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Matérias / Estados Unidos

Josiah Henson, o escravizado esquecido que ajudou a resgatar outros na mesma situação

Apesar de sua história ter servido de inspiração para criação de personagem em “A Cabana do Pai Tomás”, ainda hoje, Henson é esquecido nos livros de História

Fabio Previdelli Publicado em 03/03/2021, às 17h41

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O escravo Josiah Henson - Arquivo Público
O escravo Josiah Henson - Arquivo Público

Em 1852, Harriet Beecher Stowe debutava no mundo da literatura com o livro "Uncle Tom’s Cabin", conhecido no Brasil como "A Cabana do Pai Tomás". Na época, a obra fez um tremendo sucesso, esgotando sua tiragem inicial de 5 mil cópias em apenas 4 dias.  

Como mostra uma matéria publicada pelo The Guardian, naquela época, dizia-se que “todo mundo leu, estava lendo ou estava prestes a ler” o livro de Harriet. Para se ter uma ideia do fenômeno, em determinado momento, 17 impressoras ficaram funcionando 24 horas por dia para dar conta de toda a demanda.  

Quando completou um ano de sua publicação, o livro vendeu mais de 300.00 cópias apenas nos Estados Unidos — e outro milhão na Grã-Bretanha. 

A autora Harriet Beecher Stowe / Crédito: Wikimedia Commons

Entretanto, dois pontos chamam a atenção na obra de Stowe. O primeiro, conhecido por muitos, é que a narrativa gira em torno da Guerra Civil americana, onde destacam-se nomes como Frederick Douglass e Harriet Tubman. O outro ponto, mais desconhecido, é que o romance é baseado em uma história real, de um nome muito menos falado: o de Josiah Henson.  

Escravizado por mais de 40 anos, Henson foi um nome muito importante na luta contra a escravidão. Sabe-se que ele, um homem negro, resgatou mais de 118 escravos, incluindo seu próprio irmão.  

Além disso, também ajudou a construir um assentamento de homens livres para 500 pessoas, chamado Dawn — que ficou conhecido como uma das últimas paradas na Estrada de Ferro Subterrânea.  

Escravidão, punição e sofrimento 

Nascido por volta de 1789, perto de Port Tobacco, em Maryland, nos Estados Unidos, Josiah conviveu desde sempre com a escravidão contra seu povo. Tanto é que uma de suas primeiras memórias é a de seu pai sendo chicoteado.  

Conforme relata o The Guardian, o homem também teve sua orelha cortada antes de ser vendido. A punição foi dada por ele ter agredido um homem branco que tentava estuprar sua esposa. Como resposta, jamais foi visto por sua família novamente.  

O desencontro com sua mãe também foi outro ponto marcante em sua vida. Ainda jovem, Henson foi vendido a um traficante de crianças. Porém, por sorte, se é que podemos chamar assim, acabou adoecendo, e logo o traficante ofereceu o menino de volta ao dono de sua mãe, um ferreiro alcoólatra chamado Isaac Riley.  

O preço sugerido era impossível de ser recusado: caso o menino viesse a morrer, Isaac não pagaria nada. Caso Josiah sobrevivesse, ele deveria apenas algum trabalho de ferradura. O menino não apenas passou por tudo isso como, posteriormente, ocupou o cargo de superintendente da fazenda e homem de mercado de Riley na capital do país.  

Lá, conviveu com membros da alta classe americana, como advogados, empresários e até ministros metodistas. Inclusive, foi um deles que ensinou a pregar e o ajudou a arrecadar fundos para comprar sua liberdade.  

Josiah e sua esposa/ Crédito: Arquivo Público

Porém, tudo na sua vida que parecia ser fácil, era permeada por momentos de superação. Em certa ocasião, Isaac enganou Josiah, lhe pedindo para ir até Kentucky, onde se encontraria com o irmão de seu dono.  

Porém, a ideia de Amos era vendê-lo para o Sul, assim como foi com seu pai. Mas uma incrível reviravolta mudou tudo. Tudo começou quando Amos Jr., sobrinho de Riley, que havia sido encarregado de vender o escravo, contraiu malária. Ao invés de deixar o jovem morrer, ele o carregou até um navio a vapor que voltaria para o Norte.  

