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Matérias / Noite dos Cristais

Noite dos Cristais: A mulher que sobreviveu ao ponto de partida do Holocausto, há 85 anos

Em 2020, Margot Bina Rotstein relembrou ao Aventuras os momentos de terror daquele 9 de novembro de 1938: "Foi a noite mais terrível que vivi"

Fabio Previdelli

por Fabio Previdelli

fprevidelli_colab@caras.com.br

Publicado em 07/11/2020, às 00h00 - Atualizado em 09/11/2023, às 10h36

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Margot Bina Rotstein em imagem pessoal - Arquivo pessoal/Margot Bina Rotstein
Margot Bina Rotstein em imagem pessoal - Arquivo pessoal/Margot Bina Rotstein

Após o assassinato de Ernst vom Rath, um secretário de legação, o discurso inflado de Joseph Goebbels, ministro de Propaganda do Partido Nazista, incentivou a represália de unidades da Sturmabteilung — organização paramilitar que funcionava como uma espécie de milícia —, que iniciaram o linchamento em massa contra judeus.  

Com o desejo insaciável por sangue e brutalidade, os agentes nazistas destruíram 7.500 lojas durante o episódio que ficou conhecido como Kristallnacht, ou A Noite dos Cristais Quebrados, que completa exatos 85 anos neste dia 9 de novembro.

Sinagogas sofreram ataques, judeus tiveram suas casas invadidas e até mesmo lápides foram profanadas. O caos estava instaurado pelas ruas da Alemanha. Aquele 9 de novembro de 1938, ficaria marcado para sempre na história da Segunda Guerra

A partir daquele momento, a perseguição aos judeus se tornava cada vez maior. Muitos conseguiram fugir do país, no entanto, os que ficaram enfrentaram os terríveis guetos, onde viveram em condições miseráveis. Posteriormente, muitos foram enviados aos Campos de Concentração. Ao todo, cerca de 6 milhões de judeus morreram durante todo o conflito.  

Noite dos Cristais: fachada de loja depredada por agentes nazistas/ Crédito: German Federal Archives

Os que conseguiram escapar carregam até hoje cicatrizes nas memórias de tudo que presenciaram. É o caso de Margot Bina Rotstein, sobrevivente da Segunda Guerra que presenciou a Noite dos Cristais — que em 2020 esteve em São Paulo, onde participou de uma live no Colégio Humboldt

Em entrevista ao site Aventuras na História na época, ela relata os momentos que passou ao lado de seus pais, Leon e Elza. "Foi a noite mais terrível que vivi. Eu lembro que nos preparávamos para dormir quando escutamos um estrondo tremendo. Um barulho absurdo na rua. Foi quando vimos labaredas, bombas estourando. Um cenário tétrico".  

O caos

Em primeiro momento, Margot lembra que não tinha noção de tudo o que estava acontecendo ao seu redor. "Depois de um tempo, soubemos que eles [nazistas] estavam atacando todas as casas de judeus, as sinagogas, tudo que se relacionava com os judeus, eles estavam queimando". 

Filha de um polonês com uma alemã, Rotstein nasceu e foi criada em um bairro de classe média em Berlim. De sua infância, ela diz lembrar pouco, a não ser de todo preconceito que sofreu.

"Foi uma humilhação. Nas escolas, sempre éramos chamados de judeus [com um tom mais pejorativo]. Até que chegou uma hora em que fomos proibidos de entrar na escola. Eu era pequena, me lembro, tinha sete anos, quando cheguei um dia na escola, quando cheguei lá, meus pais escutaram 'judeu não pode entrar'."

A exclusão fez com que os judeus se aproximassem, de certa forma, todos lutando por um único objetivo: sobreviver. "Houve um relacionamento muito bom entre os judeus. Afinal, estávamos todos no mesmo barco".  

A perseguição começa

Em determinado momento, os judeus começaram a ser separados por nacionalidade, onde muitos seriam mortos, outros seriam enviados aos guetos. Com a caçada aos poloneses, seu pai logo se tornaria um alvo.  

"Lembro que veio uma amiga da minha mãe naquela época e disse assim: 'Elza, manda teu marido embora que estão atrás dos poloneses. Já pegaram meu marido e o seu pode ser o próximo'", relembra. "Eu considero esse gesto muito honroso, pois hoje não sei se alguém faria isso: perder o marido e se preocupar com a vida dos outros".   

