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Matérias / Movimento tenentista

Imóveis destruídos e 212 mil paulistanos em fuga: Há 100 anos, ocorria o primeiro ato tenentista

Há 100 anos, jovens militares iniciavam revoltas contra a república velha brasileira no o primeiro ato tenentista

Rodrigo Trespach, historiador e escritor Publicado em 10/07/2022, às 07h00

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Representação do movimento tenentista - Aventuras na História impressa
Representação do movimento tenentista - Aventuras na História impressa

Rio de Janeiro, 5 de julho de 1922. Passava de uma hora da madrugada quando a guarnição do Forte de Copacabana se insurgiu contra o governo do presidente Epitácio Pessoa e seu sucessor, Artur Bernardes. Embora o resultado imediato fosse nulo, as consequências seriam determinantes para o futuro do Brasil.

A crise começara quase um ano antes, quando o Clube Militar, comandado pelo marechal e ex-presidente do país, Hermes da Fonseca, passou a exigir a renúncia de Bernardes à presidência.

O motivo era a publicação pelo jornal Correio da Manhã de cartas ofensivas, supostamente escritas por Bernardes e dirigidas ao ex-presidente Nilo Peçanha e ao Exército. As cartas eram falsas e os responsáveis acabaram reconhecendo a culpa. Mas
a crise instaurada levou o governo a fechar o Clube Militar e prender o marechal Hermes, o que os militares consideraram um ultraje à honra de um oficial e a humilhação suprema do Exército. Foi o estopim para o levante.

Os Dezeoito do Forte

O comandante do Forte de Copacabana tinha bons motivos para comandar o motim: o capitão Euclides Hermes era filho do marechal Hermes. Desde o dia anterior, a guarnição se preparava para o levante, que esperava contar com o auxílio de todas as outras tropas estacionadas na então capital federal.

Durante a madrugada, já no dia 5, o Forte deu início à revolta apontando e disparando seus canhões contra diversas unidades militares da cidade que não aderiram ao movimento. Ao contrário do imaginado, porém, os revoltosos lutavam sozinhos. Somente o Primeiro Regimento de Infantaria e a Escola Militar esboçaram alguma ação de apoio. Isolado e cercado, o forte foi duramente bombardeado pelos canhões da
Fortaleza de Santa Cruz e pelos navios da Marinha estacionados na baía. No dia seguinte, em uma tentativa de negociação, o capitão Euclides Hermes foi aprisionado e após o apelo governista começaram as rendições.

Dos 301 sediciosos, 272 renderam-se às tropas legalistas. Liderados por Siqueira Campos, os 28 restantes decidiram deixar o forte e lutar contra as tropas que os cercavam. Às 15h, depois de dividir a bandeira brasileira entre si, eles deixaram o lugar em marcha pela avenida Atlântica.

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Divulgação/Grupo Perfil

No caminho, alguns deserdaram e um civil se juntou ao grupo (o engenheiro gaúcho Otávio Correia). O fotógrafo Zenóbio Couto registrou o momento e a imagem estampada no jornal O Malho eternizou os “Dezoito do Forte”. Quando se deu o choque final com as tropas governistas, entre o paredão da Avenida Atlântica e a Rua Barroso, porém, os revoltosos eram 11.

Destes, apenas Siqueira Campos e Eduardo Gomes sobreviveram. Recolhidos os corpos, o governo identificou e prendeu os principais líderes do movimento. Entre eles estavam o marechal Hermes, Nilo Peçanha e os generais Joaquim Inácio e Isidoro Dias Lopes. Envolvidos também estavam os tenentes João Alberto Lins de Barros e Osvaldo Cordeiro de Farias, que não se sublevaram por avaliar, corretamente, que o governo esmagaria a revolta sem grandes esforços.

Entre os civis estavam o jornalista Irineu Marinho (pai de Roberto Marinho, mais tarde diretor do Grupo Globo) e o advogado e político Maurício de Lacerda (militante comunista e pai de Carlos Lacerda, futuro governador da Guanabara). Outro preso por ter se recusado a reprimir os sediciosos foi o então primeiro-tenente e futuro presidente da República Artur da Costa e Silva.

Todos foram encarcerados, mas acabaram em liberdade pouco tempo depois. Os então capitães Eurico Gaspar Dutra (presidente da República durante
o Regime Militar) e Euclides de Oliveira Figueiredo (pai do futuro presidente brasileiro João Batista Figueiredo), pelo contrário, se destacaram por agir contra o movimento.

Revoluções de 1923 e 1924 

A revolta de 1922 deu início ao que viria a ser chamado de Movimento Tenentista, isso por ser basicamente composto por oficiais de baixa patente. Embora o tenentismo lutasse contra fraude eleitoral e a corrupção na administração pública, e pela moralidade política inexistente na chamada República Velha (1889- 1930), o meio escolhido não gerou bons frutos: ao longo das décadas seguintes, o Brasil seria sacudido por golpes ou
intervenções militares.