Liberdade? 

Em 1830, Henson fugiu de Kentucky junto a sua esposa e seus quatro filhos. Juntos, percorreram mais de 950 quilômetros a pé até a fronteira com o Canadá. Ao chegarem até o rio Niágara, um gentil capitão escocês, conforme conta Henson em sua autobiografia, perguntou se ele seria um bom homem em sua nova terra e pagou sua viagem até o país vizinho. “Sim”, respondeu Josiah, “vou usar bem minha liberdade”. 

E foi justamente isso que fez, ao invés de aproveitar de suas virtudes e construir uma vida confortável para ele e sua família, preferiu lutar por igualdade de oportunidades, além de abrigar amigos e familiares que eram ‘contrabandeados”. 

Além disso, construiu igrejas e teve que lutar para não ser preso por apoiar famílias que enviaram seus filhos para lutarem na Guerra Civil. Assim, embarcou em uma turnê de palestras que teve quase 100 paradas. Nelas, arrecadava fundos para sua causa, que era apoiada por filantropos cristãos britânicos e alguns americanos.  

Com o dinheiro, construiu um assentamento para refugiados afro-americanos e também arrecadou fundos para empresas sociais negras. Josiah, até mesmo, construiu uma escola sem segregação, algo inimaginável para um país que só superaria as leis Jim Crow quase um século depois, na década de 1960. 

Represália contra Harriet 

Após a publicação de seu livro, Stowe teve de enfrentar a rápida e violenta reação de autores, colunistas e críticos que, ao tentarem defender seus ideais românticos e cavalheirescos do Sul, contra um suposto ataque ianque, argumentaram que a obra da autora não passava de uma 'propaganda barata'.  

Como resposta, ela publicou “Uma Chave para a Cabana do Pai Tomás”, onde nomeia todas as pessoas reais que a inspiraram, como sr.Haley, George Harris, Eliza e Simon Legree.

Sobre o protagonista, ela escreveu: “O personagem de Pai Tomás foi objetado como improvável; e ainda assim, o leitor recebeu mais confirmações desse personagem, e de uma grande variedade de fontes, do que de qualquer outro no livro”.  

"Um último exemplo paralelo ao do Tomás pode ser encontrado nas memórias publicadas do venerável Josiah Henson ... agora pastor do assentamento missionário em Dawn, no Canadá”, completou.  

Fotografia de Abraham Lincoln / Crédito: Wikimedia Commons

Dentre todos os leitores de sua obra, havia um cuja influência falava mais alto: Abraham Lincoln. De acordo com os registros de circulação da Biblioteca do Congresso, Lincoln pegou emprestado “A Chave para a Cabana do Pai Tomás” em 16 de junho de 1862 e o devolveu 43 dias depois, em 29 de julho.  

As datas correspondem exatamente à época em que ele redigiu a Proclamação de Emancipação. Apesar de não ser possível afirmar até que ponto o livro influenciou as escolhas de Lincoln, seria ingenuidade não dizer que ele tinha a história em mente durante esse momento importante.  

A obra também desempenhou um papel importante em sua eleição, já que o Partido Republicano distribuiu 100.000 cópias durante a campanha presidencial, como se fosse forma de fomentar o apoio antiescravagista.  

Sem a imprensa abolicionista e o livro de Harriet, é possível que Abraham Lincoln não tivesse reunido apoio suficiente para se tornar o 16º presidente da história americana. “Se não houvesse a cabana do Pai Tomás, não haveria Lincoln na Casa Branca”, declarou o senador republicano Charles Summer, segundo relembra o The Guardian.  

O esquecimento por virtudes racistas 

Apesar de sua importância, a história de Henson passou a ser ‘descaracterizada’ ao passar dos anos. Se naquela época ser nomeado como o “verdadeiro Pai Tomás” foi um marco importante, com o passar do tempo o nome “Pai Tomás” ganhou um significado depreciativo, “devido à sua bastardização nas mãos dos dramaturgos racistas do século 19 e início do século 20”, explica a matéria do portal britânico.  

“O homem que se sacrificou para conquistar a liberdade para os outros foi transformado em um escravo subserviente e covarde que busca favores do homem branco”, completa. 


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