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Matérias / Personagem

Impedida de assistir o próprio filme: A triste saga de Hattie McDaniel

A trajetória de McDaniel foi marcada por segregacionismo e racismo em Hollywood

Giovanna de Matteo, sob supervisão de Thiago Lincolins Publicado em 12/11/2020, às 13h16 - Atualizado em 31/12/2021, às 12h00

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Hattie McDaniel em 1941 - Wikimedia Commons
Hattie McDaniel em 1941 - Wikimedia Commons

Hattie McDaniel fez história no cinema. Ela foi uma das atrizes de 'E o vento levou', um dos filmes mais conhecidos do mundo e que lhe rendeu um Oscar. Contudo, apesar de ser uma ótima atriz, de trabalho impecável, Hattie passou por diversas situações constrangedoras. Mesmo com a fama, não conseguiu se livrar dos diversos preconceitos que sofria em razão da sua cor de pele.

A atriz, apesar de estampar as telas do cinema, foi proibida de comparecer à estreia de seu filme, evento que foi exclusivo para celebridades brancas. Mais tarde, ela romperia barreiras ao se transformar na primeira mulher negra a receber um Oscar. Porém, outra restrição ganhou vida: durante a festa, ela foi proibida de se sentar na mesma mesa que seus colegas de elenco.

Era evidente que o ambiente da cerimônia estava segregado. Ela era a única celebridade negra em todo o evento, e as únicas pessoas de cor que encontrou por lá foram os funcionários. 

Lembrar da trajetória de Hattie McDaniel pode ser difícil e triste. Além de estar inserida em um círculo racista, ela também sofria rejeição de parte da população negra, que acreditava que seu personagem em 'E o vento levou' reforçava alguns estereótipos racistas, obviamente sugados por Hollywood.

A caminhada para a fama

Filha de escravos libertos, Hattie nasceu no Kansas, EUA, em 1893. Ela vinha de uma família grande e era a caçula entre seus 13 irmãos. Cresceu com embalos gospel e aprendendo os ensinamentos da igreja. Desde muito nova já era fascinada pela Arte. Assim, não demorou muito para começar a ajudar economicamente a família através de trabalhos com música e teatro. 

Ela percebeu que seu encanto era estar nos palcos, e lutou para que não caísse nas armadilhas de uma sociedade racista, que colocava o futuro de mulheres negras no caminho da servidão.

Junto com dois irmãos, ela formou um grupo de vaudeville que era, além de cômico, muito afrontoso. “Ela foi radical em muitos aspectos”, explica Jill Watts em seu livro Hattie McDaniel: Black Ambition, White Hollywood (ambição negra, Hollywood branca). De acordo com a biógrafa, ela “atuava com a cara pintada de branco, algo que nenhuma mulher fazia na época."

Contudo, seu grupo de espetáculos logo seria mais uma vítima da grande depressão de 1929. Com a crise, ela se mudou para Milwaukee, e chegando lá conseguiu um trabalho como faxineira, no entanto, não duraria muito no cargo.

Uma Hollywood segregada

Seu talento foi notado em Hollywood, no entanto, o mundo do entretenimento para artistas negros não era o mesmo sonho americano vivido pelos brancos.

Hattie foi surpreendida por um sistema de autorregulação dos estúdios chamado de 'código Hays', que consistia em restabelecer a "boa imagem de Hollywood". Para que essa imagem prosperasse os estúdios executaram diversas regras, entre elas estavam: a proibição de romances entre brancos e negros e a proibição de atores negros executarem papéis violentos nas tramas.

Com isso, atores não-brancos, por via de regra, só apareciam nos filmes como motoristas, garçons, figurantes e especialmente empregados, servos e escravos. Além disso, eles não recebiam os créditos.

A sociedade americana pós-escravagista estava sendo retratada nas telonas, e Hattie, apesar de ter escapado do emprego como faxineira, não conseguia fugir de interpretar essa mesma personagem em seus trabalhos artísticos.

A atriz apareceu em dezenas de filmes depois que o diretor John Ford se encantou com seu estilo de atuação. Assim, ela passou a dividir cena com algumas das celebridades mais badaladas de Hollywood, e aos poucos se tornou um rosto muito conhecido nos Estados Unidos.

Com uma imagem já estabelecida, David O. Selznick, produtor de 'E o vento levou', concedeu a McDaniel o papel de Mammy, uma criada. O papel foi um sucesso para a carreira da atriz.

Foto de 'E o vento levou' com McDaniel / Wikimedia commons

Mammy, apesar de ainda estar dentro do clichê de empregada, era uma personagem diferente, e chamou a atenção pela sua personalidade sarcástica e atrevida, que não tinha medo de se impor à sua patroa, Scarlett (interpretada por Vivien Leigh).

Foi então que em 15 de dezembro de 1939, cerca de 300.000 pessoas se reuniram para ver a estreia do filme no teatro Loew's Grand Theatre, em Atlanta. Foram três dias em que a cidade inteira parou para festejar glamurosamente: limusines na rua, recepções luxuosas, milhares de bandeiras dos confederados e até mesmo um baile à fantasia.

Só faltou uma coisa: Hattie McDaniel. A atriz que estrelava o filme foi impedida de participar do evento. Em estados do Sul, a lei segregacionista 'Jim Crow' ainda existia. De maneira absurda, a atriz não pôde participar do evento de seu próprio filme, já que negros eram proibidos de frequentarem espaços públicos.

Apesar do desprezo que sofreu, McDaniel declarou que adorou interpretar Mammy. Ao falar da personagem ao The Hollywood Reporter em 1947 ela disse: “Acho que a entendi porque minha própria avó trabalhava numa plantação não muito diferente de Tara.”

Quase um ano depois da estreia, em 29 de fevereiro de 1940, McDaniel fez história. Naquela noite, o público viu pela primeira vez uma mulher negra subir no palco do Oscar para receber um prêmio.

A filha de dois ex-escravos teve o prêmio entregue em suas mãos por um homem branco, enquanto vestia um vestido turquesa e exibia gardênias brancas em seu cabelo. Em seu discurso ela pronunciou lindas palavras: “Academia de Artes e Ciências Cinematográficas, membros da indústria cinematográfica e convidados de honra: este é um dos momentos mais felizes de minha vida, e quero agradecer cada um de vocês que me selecionaram a um dos seus prêmios por sua gentileza. Isso me fez sentir muito, muito humilde; e sempre o erguerei como um farol para qualquer coisa que eu possa fazer no futuro. Espero sinceramente ser sempre motivo de orgulho para a minha raça e para a indústria cinematográfica. Meu coração está pleno demais para lhes dizer como me sinto, e posso dizer obrigada e que Deus os abençoe.”

Depois de Hattie, levou-se mais de um quarto de século até que outra pessoa negra ganhasse um prêmio no Oscar, que foi concedido ao ator Sidney Poitier. Depois dele, apenas sete atrizes negras receberam em prêmios em 80 longos anos, foram elas: Whoopi Goldberg, Halle Berry, Viola Davis, Lupita, Jennifer Hudson, Octavia Spencer y Mo’nique.

McDaniel um ano antes da morte / Wikimedia Commons

No fim de sua carreira, McDaniel foi a primeira negra a protagonizar um programa de rádio. Infelizmente, pouco depois de assinar o contrato, ela morreu devido a um tumor de mama, em 26 de outubro de 1952, aos 57 anos.


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