Já no ano seguinte, em 1923, os gaúchos se levantaram em armas contra o governo local.
Borges de Medeiros estava no poder desde 1913. A chamada “Revolução Libertadora” acabou obrigando Borges a encerrar com suas sucessivas reeleições – embora fosse permitido a ele permanecer no cargo até 1928.

Em 1924, no “Segundo Cinco de Julho”, foi a vez de os tenentes paulistas se levantarem em uma revolta, a “Revolução de 1924”. Levantes ocorreram também em Manaus, Sergipe e Mato Grosso, mas foram todos rapidamente sufocados.

No Sudeste, no entanto, liderados pelo general Isidoro Dias Lopes e o major Miguel Costa, comandante do Regimento de Cavalaria da Força Pública, os revoltosos conseguiram tomar São Paulo. Novamente o objetivo era derrubar Artur Bernardes. Mais uma vez, o governo federal conseguiu mobilizar tropas e, em meados de julho, a cidade estava cercada por 15 mil soldados legalistas, o que obrigou os rebeldes a deixar a capital paulista durante a madrugada do dia 27.

A retirada foi efetuada em comboios de trens que partiram da Estação da Luz. “Nosso objetivo fundamental”, escreveu o general na proclamação impressa nos jornais do dia seguinte, “era e é uma revolução no Brasil que elevasse os corações, que sacudisse os nervos, que estimulasse o sangue da raça enfraquecida, explorada, ludibriada, escravizada”. A causa podia ser justa, mas os estragos foram grandes. Mais de 500 pessoas morreram devido aos disparos da artilharia, ao bombardeio aéreo e aos combates nas ruas. Aproximadamente 1,8 mil imóveis foram destruídos e mais de 212 mil paulistanos fugiram para o interior do estado durante o conflito.

Enquanto o exército de Isidoro Dias, acossado por tropas governistas,
percorria os estados de São Paulo e do Paraná em fuga, no Rio Grande do Sul uma
revolta foi deflagrada. Além do Batalhão Ferroviário de Santo Ângelo, comandado pelo
capitão Luiz Carlos Prestes, o principal líder rebelde, sublevaram-se unidades em Alegrete, Cachoeira do Sul, São Borja e Uruguaiana.

Afora o descontentamento com o cenário nacional, o movimento gaúcho reunia muitos descontentes com o governo estadual, de Borges de Medeiros, e querelas políticas que datavam desde a Revolução Federalista (1893-1895).

Com menos de 3 mil homens contra uma força cinco vezes maior, as tropas lideradas por Prestes foram cercadas na fronteira gaúcha com a Argentina. A alternativa ao aniquilamento e à rendição foi romper o cerco e se juntar às forças de Isidoro Dias.

Coluna Prestes 

Em abril de 1925, os dois grupos rebeldes se encontraram e uma reunião em Foz do Iguaçu, no Paraná, definiu o destino dos revoltosos. Foram criados quatro “destacamentos”, liderados por Cordeiro de Farias, João Alberto, Djalma Dutra e Siqueira Campos, um dos sobreviventes dos Dezoito do Forte.

O outro remanescente do confronto em Copacabana, Eduardo Gomes, foi preso antes que pudesse integrar o grupo. Miguel Costa seria o comandante-geral da “Primeira Divisão Revolucionária”, enquanto Prestes seria o chefe do Estado-Maior e Juarez Távora, o subchefe.

Isidoro Dias, já com 60 anos de idade e menos otimista quanto ao resultado do movimento, refugiou-se na Argentina com a missão de encontrar apoio externo. “A guerra no Brasil, qualquer que seja o terreno, é a guerra do movimento. Para nós, revolucionários, o movimento é a vitória”, afirmou Prestes em carta
ao general. A partir daí, a guerrilha seria a marca da nomeada Coluna Miguel Costa-
-Prestes, em pouco tempo chamada apenas de Coluna Prestes, dados a liderança e o prestígio alcançado pelo capitão gaúcho.

Depois do Paraná, a Coluna Prestes iria percorrer o Mato Grosso, Goiás, Minas Gerais, Maranhão, Piauí, Ceará, Rio Grande do Norte, Paraíba, Pernambuco e a Bahia, retornando pelo Centro-Oeste para depor armas já em território boliviano, sem rendição ou uma derrota sequer – restavam pouco mais de 600 homens, 90 fuzis, quatro metralhadoras pesadas, dois fuzis metralhadoras e munição para 8 mil tiros.

Haviam percorrido, segundo registros do próprio movimento, 24.947 quilômetros em dois anos, um mês e sete dias (abril/1925 – junho/1927). Segundo alguns historiadores, a Coluna Prestes venceu mais de 90 confrontos e nunca sofreu derrota significativa. O motivo não era a tática de guerrilha, anunciada por Prestes. Como não combatia como o exército regular, preferia fustigar o inimigo e fugir a dar combate pesado ou quartel.

