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Matérias / Personagem

Por que Isabel nunca chegou ao trono?

Muitos acreditam que a princesa não estava preparada para o cargo, mas alguns historiadores contestam essa teoria

Dimalice Nunes Publicado em 14/11/2019, às 09h00 - Atualizado em 13/05/2022, às 07h00

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A princesa Isabel do Brasil em cores - Divulgação/ Biblioteca Nacional
A princesa Isabel do Brasil em cores - Divulgação/ Biblioteca Nacional

Quando lemos sobre a mulher que assinou a libertação dos escravos no Brasil, pensamos na imagem desbotada, ainda que rica, da princesa Isabel. Muitos, inclusive, acreditam que, por ser herdeira do trono de Dom Pedro II, a mulher era uma católica devota, dedicada à vida doméstica, mas com pouco interesse pela política.

Mas será? Uma visão dissidente, por gente como a biógrafa Regina Echeverria, autora de 'A História da Princesa Isabel: Amor, Liberdade e Exílio', enxerga a nobre como uma injustiçada — por uma cultura que não podia conceber uma mulher no comando.

Isabel ao centro, aos 16 anos, por volta de 1860 / Crédito: Domínio Público

A casa e o trono

Nascida em 29 de julho de 1846, Isabel era a segunda descendente de dom Pedro II e Teresa Cristina. Seu irmão mais velho, dom Afonso Pedro, o herdeiro natural do trono, viveu apenas dois anos. Isabel passou a ser, aos 11 meses de idade, a herdeira presuntiva, título dado quando não há melhor opção. Em 1848 Pedro Afonso, o terceiro filho, tira-a da sucessão, mas também morre na primeira infância.

Conformado com a ausência de herdeiros homens, o imperador fez questão de dar às suas meninas uma educação à altura de uma futura monarca, sem distinção daquela que seria dada a um menino. Uma vida inteira de preparação.

O beabá ensinou ele próprio. Depois, contratou especialistas em cada área. O professor de História, por exemplo, foi Joaquim Manuel de Macedo, o autor do livro fundador do romantismo nacional, 'A Moreninha'.

As aulas de inglês e alemão vieram de Cândido de Araújo Viana, o Marquês de Sapucaí. Coube a Luísa Margarida de Barros Portugal ensinar à princesa como ser uma dama da sociedade. Essa era ninguém menos que a Condessa de Barral, a maior amante do imperador, que passou boa parte da vida na corte francesa absorvendo o que de mais atual existia em comportamento.

"A princesa Isabel era uma mulher muito culta, muito preparada. Ela era muito mais culta do que qualquer homem do Parlamento que conheceria ao longo da vida", conta Regina Echeverria. "Ela sabia coisas demais e se mantinha atualizada. Já adulta, passou um período na Europa visitando fábricas, ainda com a Revolução Industrial começando".

O casamento, obrigação da nobreza, viria aos 18 anos, com o nobre francês Louis Philippe Marie Ferdinand Gaston, o Conde d'Eu. Era neto de Luís Filipe I, da França, rei entre 1830 e 1848. Mas então, 1864, o país estava sob a monarquia de Napoleão III, sobrinho de Bonaparte. O conde vinha de uma família real destronada. O casamento só daria frutos mais de dez depois, em 1875, quando nasceu dom Pedro de Alcântara.

Isabel assumiu o trono como regente duas vezes. Na primeira delas, em 1871, sancionou a Lei do Ventre Livre, que impedia que crianças nascidas escravas herdassem a condição. Na segunda, entre 1876 e 1877, teve que enfrentar problemas de ordem política, como a forte seca do Nordeste e o embate político-religioso entre maçons e católicos.

Vista como acanhada, recolhida na casa real em Petrópolis, a má fama de Isabel começou a se formar então. E, apesar de tudo o que será dito a seguir, continua a ser consenso hoje. A historiadora Mary del Priore, por exemplo, é bastante cética a respeito do revisionismo da vida da Princesa: "documentos provam que era totalmente apolítica e voltada para o lar".

A princesa, o marido e os seus três filhos / Crédito: Wikimedia Commons

Despertar político

Até agora, falamos da Princesa Isabel que todo mundo conhece: uma dona de casa incapaz de assumir o trono. Mas seus defensores afirmam que essa é uma Isabel de duas décadas antes da possível sucessão. A Isabel que assinou a Lei Áurea, notou Echeverria, havia evoluído.

Ela se interessou pela maior questão da época: o fim da escravidão. Entrou em confronto com o chefe do gabinete dos ministros Barão de Cotegipe, que foi obrigado a se demitir do posto às vésperas da Lei Áurea. Seria a desprezada princesa a fazer a decisão provavelmente mais impactante da história do Brasil.

Isabel foi firme ao impor sua vontade e aboliu a escravatura mesmo contra a vontade de parte do governo. Ouviu do já citado Barão de Cotegipe que a libertação significaria a perda do trono. "Mil tronos eu tivesse, mil tronos eu daria para libertar os escravos do Brasil", respondeu. Sofreu também com o fogo amigo do sobrinho, Pedro Augusto, que, de olho no trono, conspirava contra a tia.

