Busca
Facebook Aventuras na HistóriaTwitter Aventuras na HistóriaInstagram Aventuras na HistóriaYoutube Aventuras na HistóriaTiktok Aventuras na HistóriaSpotify Aventuras na História
Matérias / Arqueologia

O cão de Muge: Essa é a face de um cachorro de 7.500 anos

Um dos esqueletos caninos quase completos mais antigos encontrados em Portugal, o animal finalmente ganha rosto inédito por equipe multidisciplinar

Isabela Barreiros Publicado em 22/05/2022, às 08h00

WhatsAppFacebookTwitterFlipboardGmail
Reconstrução facial do cão de Muge - Cícero Moraes
Reconstrução facial do cão de Muge - Cícero Moraes

Quando o esqueleto quase completo de um cão foi descoberto dentro de um cemitério humano extremamente antigo no Vale do Tejo, em Portugal, nos anos 1880, a comunidade científica estava ocupada demais pensando na idade dos restos mortais das pessoas encontradas ali para dar-lhe a devida atenção.

Escavado a uma profundidade de quase quatro metros em meio a 110 esqueletos humanos, o fóssil do cachorro acabou ficando esquecido, como grande parte dos restos faunísticos arqueológicos encontrados na época, quando o foco das campanhas de escavação era entender a antiguidade do próprio homem — e menos a de seus animais.

Foi apenas 120 anos depois que os restos mortais do cão de Muge, como foi chamado pelos cientistas, foi redescoberto dentro de uma gaveta em um armário do Museu Geológico de Lisboa. A partir disso, os pesquisadores C. Detry e J.L Cardoso desenvolveram, em 2010, o primeiro e extenso estudo odontométrico e osteométrico sobre o animal.

A datação por radiocarbono entre 7.680 e 7.450 anos foi a primeira dentre muitas outras pesquisas sobre o espécime que começaram a surgir, revelando dados importantes sobre um dos esqueletos caninos quase completos mais antigos encontrados em território português, considerado a 16ª maravilha do museu onde foi reidentificado.

Crânio do cão de Muge / Crédito: Vídeo/Cícero Moraes

Incentivada pelos estudos anteriores, uma equipe de especialistas utilizou uma abordagem multidisciplinar para criar a reconstrução facial do cão de Muge, apresentando uma aproximação de como ele pode ter sido no passado. Os resultados foram publicados na revista científica de acesso aberto Applied Sciences.

Uma combinação de osteometria zooarqueológica, datação direta por radiocarbono, imagens de raios X e tomografia computadorizada, além de técnicas e arte assistidas por computador, permitiu que o designer 3D Cícero Moraes pudesse dar vida a essas informações muitas vezes enigmáticas, resultando na imagem de um cão que viveu há mais de 7.500 anos.

Melhor amigo primitivo do homem 

O processo da reconstrução facial e o produto final / Crédito: Cícero Moraes

Restos mortais de cães que remontam ao Paleolítico tardio raramente são encontrados, ressaltam os cientistas no estudo. Por isso, um dos destaques do esqueleto do cachorro, um animal mesolítico, está relacionado à sua antiguidade, além do fato de ele estar quase completo e ter um contexto de sepultamento interessante para posteriores análises.

“O esqueleto do cão estava muito bem preservado, provavelmente significando que foi enterrado por humanos com cuidado, o que é interpretado como um forte vínculo emocional entre humanos e seus cães”, aponta a pesquisa.

O cão de Muge provavelmente era um cachorro adulto de tamanho médio, que morreu entre os dois e seis anos, e tinha uma altura de ombros aproximada entre 48,5 e 51 centímetros. Cientistas liderados por Ana Elisabete Pires, do Centro de Arqueologia da Universidade de Lisboa (UNIARQ), ainda tentaram extrair e sequenciar o DNA do animal.

Foi possível apenas determinar o clado, ou ramo, do qual o cão fazia parte — o clado C, dominante durante o período Mesolítico em outras partes da Europa. No entanto “outras tentativas de extrair e sequenciar o DNA nuclear para determinar seu sexo biológico ou cor da pelagem continuam sem sucesso”.

Reconstruindo sua face

A face do cão de Muge / Crédito: Cícero Moraes

Para o estudo, o crânio, encontrado há mais de 140 anos no Vale do Tejo, foi submetido a uma tomografia computadorizada na Faculdade de Medicina Veterinária da Universidade de Lisboa. Alguns dos ossos do animal foram deformados devido às condições do sepultamento, o que exigiu o uso de uma tomografia de um doador virtual para ser usado como referência e fornecer os fragmentos ósseis ausentes no esqueleto.

Os cientistas destacam que “a reconstrução deve ser vista apenas como uma aproximação”. Mas, apesar disso, “o retrato do cão de Muge permite um maior reconhecimento deste achado arqueológico verdadeiramente importante”, pois, “até onde sabemos, esta é a primeira tentativa de reconstrução digital do rosto de um cão primitivo que viveu cerca de 7.600 anos atrás”.

Veja aqui um vídeo do processo da reconstrução facial

Para chegar a este resultado, a equipe tentou reduzir ao mínimo o grau de subjetividade que poderia atribuído à aparência do cão, obtida por meio de técnicas multidisciplinares a partir de seu crânio, “restringindo-o à reconstrução da pelagem e a algum grau de pigmentação”.

Eles afirmam que conseguiram “reafirmar a importância deste espécime arqueológico e fornecer uma reconstrução facial tridimensional deste cão antigo, sem as implicações potenciais [sociais, legais, religiosas] de identificação errônea, como pode acontecer com humanos”, além de possibilitar um “vínculo mais profundo com o nosso passado”.

“A arqueologia e o patrimônio precisam ser mais compreensíveis para o público em geral para serem mais valorizados e apoiados. A reconstrução de animais de estimação antigos pode auxiliar nesse propósito. Sendo animais e, em particular, animais de estimação, induzem mais empatia e, portanto, atraem mais atenção”, apontam.

+ Assista ao curta-metragem "O Cão de Muge - Um Amigo Pré-Histórico", descrevendo o estudo multidisciplinar sobre o animal. Segundo os cientistas, a produção foi feita "em um esforço para divulgar essa importante descoberta tanto para o público científico quanto para o público em geral".