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Matérias / Personagem

Madame Tussaud: A história por trás do império da cera

Há 173 anos, morria a filha da França revolucionária. Ela construiu um império econômico moldando estátuas hiper-realistas

Carlo Cauti, arquivo Aventuras na História Publicado em 16/04/2019, às 13h45

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Madame Tussaud, de cera, admira a cabeça do amigo Benjamin Franklin - Getty Images
Madame Tussaud, de cera, admira a cabeça do amigo Benjamin Franklin - Getty Images

As filas para entrar nos museus Madame Tussaud’s são sempre longas. Turistas do mundo todo querem admirar as reproduções famosas de cera em tamanho natural da Rainha Elizabeth II, de GandhiAdolf Hitler ou Winston Churchill. O que pouca gente sabe, entretanto, é que Madame Marie Tussaud realmente existiu e, quando morreu, aos 90 anos de idade na sua casa de Baker Street, em Londres, era uma das mulheres mais ricas de seu tempo.

A estátua de Adolf Hitler / Reprodução

Fundou um império econômico iniciado com um pequeno museu de cera aberto em Londres no século XVIII. “Ela foi uma mulher extraordinária, pelos seus feitos e pela época em que viveu. Um exemplo que vale até os dias de hoje”, diz à AH Pamela Pilbeam, professora emérita de História Francesa na Universidade de Londres e autora do livro Madame Tussaud and the History of Waxworks. É fascinante imaginar que o período e o lugar em que Marie Grosholtz (o nome Tussaud era do marido) viveu durante a primeira metade da sua existência era a França da Revolução de 1789 e do Terror.

O encontro

Há pouco registro sobre os primeiros anos de vida de Marie. A fonte principal é seu livro de memórias, Madame Tussaud Memoirs and Reminiscences of France, Forming an Abridged History of the French Revolution, escrito pelo artista Francis Hervé, um amigo da família, e publicado quando ela tinha 71 anos. 

Na obra, que parece ter sido ditada pela própria biografada, Marie conta que veio de uma antiga e nobre família alsaciana. Entretanto, na realidade suas origens foram modestas, com uma vida muito dura. Ela nasceu em Estrasburgo, na França, em 1761, e não conheceu o pai, um soldado alemão que morreu dois meses antes de seu nascimento.

As Famosas oficinas dos museus não param nunca de produzir / Getty Images

Para sustentar a família, sua mãe, Anne Marie, se mudou para Berna, na Suíça, e se tornou governanta de um rico médico da cidade, o doutor Philippe Curtius, particularmente habilidoso em modelar cera, na época material muito utilizado por médicos, para reproduzir partes do corpo humano para estudo. Curtius investiu em algo diferente: moldar cabeças e bustos de habitantes da cidade e de pessoas famosas na época. Com suas criações, abriu um pequeno museu em casa. Foi um inesperado sucesso. Em uma época onde não existia fotografia, a imprensa era primitiva e as pinturas muito caras, essa era a única oportunidade que as pessoas tinham de “conhecer” personagens famosas.

Os habitantes de Berna faziam fila e começaram a pagar para ver a pequena exposição de maravilhas. A coleção ficou famosa pela Europa, atraindo visitantes de outras regiões, e logo chamou a atenção do príncipe francês Louis François de Bourbon, que convidou o médico a se mudar para Paris para continuar a praticar sua arte. Assim, em 1765, Curtius deixou Berna e se instalou na Rua Saint-Honoré, numa das áreas mais elegantes da cidade, com duas assistentes: Marie e Anne Marie.

Estátuas “vivas”

Na Paris vivaz e mundana dos últimos anos do Ancien Régime, as coleções de cera já eram conhecidas. Mas em geral as esculturas se limitavam a representar cenas alegóricas, de fantasia, ou reproduziam histórias da literatura clássica. As obras de Curtius retratavam nobres, militares, cientistas, filósofos e personagens famosos da época, em tamanho natural. Suas estátuas vestiam roupas de verdade, algumas das quais pertencentes aos próprios personagens representados, o que gerava grande interesse na alta sociedade parisiense.

Estátua de cera do jogador Pelé /  Reprodução

A primeira exposição de Curtius em Paris foi inaugurada em 1770, e foi sucesso de público. Uma das obras representava Madame Du Barry, a amante preferida de Luís XV, uma bela loira adormecida cuja estátua ainda hoje pode ser admirada no Madame Tussaud’s de Londres. Por causa do enorme número de visitantes, em 1776 a exposição foi transferida para o Palais Royal, e, seis anos depois, graças ao sucesso crescente, Curtius abriu uma nova exposição em Boulevard du Temple, um dos locais mais chiques da cidade.

Marie estava sempre ao lado do médico, que não somente lhe ensinou perfeitamente a arte de criar estátuas de cera como lhe apresentou muitos intelectuais e aristocratas daquele tempo, seus amigos. Aos 17 anos Marie moldou sua primeira estátua de cera, retratando o filósofo iluminista Jean-Jacques Rousseau, seguida pouco depois pelas estátuas do também filósofo Voltaire e de Benjamin Franklin, então emissário dos Estados Unidos na França. Todos os personagens ela conhecera pessoalmente.

Mentira ou marketing?

