava aluguel. Talvez a natureza selvagem do jogo fornecesse um escape ao público”.

Philip E. Orbanes, que chegou a ser vice-presidente da Parker Brothers, frisa que Monopoly representou um divisor de águas na indústria dos jogos. Segundo ele, a iniciativa, revolucionária para a época, encorajou outras empresas a fabricar mais jogos para adultos, haja vista o interesse desse público em passar uma porção de horas vidrado num tabuleiro. Lá pelas tantas, o inevitável aconteceu. Os advogados da Parker Brothers se depararam com a patente de Magie do 'Jogo do Proprietário' e o muito similar 'Finanças' de Layman. Mas o impasse não se prolongou.

Imagem meramente ilustrativa de peças do Monopoly / Crédito: Divulgação/ Pixabay/ mpmd2009

Com boas quantias de dinheiro, a empresa conseguiu legalizar a papelada. O fundador da Parker Brothers foi pessoalmente negociar com Magie, que o recebeu calorosamente. Ela viu renascer a possibilidade de lançar sua criação original. Então, concordou em vender os direitos em troca de US$ 500 e a promessa de lançar o 'Jogo do Proprietário' também. O que, de fato, foi cumprido. Porém, as vendas encalharam e as cópias produzidas foram destruídas, para desalento da inventora.

Tudo isso se passou nos bastidores. Para o grande público foi preservada a narrativa de que Darrow era o criador do 'Monopoly'. Afinal, sua história de superação em plena Grande Depressão tinha muito mais apelo midiático do que o idealismo de uma certa inventora alinhada à visão de mundo de um economista excêntrico. A conclusão dessa saga é tão dura quanto realista, na análise de Donovan.

“Se, para vencer o jogo você tem que jogar seu oponente no olho da rua, que seja. Se Monopoly parece uma celebração do capitalismo ‘cão come cão’, é porque era isso que as pessoas queriam que ele fosse.” Quem venceu, no fim das contas, foi a versão mais competitiva e predatória. E segue o jogo.


+Saiba mais sobre o capitalismo através das obras abaixo, disponíveis na Amazon:

Capitalismo, socialismo e democracia, Luiz Antonio Oliveira de Araujo (2017) - https://amzn.to/2NX6VtP

Capitalismo e Liberdade, Milton Friedman (2014) - https://amzn.to/30SuUPK

Uma teoria do socialismo e do capitalismo, Hans-Hermann Hoppe (2013) - https://amzn.to/37r1VoN

17 contradições e o fim do capitalismo, David Harvey (2015) - https://amzn.to/2U0r1qV

Vale lembrar que os preços e a quantidade disponível dos produtos condizem com os da data da publicação deste post. Além disso, a Aventuras na História pode ganhar uma parcela das vendas ou outro tipo de compensação pelos links nesta página.

Aproveite Frete GRÁTIS, rápido e ilimitado com Amazon Prime: https://amzn.to/2w5nJJp

Amazon Music Unlimited – Experimente 30 dias grátis: https://amzn.to/2yiDA7W