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Matérias / Guerra Fria

A Revolução Cubana foi comunista?

Conheça o caminho que levou a pequena ilha a uma Revolução anti-colonial e como o socialismo só chegou depois

André Nogueira Publicado em 27/09/2019, às 08h00

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Museu Virtual Comandante Ernesto Che Guevara
Museu Virtual Comandante Ernesto Che Guevara

Hoje em dia, Cuba deixa muita marca por ser um dos poucos países que se mantém sob um regime socialista. Quem analisa a história desse país de maneira superficial pode cair no erro de pensar que Fidel, Cienfuegos e Guevara subiram a Sierra Maestra com planos de planificação econômica e abolição da propriedade privada. Mas quando observamos mais a fundo, essa história não é tão simples assim.

Independência e EUA

A independência de Cuba passou por um processo consideravelmente diferente do restante do continente americano. Além de bastante tardia (1898), Cuba não atinge sua autonomia com uma disputa independente contra a Espanha (apesar de tentar), mas, na verdade, a quebra dos laços coloniais que possuía com o império europeu foi decorrente de uma guerra estabelecida entre os EUA e a Espanha. 

Crédito: Wikimedia Commons

A guerra teve início em 1898, quando o presidente estadunidense William McKinley, inspirado na Doutrina Monroe e interessado em expandir a influência de seu país no Caribe — há muito tempo que os yankees tentam comprar Cuba da Espanha —,  percebe a fragilidade do decadente império espanhol em manter sua autoridade colonial.

Quando José Martí empreende uma série de revoltas contra o colonizador, décadas antes, a reconquista espanhola já não era capaz das façanhas imperiais do século XVI. Na entrada do século XX, um país emergente entra em guerra com um império falido e o resultado é claro e rápido: derrotada, a Espanha entrega aos EUA suas possessões nas Filipinas, Guam, Puerto Rico e Cuba.

Cuba, dessa maneira, deixa de ser colônia espanhola para se tornar protetorado estadunidense em 1898. Diante do novo status, a ilha começa a ser preenchida por empresários e magnatas dos EUA, que começam a adquirir terras baratas no campo e facilidades nas cidades cubanas para tornar a ilha um recanto de férias com grandiosos hotéis, cassinos e bordéis. Os estadunidenses possuíam força para mandarem e demandarem na ilha, tornando-se, na prática, um novo colonizador.

Cuba, ex-colônia de exportação de açúcar e agora protetorado subserviente, passa a primeira metade do século XX marcada por índices extremos de pobreza, insalubridade e inacessibilidade do povo cubano de serviços básicos, enquanto os invasores dos EUA ostentavam gloriosas riquezas e hábitos soberbos no território insular.

Ao mesmo tempo, o governo de Cuba era facilmente manipulado pelos estadunidenses em favor de interesses dos EUA. Mesmo independente, Cuba passa a viver um cenário de ditadura, mantida pelos EUA, para que o país defendesse os interesses dos yankees no cenário continental.

Os revolucionários

A situação em que se encontrava a população da ilha é o principal fator para compreendermos a ascensão do sentimento de revolta entre jovens cubanos. Fidel Castro, por exemplo, foi preso em Cuba após uma tentativa de assalto a um quartel-general realizado por um grupo de nacionalistas comandado por ele, no dia 26 de julho de 1953.

Este evento marcará a história do processo revolucionário, pois, primeiramente, Fidel fundará o movimento revolucionário M-26-7, em referência ao evento, e, além, o tipo de demanda dos revolucionários de 1959 já estava presente em 53: o nacionalismo acentuado e militarista (bem diferente do internacionalismo proletário no marxismo), o desejo pela democracia direta e o forte sentimento anti-EUA.

Em 1955, Fidel é anistiado, mas, pouco tempo depois, devida uma ação do M-26-7 em um ato em oposição ao regime de Fulgencio Batista, o jovem estudante de direito torna-se criminoso novamente e busca exílio no México.

É lá, junto ao irmão, Raúl Castro, e ao colega Camilo Cienfuegos, que se encontra com o jovem estudante de medicina argentino (que viajava a América conhecendo a realidade pobre e degradante que a colonização deixou no continente americano) Ernesto Guevara de la Sierna (apelidado de Che, por repetir essa palavra, típica da tradição gaúcha, nas conversas) e na Ciudad de México, elaboram o plano de invadir a ilha pelo Sul e subir em direção a Havana pelo método de guerrilha.

Fulgencio Batista / Crédito: Wikimedia Commons

Em 1959, o plano tem início. Articulado com as redes de comunicação das cidades e angariando apoio e contingente para a guerrilha na travessia do campo e florestas do interior da ilha, o grupo de guerrilheiros atinge, no primeiro dia do ano de 1960, a capital e derruba o ditador Fulgencio Batista.

Repare que em nenhum momento foram citados elementos como a filiação a um Partido Comunista. Ou alguma leitura de Marx e Engels. Ou qualquer influência da URSS até esse momento. As chaves para entender a Revolução não estão aí, mas nas noções de nacionalismo, anticolonialismo, aversão aos EUA e busca por liberdades democráticas.

Mas, então, quando o socialismo chegou em Cuba?

Com a revolução, é quase declarada uma guerra com os EUA. A revolta anti-imperialista é um choque importante para os EUA, que, como resposta, toma iniciativas para conter o avanço dos sucessos revolucionários. Quando o governo revolucionário inicia um processo de nacionalização das terras estadunidenses, os EUA declaram redução de importações do açúcar cubano.

Este é o primeiro momento em que a URSS aparece na equação: o país, governado por Nikita Khruschev, declara a importação dos lotes não vendidos aos EUA, visando o aumento de sua influência nos arredores da potência inimiga. Afinal, Cuba fica na esquina dos EUA.

Esse conflito começa a se acirrar nesse primeiro ano da década de 60. O presidente americano, Einsenhower, declara em outubro o embargo parcial à ilha como represália à anormalidade política. No ano seguinte, o presidente corta todas as linhas diplomáticas de comunicação com o governo cubano. Depois, no mesmo ano, mas com J.F. Kennedy, acirra-se o embargo à ilha.

Diante deste cenário, Cuba, incapaz de se manter sozinha com base em exportação de commodities, apela auxilio econômico à URSS, que se torna principal aliado econômico da ilha e maior importador de seus produtos e fornecedor de manufaturados.  Em contrapartida, os russos exigem que Cuba se desloque ao eixo de aliados do bloco soviético e adote a planificação econômica sob molde socialista. Cuba aceita, e vemos o resultado desse processo até hoje.