Marie passou a ser reconhecida pela sua habilidade com a cera, e em 1780, aos 20 anos, foi admitida na corte de Versailles, onde ensinou arte para a princesa Elizabeth, irmã mais nova do futuro rei Luís XVI. “As estátuas de Marie eram diferentes. Ela empregava um toque feminino, de beleza, de verossimilhança às suas criações. Algo inédito na época, que deixava as estátuas mais belas e mais reais. Esse foi um dos segredos de seu sucesso”, conta a professora Pilbeam.

O piloto Ayrton Senna /  Reprodução

Em suas memórias, Marie diz ter vivido na corte francesa por oito anos e que era íntima de uma garota gentil e muito religiosa – que morreria na guilhotina alguns anos depois. Marie teria dormido no quarto ao lado do da princesa, jantado muitas vezes com ela e participado das conversações que ela tinha com o rei. Entretanto, essa imagem de “mulher nobre” próxima da família real francesa não parece totalmente verdadeira. Marie afirma também ter sido amiga íntima de Madame Campane, primeira camareira de Maria Antonieta.

Porém, em documentos oficiais da época, não há menção ao seu nome entre os funcionários da equipe permanente de Versailles. Para alguns historiadores, Madame Tussaud não mentiu sobre sua permanência na corte, mas pode ter exagerado um pouco, pois seu papel era secundário, se limitando a dar algumas aulas em um período relativamente curto. Segundo especialistas, essa história teria sido forjada anos depois, após a abertura do seu museu em Londres, numa jogada de marketing para atrair visitantes.

Relações perigosas

A guilhotina esteve muito próxima de Marie durante o período da Revolução e do Terror. Após 1789, ela foi obrigada pelos revolucionários a modelar cabeças de vítimas ilustres, muitas conhecidas por ela e por Curtius. Marie recolhia as cabeças dos mortos em seu avental, levava-as para casa e as reproduzia. As cabeças de cera eram colocadas em lanças na Place de la Concorde, para que o povo visse o fim dos opressores.

O cuidado diário na limpeza da cabeça de Stalin Reprodução

Entre seus modelos ilustres estava a jovem e linda princesa Maria Luísa de Lamballe, linchada pela multidão em um dos famosos massacres da Revolução, e reproduções fiéis da cabeça de Luís XVI, Robespierre e Maria Antonieta. Mas não teria sido ela a obter a cabeça destes três executados, mas Curtius, que as conseguiu ilegalmente após um pequeno pagamento ao carrasco Sanson.

Jean-Paul Marat e sua assassina, Charlotte Corday, também estiveram depois de mortos entre seus modelos. A Assembleia Nacional francesa ordenou que Marie criasse uma simulação em cera da cena do homicídio para que o pintor Jacques-Luis David pintasse seu famoso quadro A Morte de Marat.

Estátua da atriz Marlene Dietrich / Reprodução

De inocente diversão para todas as classes sociais, pela qual podia admirar a vida dos nobres e seguir as mudanças de moda, penteados e roupas da rainha, a partir de 1789 seu trabalho tomou uma nova dimensão, tornando-se algo parecido com a imprensa da época. Muitas imagens associadas aos dramáticos eventos da Revolução Francesa, muitos rostos, muitos detalhes derivam das estátuas criadas por Madame Tussaud.

A volta

Curtius morreu em 1794, deixando de herança a Marie sua preciosa coleção de estátuas de cera. No ano seguinte ela se casou com o francês François Tussaud e teve dois filhos. Ao se separar, Marie saiu da França rumo à Inglaterra. Era o fim de um período perigoso e o início de uma rentável epopeia. Logo ao chegar às Ilhas Britânicas ela provou seu espírito empreendedor: organizou um tour de exposições, um museu itinerante, viajando para Escócia, Irlanda, Inglaterra e País de Gales.

Numa das viagens sobreviveu a um naufrágio do barco em que estava, mas perdeu muitas estátuas. Depois de reconstruir seu acervo, continuou a rodar o Reino Unido, durante cerca de 30 anos, e sua exposição se tornou a maior atração do país. Somente em 1835, com 74 anos de idade, Marie decidiu encerrar a vida nômade. Mas não a carreira. Ela abriu com os filhos o primeiro museu permanente de cera em Londres, localizado na esquina das ruas Baker Street e Portman Square.

A aviadora Amelia Earhart  / Reprodução

Outro sucesso de público, que atraiu até a presença assídua do Duque de Wellington – que provavelmente ia para admirar sua estátua perto de Napoleão e da rainha Vitória. Em pouco tempo recebia convites para abrir filiais do museu em cidades como Sydney, Nova York e Amsterdã. Foi o começo da franquia de sucesso que continua até hoje transmitindo emoções aos visitantes.

“No século XIX era comum uma mulher tocar um negócio sozinha. Geralmente eram viúvas que assumiam a empresa do marido defunto, como pequenas lojas ou tabernas. Entretanto, Madame Tussaud criou um império econômico sozinha, em um país que não era o dela, cuja língua não dominava e sem a ajuda de nenhum homem”, afirma a professora Pilbeam. Evidentemente o instinto pelos negócios e o espírito inovador eram fortes ali.

A mulher de negócios visionária Marie Tussaud morreu em 1850, mas seu museu londrino continua em plena atividade após 184 anos da abertura. Muitas das 400 estátuas originais foram destruídas num incêndio em 1925 e pelos bombardeios nazistas da Segunda Guerra Mundial em 1941. Dos trabalhos originais feitos por Marie há somente duas estátuas: a de Robespierre e a dela própria, quando tinha mais de 80 anos de idade. Uma estátua que até hoje dá boas-vindas aos visitantes do seu museu.