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Matérias / Libertadores da América

Quando Eurico Miranda bateu de frente com Pablo Escobar em jogo da Libertadores

Dirigente do Vasco da Gama enfrentou líder do narcotráfico colombiano em busca de defender os interesses do Vasco da Gama; relembre!

Fabio Previdelli

por Fabio Previdelli

fprevidelli_colab@caras.com.br

Publicado em 12/12/2021, às 00h00 - Atualizado em 04/04/2023, às 15h34

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Eurico Miranda ex-presidente do Vasco da Gama e Pablo Escobar - Getty Images, Wikimedia Commons e reprodução
Eurico Miranda ex-presidente do Vasco da Gama e Pablo Escobar - Getty Images, Wikimedia Commons e reprodução

A 64ª Edição da Taça Libertadores da América começa para valer na noite desta terça-feira, 4, quando serão disputados os primeiros jogos da fase de grupos. Ao todo, sete brasileiros estão em busca da 'Glória Eterna': Flamengo, Palmeiras, Internacional, Atlético Mineiro, Corinthians,Fluminense e Athletico Paranaense. 

A história dos clubes brasileiros com o maior torneio do continente vai muito além dos 23 títulos já conquistados pelas equipes nacionais. Na Libertadores de 1990, por exemplo, Vasco da Gama e Atlético Nacional (Colômbia) se enfrentaram pelas quartas de final da competição.

A partida, no entanto, ficou marcada por ameaças, suborno à equipe de arbitragem e até mesmo ao folclórico Eurico Miranda peitando as ambições de Pablo Escobar.

O confronto

No dia 22 de agosto, o cruzmaltino não fez valer o apoio da torcida que lotou o Maracanã e não saiu do 0x0 com o time colombiano. Assim, a vaga seria decidida na semana seguinte, na cidade de Medellín.

O Atlético venceu o jogo por 2x0, mas o resultado acabou sendo impugnado. O motivo? 

No dia da partida, estávamos tomando café da manhã no hotel e apareceram três senhores e disseram que queriam arbitragem imparcial, que o povo colombiano precisava de uma vitória. E aí nos ofereceram dinheiro”, relembrou o assistente Otello Roberto ao Globo Esporte.

O trio de arbitragem ainda contava com o juiz Juan Cardelino e o segundo bandeira José Martinez. Segundo os relatos da época, homens tentaram subornar o trio. Porém, a proposta não foi aceita.

O ato, no entanto, chegou aos ouvidos de Eurico Miranda, vice-presidente do Gigante da Colina na época, que forçou a Conmebol e fez com que o jogo fosse anulado (o que será explicado mais abaixo).

Cartel Futebol Clube

O Cartel de Medellín, comandado por Pablo Escobar, viveu seu auge entre as décadas de 1980 e 1990. Com o tráfico de cocaína para os Estados Unidos a todo vapor, o grupo chegou a arrecadar cerca de 30 bilhões de dólares por ano

Pablo, por sua vez, usou seu dinheiro para se tornar mais poderoso pela Colômbia e o futebol foi um desses meios. Neste mesmo período, o Atlético Nacional passou a brilhar em competições continentais.

Em 1989, por exemplo, a equipe conquistou sua primeira Libertadores da América — Los Verdolagas também foram campeões na edição de 2016.

Uma suposta ligação de Pablito com o futebol, porém, foi desmentida pelo filho de Escobar, Juan Pablo Henao, em entrevista ao G1. Além disso, segundo ele, o pai torcia para o rival, o Independiente de Medellín

Independente disso, é fato que, um ano antes do jogo entre Vasco e Atlético, o árbitro Álvaro Ortega foi assassinado em Medellín. Sua execução foi ligada a apostadores e membros do tráfico. 

Ele havia participado do jogo entre Independiente de Medellín e o América de Cali, que tinha ligações com os irmãos Orejuela, rivais de Pablo. O crime, inclusive, fez com que o campeonato colombiano fosse cancelado. 

Não foram poucos os árbitros que tiveram revólver na cara. Nenhum árbitro gostava de apitar na Colômbia, as federações não deixavam”, recorda o ex-árbitro brasileiro Renato Marsiglia.

"Não era novidade que o narcotráfico colombiano comandava o Nacional e o América de Cali. E tinha muita coisa de aposta. A gente ouvia falar em reuniões com árbitros colombianos. O primeiro lateral valia US$ 100, o primeiro amarelo, US$ 500. Se o pênalti valia US$ 10 mil, imagina o resultado do jogo? E esse dinheiro vinha do narcotráfico. A relação era essa", prossegue. 

