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Matérias / Coluna

As pessoas comiam sobremesa no Brasil Colônia?

Na Coluna de Mary Del Priore, descubra as origens do prato que não pode ficar depois de um bom almoço

Mary Del Priore Publicado em 11/07/2020, às 08h00

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Uma grande mesa repleta de sobremesas - Imagem de Pexels por Pixabay
Uma grande mesa repleta de sobremesas - Imagem de Pexels por Pixabay

Sim, já existia: “Sobre-mesa: a fruta ou o doce, que depois da carne ou do peixe se põe no fim da mesa”, explicava o dicionarista Bluteau. Nem podia ser diferente, na terra do açúcar. Na Europa, o ingrediente já tinha passado de droga ou remédio para a mesa de nobres, sempre recomendado como um facilitador da digestão.

Com ele se faziam pudins, doces e molhos que acompanhavam a carne de caça. Os próprios animais caçados, javalis ou faisões, por exemplo, recebiam o glacê capaz de permitir a sua apresentação como se estivessem vivos, sobre as bandejas.

Ou, ainda, viravam recheio de pastéis, passados no açúcar e na canela, como se vê na Arte da Cozinha Útil e Necessária a Todos Que Regem ou Governam Casa, da pena de Domingos Rodrigues, publicado em 1680.

Nessa obra, já se vê o ainda conhecido “manjar real em tigelas coroadas”, os “ovos brancos” ou “moles”, os “sonhos passados em açúcar e graxa” sempre apresentados como penúltimo ou último prato, servidos antes dos “doces frios” e das frutas.

Do seu lado, os conventos portugueses aumentavam seus proventos graças à confecção de bolos, compotas, licores e outros regalos à base de muitos ovos e açúcar. Desde o reinado de Afonso IV, de 1325 a 1357, até 1834, quando as ordens religiosas foram dissolvidas, a doçaria conventual trazia nomes e aromas dignos de registro.

Havia os confessionais: bolinhos de amor, esquecidos, melindres, paciências, raivas, sonhos, beijos, suspiros, caladinhos, saudades. Os que traziam a marca da vida religiosa: beijos de freira, triunfos de freira, fatias de freira, creme da abadessa, toucinho do céu, cabelos da Virgem, papo de anjo, celestes.

E tinha ainda os satíricos: barriga de freira, orelhas de abade, sopapos, casadinhos, velhotes. Ou os cerimoniais: manjar-real, marqueses, morados, bolo-rei etc.

Herança mourisca quando feitos com mel na forma de alfenim, alféola, pinhoada ou bolo de mel, muitas das receitas incentivaram bem guardados segredos de cozinha.

O Caderno de Receitas da sóror Maria Leocádia, abadessa do convento de Santa Clara de Évora, datado de 26 de outubro de 1729, é um exemplo.

Ele revelava informações que eram proibidas a estranhos: “Este livro não se entregará a outrem que não seja pessoa desta casa, nem por cedência, nem por empréstimo por afetar os proveitos da feitura dos doces que nesta casa são feitos” – advertia o manuscrito.

As broas de milho de Santa Clara, os queijinhos do céu, os pastelinhos de nata ou as fatias de Santa Clara revelam não só a criatividade das reclusas mas também a multiplicidade de apetrechos usados na doçaria: tachos, púcaros, carretilhas, colheres de recheio, formas de vários feitios, batedeiras de bacia, colheres e escumadeiras de madeira ou cobre, tábuas, cestinhas adornadas com papel recortado para a apresentação dos doces, covilhetes de barro onde eram acondicionados.

“Fartes” ou “fartem da Beira” era o nome dado a um determinado tipo de bolo feito em casa ou vendido por confeiteiros que tinham, até 1755, em Lisboa, uma rua dedicada somente a eles. Um amigo do escritor Luís de Camões, Fernão Rodrigues Lobo Soropita, deixou dos deliciosos e inesquecíveis fartes as suas impressões. Eles continham amêndoas, canela e cravo, além de pão ralado.

Foram também oferecidos por Pedro Álvares Cabral aos tupiniquins, em Porto Seguro. Segundo Câmara Cascudo foi o primeiro doce-bolo vindo da metrópole e consumido na colônia. Inúmeras receitas nasceram de sua fórmula clássica do bolo batido com ovos, manteiga, farinha de trigo e o finíssimo açúcar.

Muitos outros bolos tinham nomes de fantasia ou pilhéria: “bolo busca-marido”, “orelhas de burro”, “come e cala”, “engorda-marido”, “beijo de estudante”, “brevidade”, “bolo de beata”. Em alquimia com o leite de coco, o milho, frutas e o amendoim, outros tantos bolos dominaram muitas combinações de sobremesa.

A mesa de doces era comum nas varandas nobres, nas festas religiosas, e os rapazes elegantes costumavam levar rebuçados – um tipo de caramelo que podia ou não conter ovos – nos bolsos, para oferecer às senhoras. O saber-fazer da Ilha da Madeira circulava entre os amantes de doçaria.

De lá vinham conservas de doces em que entravam especiarias vindas de longe: cravo das Molucas, noz-moscada de Banda, pimenta e gengibre de Malabar, canela do Ceilão e açúcar do Brasil.

Diz Câmara Cascudo que o bolo possuía função social indispensável na vida portuguesa, representando a solidariedade entre as pessoas. Figuravam sempre em noivados, casamentos, aniversários, visitas de parida, convalescença, enfermidade ou condolências. Ele significava oferta, lembrança, prêmio, homenagem. O doce, diz ele, “visitava, fazia amizades, carpia e festejava”.


Por Mary Del Priore - Doutora em história social com pós-doutorado na École des Hautes Études en Sciences Sociales, vencedora do Prêmio Jabuti e autora de Histórias Íntimas - Sexualidade e Erotismo na História do Brasil.


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