Assim, Leon decidiu sair de casa, passando a se abrigar na casa da tia de Margot. Porém, ele quase acabou sendo capturado, escapando por mera obra do destino. Um momento de sorte.

"Com isso, meu pai decidiu que ia sair de casa. Só que quando ele estava na porta do prédio, deu de cara com oficiais da Gestapo. Mas eles não sabiam que aquele rapaz era meu pai. Só sabiam o nome e o endereço onde morava, mas não conheciam seu rosto. Com isso, ele conseguiu driblar a Gestapo e saiu. Foi até minha tia".  

Oficiais da Gestapo, que também eram parte das SS / Crédito: Domínio Público

Só que, no dia seguinte, os agentes voltaram e reviraram tudo que se possa imaginar. Mas eles não encontraram Leon. "Eu lembro que a Gestapo chegou em minha porta e disse: 'o senhor Leon está?'. Minha mãe disse que não. Ela teve a habilidade de confundi-los com as palavras, dizendo: 'Eu não sei onde ele está, faz tempo que não vejo. Há muitas noites ele não volta para casa'."   

A Fuga

O pai de Margot tinha visto para o Brasil, Bolívia e o Paraguai. Assim, às pressas, eles separaram todos os pertences que conseguiram e foram até a estação de trem.

De lá, iriam para Marselha, na França. Só que, antes de partirem, tiveram que se desfazer de todas suas coisas. "Ficamos apenas com as roupas do corpo e alguns trocados. Eu me lembro que tinha uma boneca e ela também foi embora. 'Não podemos levar nada', me disseram". 

As tropas do Führer na Segunda Guerra / Crédito: Divulgação/Centro Simon Wiesenthal

Da Europa, eles pegaram um navio até a América do Sul. Depois de muito tempo no mar, os judeus chegaram no Brasil. "Só que aqui não foi permitido a entrada de judeus. Aí, precisamos viajar pelo Chile até chegar na Bolívia. Um país paupérrimo, mas foi o único que acolheu os judeus. Eu tiro o chapéu para eles". 

Margot lembra que, no começo, a adaptação foi difícil. "Tivemos que nos acostumar com os costumes deles". Com o tempo, eles foram se habituando e passaram a viver normalmente por lá. Apesar de receberam um aporte financeiro de um fundo para refugiados, seu pai logo arranjou um emprego para dar melhores condições a sua família.  

A relação dela com o Brasil só começou em 1947, quando mudou para cá. "Agora eu sou brasileira também, me naturalizei, jurei a bandeira. Eu gosto muito daqui".  

O retorno 

Em 1994, Margot Bina Rotstein foi convidada pela prefeitura de Berlim para revisitar o país onde nasceu. Era uma maneira de ter uma nova memória do lugar que tanto lhe marcou quando criança.

Eu fiz uma viagem maravilhosa, eles me receberam muito bem, foram muito atenciosos. Eu fui convidada para uma sessão na prefeitura, o prefeito me recebeu. Foi tudo muito bonito". 

Apesar de tudo o que viveu e sofreu, ela diz que não guarda nenhum ressentimento do povo alemão. "Contra o povo alemão eu não sinto nada. Mas a lembrança de Hitler, o principal, aquilo não sai da memória. Mas contra os alemães, eu não tenho nenhum ressentimento. Agora, ainda mais, já é outra geração, então tudo passou". 

Margot Bina Rotstein / Crédito: Arquivo Pessoal

Agora, Margot luta para que a memória do que passou jamais seja apagada. "É uma fase do mundo muito cruel e que não pode ser esquecida. Isso não pode morrer, tem que ser lembrado sempre".  

"Embora muito insistam em dizer que nunca aconteceu, isso realmente existiu, porque eu presenciei. Eu sofri boa parte, não sofri nos guetos. Lembro dos trens. As pessoas iguais animais. Uma coisa horrível", diz.  

"Hitler foi um maníaco. Ele tinha isso planejado. Tudo o que ele fez foi uma coisa perfeita. Como nos guetos, apesar de eu nunca ter entrado em um. Mas tudo isso foi organizado, uma pessoa entrar na fila para morrer, para separar pais e filhos. Isso é diabólico. Foi tudo muito bem organizado", finalizou.