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Matérias / Brasil

Primeiro cancelamento do Brasil: A saga de Wilson Simonal durante a ditadura

Uma abordagem abusiva resultou em horas de tortura — posteriormente atribuídas ao cantor, causando uma mancha na carreira

Vanessa Centamori Publicado em 31/12/2020, às 07h00

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Wilson Simonal durante show televisionado em 1976 - Divulgação / YouTube / TV Tupi
Wilson Simonal durante show televisionado em 1976 - Divulgação / YouTube / TV Tupi

Com uma presença de palco inigualável durante a década de 1960, Wilson Simonal se tornou um dos cantores brasileiros de maior projeção no cenário nacional. Com o apoio popular nos festivais, marcou época ao transformar uma plateia de 30 mil pessoas no Maracanãzinho em membros do seu coro, ensinando "Meu Limão, Meu Limoeiro" durante uma apresentação.

Contudo, o início da década de 1970 foi marcado por uma virada de imagem do cantor; toda a fama por água abaixo e, no lugar do sucesso, sobrou apenas o ostracismo. Tudo começou em 1971, quando o nome Wilson Simonal chegou às manchetes dos jornais de forma negativa. Na ocasião, ele foi acusado de sequestro por um dos seus ex-contadores. 

Wilson Simonal e seu sósia, em 1969 / Crédito: Domínio Público

Impasses financeiros 

Meses antes da inesquecível acusação, a empresa do astro, a Simonal Produções Artísticas, estava fazendo um balanço anual, em setembro de 1970. Pelo volume de contas não pagas, Simonal desconfiou que alguma coisa estava errada e ordenou que seu funcionário, Ruy Brizolla, investigasse a situação.

No dia 24 de setembro, Brizolla chamou um amigo seu de São Paulo, Raphael Viviani, que passou a ajudar nas finanças da empresa. Viviani logo percebeu que a situação estava péssima. Gastos lançados na conta da Simonal Produções tinham relação com os amigos do cantor, que faziam saques diretamente da conta da empresa. 

Elizeth Cardoso e Wilson Simonal, 1966 / Crédito: Domínio Público 

Para combater essa situação e ter mais dinheiro, o astro da música decidiu renegociar o contrato que havia assinado com a Rede Globo para participar do Festival Internacional da Canção de 1970. No entanto, durante uma discussão, os dois diretores do canal se negaram a rever os contratos.

O cantor ficou contrariado e passou a criticar a Rede Globo publicamente. Assim, a emissora de televisão decidiu retirar Wilson Simonal de toda a sua grade de programas.

"Aquilo caiu como uma bomba na imprensa. Simonal só se enrolava: em entrevistas, disse que só não cantava no festival porque ninguém da Globo o havia convidado, que a emissora havia prejudicado os planos da Shell e que tudo havia começado com uma discussão pública com Chacrinha sobre o direito dos artistas de receber cachê por aparição televisiva. Não deu outra: Simonal não só foi limado do Festival Internacional da Canção da condição de jurado e de artista como foi vetado de todo programa de qualquer empresa das Organizações Globo, 'como qualquer outro profissional que não cumpre contrato', segundo Boni'", explica o livro "Nem vem que não tem: A vida e o veneno de Wilson Simonal", por Ricardo Alexandre. 

Com tudo dando errado, Simonal começou a desmontar a estrutura da Simonal Produções. Ele suspeitava de todos seus funcionários e rompeu com Brizolla e Viviani. O contador foi demitido em maio de 1971, sob a justificativa de incompetência profissional.

O cantor Wilson Simonal / Crédito: Wikimedia Commons 

Escândalo 

Raphael Viviani entrou com uma ação trabalhista contra Simonal. Como o cantor acreditava que o contador havia cometido desfalques na Simonal Produções, para resolver a questão de uma vez por todas, a estrela da música foi acusada de recorrer à ajuda de policiais que eram agentes do DOPS (Departamento de Ordem Política e Social). 

Os agentes do órgão de repressão da ditadura teriam feito parte de uma história inventada, que estava em uma declaração assinada por Wilson Simonal. No documento, o cantor dizia que estava sendo ameaçado via telefone pelo seu ex-contador, Viviani.

Tortura e sequestro

Dirigindo o próprio Opala do cantor — gentilmente cedido para prosseguir a investigação — os policiais Hugo Corrêa de Mattos e Sérgio Andrade Guedes foram até a casa de Viviani e o pediram que confessasse o desfalque com o cantor. O ex-contador negou qualquer atitude desviante e foi levado para a sede do DOPS, onde foi torturado por várias horas. 

Após receber ameaças contra a sua família, Viviani assinou uma declaração confessando supostas irregularidades. Enquanto isso, quando se passava quase 20 horas do desaparecimento do ex-contador, a esposa do homem prestou queixa de sequestro, contando que os dois homens do DOPS foram até sua casa, a pedido de Simonal

O homem sequestrado foi encontrado e passou por um exame de corpo de delito. Foi confirmado que ele sofreu tortura e Wilson Simonal foi obrigado a depor. Em resposta, ele reforçou os fatos da declaração que havia assinado. 

Wilson Simonal em 1972 / Crédito: Wikimedia Commons 

Quando o inquérito policial foi finalizado, em 21 de julho de 1972, Wilson Simonal foi acusado de extorsão mediante sequestro. Em 11 de novembro de 1974, o cantor foi condenado e preso — mas passou apenas nove dias na cadeia até que os três desembargadores da 3ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro concedessem um habeas corpus para soltá-lo.

Dois anos depois, em 03 de julho de 1976, Simonal e outros dois policiais acusados tiveram o crime reclassificado. Em vez da acusação ser extorsão mediante sequestro, ela foi alterada para constrangimento ilegal. A pena caiu então de cinco anos e quatro meses para somente seis meses. No fim do ano, o astro da música, já estava livre do encarceramento. 

Carreira destruída

A acusação de extorsão mediante sequestro levou a carreira de Simonal ladeira abaixo. Ele passou a ser considerado uma persona non grata nas telinhas. Foi sendo esquecido pela mídia e pelos antigos fãs brasileiros. 

Após o episódio envolvendo seu ex-contador, Simonal foi sempre considerado um informante do SNI (Serviço Nacional de Informações). Daí foi um pulo para que ele passasse a ser acusado de entregar diversos colegas da classe artística para os militares.

Os shows do cantor não eram mais anunciados, nem seus discos comentados. Ninguém o entrevistava. Ele morreu aos 62 anos de idade, vítima de cirrose hepática, em 25 de junho do ano 2000, quando ainda reclamava do esquecimento a que foi condenado.

O ator Fabrício Oliveira revivndo o músico Wilson Simonal, no filme Simonal / Crédito: Divulgação 

A reputação póstuma de Simonal tentou ser melhorada pelos filhos do músico, Wilson Simoninha e Max de Castro, que colaboraram em duas biografias, um musical e um documentário sobre o pai. Em 2019, foi lançado o filme Simonal, cinebiografia que foca no talento do músico e não em sua relação com o DOPS. 

Dirigida por Leonardo Domingues, a obra cinematográfica defende que o racismo piorou as reações acerca do sequestro de Raphael Viviani. Também afirma que é "fake news" os boatos que circularam depois do episódio, sobre os quais o cantor teria denunciado seus colegas músicos aos militares.