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Matérias / Curiosidades

Nas ruínas de um gulag: Norilsk tem noite que dura meses e rio que ficou vermelho

Cidade russa enfrenta um frio extremo e uma poluição maior ainda, mesmo assim, o local — que já foi de um campo de trabalhos forçados de Stalin — abriga 180 mil habitantes

Fabio Previdelli | @fabioprevidelli_ Publicado em 14/05/2022, às 00h00

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Foto do blood river, em Norilsk - Divulgação/Twitter/@Reevellp
Foto do blood river, em Norilsk - Divulgação/Twitter/@Reevellp

Situada acima do Círculo Polar Ártico, Norilsk é uma das cidades setentrionais mais habitadas do mundo. Além de sua enorme riqueza de metais, a região é conhecida por suas bizarras peculiaridades: por lá, entre novembro e fevereiro, por exemplo, a noite toma conta das 24 horas diárias. 

Além do mais, Norilsk chega a ser tão frio que os ventos podem te matar. Isso sem contar a extrema poluição que fez com que a água de um rio ficasse vermelha. Para completar, a cidade foi construída sobre as ruínas de um campo de trabalhos forçados de Josef Stalin.

Apesar de tudo isso, cerca de 180.000 pessoas moram por lá, sendo que muitas jamais pensaram em abandoná-la.

Uma região de climas extremos

Localizada a cerca de 400 quilômetros ao norte do Cìrculo Polar Ártico, ao longo do rio Yenisei, Norilsk é a segunda maior cidade do Ártico, ficando atrás apenas de Murmansk — embora esta não esteja tão ao norte assim. 

O porto de Norilsk/ Crédito: Getty Images

Como se pode imaginar, seu clima é extremo. Em janeiro, a temperatura média é de cerca de 26ºC negativos. Mas isso não chega aos pés do inverno, quando esse número pode baixar para - 55ºC. Já em julho, o período mais quente do ano, os termômetros marcam até 15ºC.

Por lá, o frio é tão cruel que os trabalhadores simplesmente morreriam se passassem muito tempo esperando em pontos de ônibus.  Desta forma, a empresa estatal Norilsk Nickel, hoje conhecida como Nornickel, teve que transformar paradas públicas em sólidas edificações com calefação, portas e janelas, conforme aponta matéria publicada pelo Terra. 

As residências de Norilsk também são todas adaptadas. Conforme relata matéria publicada pelo R7, as casas podem ter apenas duas janelas, visto que um número maior dissiparia tanto o calor dentro de um imóvel que seria praticamente impossível não passar frio. 

Residências em Norilsk/ Crédito: Getty Images

Além do mais, todos os prédios possuem um formato mais quadradão e são todos bem colados uns nos outros, para impedir com que fortes ventos árticos atinjam os transeuntes que se deslocam pela cidade. 

A rica Norilsk

Apesar de toda adversidade, Norilsk continua sendo uma cidade que chama a atenção de diversos russos. Afinal, ela possui a maior riqueza de metais do mundo — estima-se que dois bilhões de toneladas de minérios estejam distribuídos pelas minas da cidade. 

Lá, inclusive, é o local com a maior fonte de paládio do mundo (o metal é usado em eletrônicos, na fabricação de catalisadores e também na produção de equipamento de uso militar, aeroespacial e civil). O níquel também é encontrado em abundância pela região. Isso sem falar de todo o cobre enterrado sob a neve. 

Uma fábrica em Norilsk/ Crédito: Getty Images

Já citada, a empresa estatal Norilsk Nickel controla todos esses locais de exploração. Aliás, a Nornickel é o principal motor de Norilsk, empregando cerca de 80.000 trabalhadores. A companhia oferece salários e benefícios mais altos do que empresas do mesmo ramo de outras partes do país. 

