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Matérias / Coluna

Mary Del Priore: Os primeiros passos da educação sexual

O assunto gera polêmica ainda hoje, mas, há 100 anos, já havia aulas e livros de instrução para jovens

Redação Publicado em 13/12/2018, às 13h00

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Métodos contraceptivos - Getty Images
Métodos contraceptivos - Getty Images

Até as primeiras décadas do século 20, sexo era um segredo. A sexualidade individual era vivida em silêncio e culpa. Por isso, crescia entre os médicos a conscientização sobre a necessidade de educação sexual entre os jovens. Os anos 1930 foram o cenário para os primeiros trabalhos sobre o tema. Como funcionariam os casamentos de forma saudável se as jovens continuassem educadas “para nada saber” e os rapazes indo ao bordel?

Explicando tudo direitinho, mas treinando a castidade. Fundamental era que eles não contraíssem moléstias venéreas e elas aprendessem mais sobre a maternidade. Na Europa, as escolas laicas e as associações de médicos entraram na campanha. A primeira preocupação era lutar contra abortos e doenças venéreas, e não liberar a sexualidade. Mas as diretrizes eram conservadoras.

A máxima era: “a vida sexual normal” como sinônimo de “amor, união, paternidade, maternidade e família”. As obras tinham edições diferentes para os diferentes gêneros.

As meninas só podiam ter acesso aos livros estando para casar ou depois dos 18 anos. Neles, os desenhos dos órgãos genitais masculinos e a referência à polução noturna ou à masturbação desaparecia ou ficava reduzida a uma linha. No caso dos rapazes, os assuntos eram amplamente explorados. Para elas, acenava-se com os riscos da gravidez pré-nupcial. Para eles, cuidados nas doenças sexualmente transmissíveis. Explicações para as relações sexuais eram vagas: quando chegasse a hora, ou seja, depois de casados, os dois parceiros tinham que estar deitados, o marido deveria mostrar-se paciente, e a esposa, “verdadeira guardiã do amor”, controlar “seu nojo”. Os órgãos sexuais tinham que atingir “certa simultaneidade” e “a natureza faria o resto”. Havia quem se chocasse e jogasse o livro fora sem ler.

A repressão era forte e a ênfase no pudor, uma obsessão. “A nossa educação está errada. Todo o domínio sexual está envolto em um mistério que não é natural, entre véus de excessivo pudor”, dizia um manual intitulado Leitura Reservada, em 1913. Congressos e trabalhos científicos sobre a importância dos anos “púberes” cresciam, preocupados em impor à família “uma reação doméstica coletiva, para combater o despudor”.

O assunto era tão sério que deveria passar por uma política de Estado, segundo o jurista José Gabriel de Lemos Brito: “A puberdade acarreta para os jovens de ambos os sexos perigos não só de ordem física mas ainda de ordem moral, cumprindo ao Estado preservá-los o mais possível de tais perigos. A revelação dos segredos da procriação deve ser feita de modo elevado e, paulatinamente, aos menores, sendo o silêncio até hoje adotado no caso prejudicial. (...)” 

Martelava-se que era preciso envergonhar-se diante das coisas de natureza sexual. Na época, o que mais preocupava era a difusão do nu. Fotografia, cinema e imprensa encontraram um nicho de mercado na venda de material pornográfico.

“Por tudo isso o nu e as expressões obscenas não devem ser empregados na educação sexual.” O artístico ou o científico, sim. “Esses nada têm de imoral. O primeiro prende a atenção para a harmonia das formas, o seu dispositivo, o capricho da natureza, e habilidade do artista. O segundo desperta as noções de ciência, o desvendar dos segredos da criação.”

Em 1935, Sebastião Mascarenhas Barroso lançava Educação Sexual, Guia para os Pais e Professores, o Que Precisam Saber, Como Devem Ensinar. O sumário do livro explicava os “intuitos” necessários e úteis: higiene e resguardo dos órgãos sexuais. Para evitar “atos errôneos e inconvenientes à saúde e à moral”, até 12 anos. Para preparar sem surpresas nem desmandos para a puberdade. Dos 12 aos 18 anos, para evitar ao rapaz e à rapariga vícios e aberrações da genitalidade. Para precaver-se contra doenças venéreas.

Para observar as “regras da eugenia na união dos procriadores”. E, finalmente, para que os velhos se conformassem com a perda da genitalidade. Quem passaria e quando tais noções? Logo que a criança começasse a fazer perguntas aos pais, eles mesmos. “Sempre em tom de conversa, nunca com ares de lição.” Menos ainda dando ares de mistério, mas sempre mostrando a importância do assunto. Na ausência dos pais, a tarefa cabia aos professores.

Para tal, no primário ou no ginásio, os alunos passavam por uma bateria de testes de higiene. Seus órgãos genitais podiam ser examinados em “gabinete reservado”. “Uma ou outra vez, no recreio, no meio de uma lição, a um pretexto qualquer, será abordada a questão dos sexos de modo rudimentar”, explicava o manual. Alunos mais velhos tinham direito a palestra com médico escolar: prevenção de doenças era o bordão. Das meninas com mais de 18 anos se encarregavam as professoras ou as “guardiãs da saúde”.

No ensino secundário e no colégio normal, o assunto ficava a cargo de professores de história natural e higiene. Nos internatos, mereciam a maior atenção vícios e anormalidades sexuais – “masturbação, pederastia etc”. “Na universidade, nos clubs, nos desportos” a anotação vinha assim: “Cabem aqui conferências em que o assunto seja tratado com a maior amplitude, com projeções luminosas, fitas cinematográficas e todos os meios de prender a atenção e impressionar a imaginação”. Para os jovens, até os anos 1940, sexo era sinônimo de higiene. Não era pouca coisa conseguir romper seus tabus e segredos.


Por Mary Del Priore

Doutora em história social com pós-doutorado na École des Hautes Études en Sciences Sociales, vencedora do Prêmio Jabuti e autora de Histórias Íntimas – Sexualidade e Erotismo na História do Brasil.