O envolvimenteo vai além de assinar a lei: antes disso, a princesa havia levantado fundos para a compra de cartas de alforria dos escravos de Petrópolis. E, de certa forma, ela aceitou levar o tiro que, de outra forma, estaria destinado a seu pai.

"O fato é que, sem a sua assinatura, a lei levaria mais alguns anos para ser sancionada. Acho difícil que dom Pedro II a assinasse, pois ele tinha mais compromissos com a elite agrária, dependente dessa mão de obra, do que sua filha", afirma Regina Echeverria.

A partir da virada, ela se mostra a favor também da reforma agrária, da universalização da educação e do voto feminino. A história mostraria que a tomada de partido contra a escravidão — e automaticamente contra a elite escravocrata —, seria fatal para a monarquia brasileira. Mas não seria só ela.

A princesa ao assumir a Segunda Regência / Crédito: Wikimedia Commons

Um conde no caminho

As ações da regente abriram os olhos da elite brasileira para a realidade de que Isabel era a futura monarca. "Na Terceira Regência parecia que, pela primeira vez, o país se dava conta de que dom Pedro II não reinaria para sempre", afirma a historiadora Maria Luiza de Carvalho Mesquita. "Que mais cedo ou mais tarde uma outra pessoa ocuparia seu lugar, no caso, uma mulher, casada com um estrangeiro, um liberal francês."

A questão que todos se perguntavam era: seriam mesmo suas as mãos a tomar as rédeas do país? Para os olhos daquela época, quem seria o rei não era ela, mas seu marido, o Conde d'Eu. O próprio abolicionismo da princesa foi visto como uma mera influência negativa dele.

Era um personagem não só estrangeiro como impopular. "O Conde d'Eu era, sem dúvida, caricaturável. Surdo e falando um português muito ruim", afirma o historiador Bruno Cerqueira, fundador do Instituto Cultural D. Isabel I.

E tanto ele quanto a princesa tinham uma contradição fatal, que evitou que fossem vistos como heróis por boa parte dos abolicionistas: eram realmente carolas, defensores do ultramontanismo, que colocava a Igreja acima do Estado. "Isso destoava dos políticos, que começavam a abraçar os diversos ismos do fin de siècle: positivismo, anticlericalismo, secularismo, cientificismo...", diz Cerqueira.

"O conde tem um peso forte na questão da sucessão e da manutenção da monarquia, mas um peso certamente exagerado pela historiografia", continua. "Para os brasileiros comuns, a sucessão não lhes dizia respeito. Era uma maioria de iletrados para os quais a monarquia era sagrada e a família reinante, envolta em uma aura de reverência."

A razão última pela qual Isabel nunca foi imperatriz é provada pelo próprio fato de estarmos falando no Conde d'Eu. "Era um preconceito descarado", diz Echeverria. "Ela era combatida exclusivamente por ser mulher. Todos faziam isso: os políticos, a imprensa e até o pai dela. Uma mulher que aos 11 meses de vida foi declarada sucessora e passou a vida inteira se preparando para assumir. Assina duas leis contra a escravidão, mas nunca seria imperatriz basicamente pelo fato de ser mulher."

Fuga na madrugada

No ano seguinte à abolição acontece o primeiro golpe militar do país. Para a princesa, o episódio foi traumático, para além da perda do trono: uma fuga para o exílio, com toda a sua família e alguns amigos.

"Ela foi mandada embora de seu país, de sua casa; no meio da madrugada, tiraram tudo dela. Na cabeça dela, a República matou a mãe, que morreu logo depois da viagem, e, depois, o pai. Eu acho que ela se sentiu muito traída pelos republicanos", diz Echeverria.

O sentimento de traição não foi suficiente, no entanto, para abalar seu espírito cívico. Após o fato consumado da República, muitos movimentos que exigiam a restauração apareceram no Brasil. E a princesa Isabel, exilada com a família em Paris, foi naturalmente cotada para assumir o trono, após a morte do pai, em 1891. Ela decidiu que não incentivaria uma guerra civil ou qualquer levante violento, resignando-se a deixar para trás a possibilidade de ser imperatriz do Brasil.

"Meu pai, com seu prestígio, teria provavelmente recusado a guerra civil como um meio de retornar à pátria... Lamento tudo quanto possa armar irmãos contra irmãos... É assim que tudo se perde e que nós nos perdemos. O senhor conhece meus sentimentos de católica e brasileira", afirmou em uma correspondência ao último chefe de gabinete da Terceira Regência, João Alfredo.

"Ela não queria saber de confusão, de guerra entre irmãos... Ela era realmente muito católica, e isso não cabia no seu universo", diz Regina. "Mas ela sempre quis voltar", diz Bruno Cerqueira. "Ela proibia apenas que se fizessem guerras em nome dos Braganças, mas não impediu que houvesse movimentos monarquistas. Ao contrário: ela acreditou na volta da monarquia durante longos anos, mesmo que sem os meios para isso."

Isabel morreu aos 75 anos, em 1921, no castelo D'Eu, nos arredores de Paris, onde viveu a maior parte dos anos de exílio. Não caísse a monarquia, teria governado por 30 anos. Começava então o movimento tenentista, exigindo reformas. Era a vez da República Velha, que a havia destronado, desmoronar.


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