Fundada por prisioneiros

Embora a cidade tenha sido colonizada na década de 1920, ela foi fundada oficialmente em 1935, pelo líder soviético Josef Stalin. Por lá, o ex-primeiro-ministro da União Soviética estabeleceu um sistema de campos de trabalhos forçados, os chamados gulags

Este gulag foi chamado Norillag e continha muitos indesejáveis ​​políticos. Entre 1935 e 1953, estima-se que 650.000 prisioneiros foram enviados para lá. Apesar das condições extremas de trabalho, os prisioneiros chegavam a trabalhar 14 horas por dia.

Por dentro de uma mineradora em Norilsk/ Crédito: Getty Images

Desta forma, alguns deles ficavam tão desesperados que chegavam a cortas as próprias mãos para não poderem mais trabalhar, aponta o All That Interesting. Mas tudo mudou com a morte de Stalin, em 1953.

Três anos depois, os campos foram completamente fechados. Mesmo assim, cerca de 250 mil prisioneiros morreram por lá — sendo que muitos restos mortais são encontrados durante o período de degelo durante o verão. 

O cotidiano 

Por conta das baixas temperaturas, a maioria das pessoas realizam suas atividades todas em casa — com exceção do trabalho. Mas isso não significa que Norilsk seja uma cidade completamente deserta. 

Afinal, se por um lado a cidade vive um bom período apenas à noite, entre junho e julho há apenas o dia. E é justamente neste período que pessoas se juntam para o tradicional Walrus Swimming — quando praticam mergulho pelos lagos polares e rios da cidade. 

Crrianças se divertindo em lago de Norilsk/ Crédito: Getty Images

Mesmo assim, não há como negar que Norilsk seja um local isolado. Os próprios moradores acham isso. Conforme repercute o Terra, eles se referem à sua cidade como uma “ilha”, sendo o resto da Rússia o “continente”. O que ajuda a justificar essa visão, por exemplo, é que apenas em 2017 um serviço de internet que realmente funciona foi implantado por lá.

Isso faz com que muitos moradores que acabam viajando para outras cidades da Rússia, questionem se realmente voltarão, como mostra uma matéria do The New York Times. "Eu realmente não quero voltar e estou pronto para dar qualquer coisa para que eu não tenha que voar", declarou um morador de 30 anos. 

Uma visão de Norilsk/ Crédito: Getty Images

Em contrapartida, há aqueles que realmente se orgulham de sua capacidade de prosperar em um lugar tão extremo. 

A enorme poluição

Na mesma medida que a mineração pode proporcionar uma enorme riqueza, ela também pode ser responsável por grandes problemas ecológicos. Norilsk é considerada uma das cidades mais poluídas do mundo; sendo que grande parte de seus residentes morre por problemas respiratórios — mais do que em qualquer outro lugar do país, aponta o NY Times.

As emissões dos gases poluentes, aliás, foi responsável por ‘matar’ uma área de árvores maior do que o estado norte-americano de Rhode Island. Já em 2016, o derramamento das usinas de níquel no rio Daldykan deixou suas águas vermelhas. 

Poluição em Norilsk/ Crédito: Getty Images

No entanto, Nornickel tomou medidas para limpar seu ato. No mesmo ano, ela fechou sua antiga fundição de 1942, que era a pior emissora de dióxido de enxofre — o que fez que, em 2019, as emissões do gás fossem reduzidas em 200.000 toneladas; mas a companhia continua sendo a pior poluidora de dióxido de enxofre por três vezes mais que as emissões do segundo colocado, uma usina de carvão em Kriel que emite 714.000 toneladas.

Desta forma, a empresa planeja gastar cerca de US$ 3,5 bilhões (cerca de R$17 bi)  para ajudar a modernizar a mina e limpar as emissões de gases poluentes. 

De fato, a cidade não tem escolha, já que está se tornando vítima das mudanças climáticas causadas por sua própria poluição. Afinal, como ela fica sobre o permafrost, o derretimento dessa camada poderia fazer a cidade desaparecer.