Às vésperas do confronto 

Com todo esse pano de fundo, era de se esperar que o jogo do Vasco pudesse ser permeado de problemas. Por conta disso, Eurico Miranda decidiu se prevenir e tratou de levar três advogados para acompanhar a delegação até a Colômbia — segundo o GE, normalmente, apenas um profissional se fazia presente nas viagens, mas Eurico sabia que alguma coisa poderia acontecer. 

Zagallo como técnico do Vasco/ Crédito: Arquivos de Alexandre Mesquita via NET Vasco

Os 'imprevistos' começaram logo no desembarque, quando o meia Tita e o técnico Zagallo tiveram problemas com o visto para entrar no país. O Velho Lobo, aliás, chegou a ser ameaçado de prisão no aeroporto de Medellín. Já no dia anterior ao jogo, o vice-presidente jurídico do Vasco, Paulo Reis, se recorda de outro fato um tanto quanto curioso:  

Na véspera do jogo à noite, depois do jantar, sentei com Tato e mais dois jogadores para bater papo no salão nobre do hotel. Chegou um casal, uma loira lindíssima, o cara sentou entre nós e começou a puxar assunto. Chegou uma hora em que disse: ‘Olha, eu tenho uma festa no meu terraço, estejam à vontade’. Ele abriu uma nota, não lembro se era de dólar, o que era, mas botou pó nela. ‘Vocês são nossos convidados’. E isso tudo com policiamento enorme ali no nosso hotel." 

O bandeirinha Otello Roberto diz que tem apenas ciência do que houve com ele ou com os outros árbitros. "Disseram que eram uma ordem [aceitar o dinheiro]. Nós não aceitamos. E assim nos disseram que, se entendessem que fôssemos mal ou que beneficiassem o Vasco da Gama, haveria represália. Eles nos disseram: ‘Está perfeito, entendam como queiram’".

À época, segundo o GE, jornais brasileiros repercutiram supostas frases de Eurico Miranda, que afirmou que a proposta ao trio de arbitragem foi feita por homens encapuzados. Eles teriam sido ameaçados por telefone e até mesmo um suposto sequestro-relâmpago teria ocorrido, embora não existam registros disso. 

Em campo, a arbitragem foi vista como parcial, sempre favorecendo o time colombiano. De acordo com O Globo, o vestiário do estádio "parecia um corredor da guerra do Golfo Pérsico, com cerca de 20 guardas armados de metralhadora".

No fim, o jogo acabou 2x0 para o Nacional de Medellín. Mas o confronto não terminou por aí. 

Eurico contra todos

Após o jogo na Colômbia, Eurico Brandão, filho de Eurico Miranda, lembra que o pai foi até o Paraguai, na sede da Conmebol, para tentar a anulação da partida. "Meu pai vivia repetindo ‘a gente vai anular o jogo’. Pois o juiz foi ameaçado, a equipe foi ameaçada. Tinha policiais armados dentro do vestiário".

O julgamento demorou mais de um dia para ter seu veredito. Além da suspensão do resultado, os dirigentes do Gigante da Colina conseguiram remarcar o jogo. Vasco e Nacional voltariam a se enfrentar em 13 de setembro, desta vez no estádio Santa Laura, no Chile. 

A reunião foi uma discussão violenta entre os dirigentes do Nacional de Medellín e o Eurico. Eurico quase bateu neles. Ele não era fácil também", relembra Hildo Nejar, ex-dirigente da Conmebol. 

Por fim, no terceiro duelo entre os times, a equipe comandada por Zagallo acabou sofrendo um novo revés, desta vez por 1x0. Los Verdolagas acabaram enfrentando o Olímpia, do Paraguai, na fase seguinte, uma reedição da final continental do ano anterior. 

O mando do Nacional foi levado para Santiago, visto que a Colômbia foi proibida de sediar jogos de torneios sul-americanos por 12 meses por conta do ocorrido. Os paraguaios avançaram e se sagraram campeões ao bater o Barcelona de Guayaquil na final.

A Eurico Miranda restou a mística de ter batido de frente com as ambições do narcotráfico e sobrevivido para contar a história. O dirigente, que se tornou presidente do Vasco da Gama anos mais tarde, faleceu em 12 de março de 2019, aos 74 anos, vítima de câncer no cérebro.