A Coluna Prestes percorreu quase três vezes a distância percorrida pelo comunista Mao Tsé-tung na mundialmente famosa Longa Marcha, realizada uma década mais tarde. A distância percorrida foi imensa, assim como as dificuldades e as controvérsias. Por onde passaram, os soldados roubaram cavalos, roupas e joias, extorquiram comerciantes, assaltaram as coletorias e libertaram presos. “Libertar o homem do interior do chefe político ou do coronel despótico, senhor de braço e cutelo, parecia-nos um grande passo para o progresso do país”, escreveu o pernambucano João Alberto.

A propaganda governista, no entanto, ajudou a disseminar a ideia de terror – favorecida pela própria tática adotada pelos rebeldes, que usava de emboscadas para amedrontar as tropas do governo, além de cometer uma série de atrocidades. Embora também tenham distribuído viveres para a população carente dos povoados, na maioria dos lugares quando a Coluna Prestes se aproximava, a população deixava suas casas em pânico.

Tropas do governo federal, milícias estaduais e grupos de cangaceiros particulares tentaram barrar a marcha, mas salvo alguns poucos mortos ou capturados, não obtiveram êxito. Apesar de não se renderem, a situação dos rebeldes era difícil e poucas foram às adesões. Apenas no Nordeste houve um número maior de alistamentos voluntários.

Ainda assim não chegaram a 500, a maioria no Piauí e no Ceará. Motivo pelo qual a Coluna Prestes nunca passou de pouco mais de 1,2 mil homens, a pé ou a cavalo. Enfrentar o interior brasileiro, através da mata virgem, da caatinga e do Pantanal, era pouco encorajador. Não havia serviço de ambulâncias nem aparelhos cirúrgicos, os medicamentos eram raros e os rebeldes conta vam com apenas um médico e um veterinário.

Do ponto de vista militar, foi feito extraordinário, mas no aspecto político foi um fracasso. Não derrubou os presidentes Arthur Bernardes e Washington Luís, tampouco conseguiu incluir qualquer de suas propostas e aspirações na pauta do governo.

Aliança Liberal 

Quando a marcha foi encerrada, Prestes se exilou na Bolívia, onde trabalhou em obras de saneamento e abertura de estradas. Ali, encontrou-se com Astrogildo Pereira, secretário-geral do Partido Comunista do Brasil, e com outros líderes comunistas, como Rodolfo Ghioldi e Abraham Guralski, dirigente da Internacional Comunista.

Enquanto isso, o presidente Washington Luís quebrava com a política do “Café com Leite” – o acordo entre os políticos mineiros e paulistas para a sucessão presidencial – indicando o governador de São Paulo Júlio Prestes e não o candidato mineiro, como seria de se esperar.

Traída, Minas Gerais se aliou ao Rio Grande do Sul e à Paraíba, formando a Aliança Liberal. Getúlio Vargas e João Pessoa seriam os candidatos de oposição a Júlio Prestes. Mas desde o início da campanha eleitoral, iniciada em 1929, os aliancistas sabiam que era muito pouco provável que obteriam a vitória nas urnas, já que o sistema eleitoral era controlado pelo governo. Seria necessário o uso de força militar.

Siqueira Campos e Luiz Carlos Prestes eram os nomes mais cotados para liderar um movimento armado contra Washington Luís. O capitão gaúcho agradava aos líderes civis e contava com a admiração de muitos militares, tinha prestígio popular, experiência
em conf litos armados, preparo e inteligência. Exilado em Buenos Aires, Prestes começou a negociar com a Aliança Liberal e chegou a receber 80 mil dólares de Vargas para compra de armamento.

O dinheiro, porém, seria destinado ao movimento comunista, de quem o capitão se aproximava. Sem sucesso, ele tentou convencer os antigos companheiros de Coluna Prestes, Siqueira Campos (que acabaria morrendo num acidente aéreo), Juarez Távora e Isidoro Dias, de que a Aliança Liberal seria uma simples troca de oligarquias no poder e não uma revolução social como o esperado e propagado. Isolado, Prestes lançou seu
Manifesto Comunista.

Quando a derrota aliancista foi confirmada nas urnas em 1930, os demais líderes tenentistas aderiram todos ao movimento que planejava levar Vargas ao Palácio do Catete, a sede do governo, por meios não democráticos. Quando João Pessoa, o vice de Vargas durante as eleições, foi assassinado em Recife, o crime passional serviu de
pretexto político.

Além de Isidoro Dias e Juarez Távora, Cordeiro de Farias, Miguel Costa e João Alberto também participaram da chamada “Revolução Liberal”, o movimento cívico-militar que derrubou Washington Luís em outubro de 1930 e impediu a posse do eleito Júlio Prestes.

Depois de anos de luta, a “hora do triunfo” havia chegado. Apoiado pelos “tenentes”, Vargas daria início à centralização do poder, o que acabaria culminando com um golpe de estado no próprio governo, a implementação do Estado Novo, em 1937. Neste ano, porém, muitos dos antigos líderes do movimento de 1922 já não apoiavam mais o caudilho gaúcho. O movimento tenentista acabou sendo consumido pelo próprio governo que ajudara a alcançar o poder.


Rodrigo Trespach é historiador e escritor, autor de Grandes Guerras e A Revolução de 1930 (HarperCollins Brasil, 2021 e 2022);

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