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Matérias / Brasil

O desastre por trás do milagre econômico durante a ditadura militar brasileira

No período, o Brasil teve, durante cinco anos, o maior superávit do PIB em sua história. No entanto, as consequências desse projeto foram devastadoras

André Nogueira Publicado em 03/12/2019, às 08h39

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Inauguração da Ponte Rio-Niteroi - Arquivo Nacional
Inauguração da Ponte Rio-Niteroi - Arquivo Nacional

O Milagre Econômico foi um período da Ditadura Militar marcado, ao mesmo tempo, pelos anos de chumbo e pelos maiores índices de crescimento econômico da história do país. Principal artifício da propaganda do regime, o boom econômico da administração do ministro Delfim Netto foi, por cinco anos, um obstáculo para a oposição. No entanto, as consequências desse período seriam drásticas para a economia do país depois do sumiço da poeira milagrosa.

O Brasil estava quebrado quando os militares tomaram o poder. "O governo militar, quando assume em 1964, enfrenta um período de bastante desorganização da economia, com desequilíbrio fiscal, inflação alta e desemprego. Havia um desgaste muito grande do modelo econômico anterior, com o fracasso do Plano Trienal (para retomar o crescimento econômico). Eles conseguiram modernizar a economia, mas isso teve um alto preço, que acabou sendo pago após a redemocratização, como hiperfinflação e dívida externa estratosférica", diz Vinicius Müller (professor de história econômica na Insper), à BBC News Brasil.

O crescimento acelerado das contas brasileiras nesse período não são fruto de nenhum milagre inexplicável. Com um projeto nacional de modernização a qualquer custo, e sem se importar com os trâmites legais do programa (afinal, era uma ditadura), o “milagre” foi fruto do planejamento do Ministério da Fazenda, tendo como principais eixos a expansão do crédito, o investimento na centralidade do Estado, o incentivo às grandes empresas privadas ligadas aos poderosos, entre outros quesitos.

Delfim Netto, maior nome do "Milagre" / Crédito: Wikimedia Commons

Para lidar com a crise deixada pelos governos anteriores, Castelo Branco implementou o Programa de Ação Econômica do Governo, que focou na reorganização fiscal e tributária, com um rigoroso ajuste nas contas públicas e corte de gastos. A carga tributária aumentou e, assim, a arrecadação do Estado também.

Também foi criado o Banco Central, que passou a coordenar as operações nacionais de crédito e financiamento. Isso reorganizou o sistema financeiro com maior velocidade que, por exemplo, o projeto de J. Goulart para isso (que precisou de aprovação do Congresso, de regulação oficial por diversas instituições, e, por isso, não foi pra frente).

Nascem com isso o Fundo de Garantia (FGTS) e o Sistema Financeiro de Habitação, que levaram à poupança compulsória por parte dos contribuintes e à centralidade das operações de crédito, além da criação de empregos. Isso se somou às obras faraônicas do Regime, como Itaipú e a ponte Rio-Niterói.

"Os militares alcançaram resultados bem positivos do ponto de vista econômico na primeira metade do regime: conseguiram controlar a inflação (em um primeiro momento), aumentaram a produtividade da economia, modernizaram a máquina pública e o parque industrial.", disse à BBC Guilherme Grandi, professor da FEA-USP. O crescimento anual médio do PIB do país, a partir de 1968, foi de 10%, índice nunca antes atingido.

Um dos principais artifícios do governo era a propaganda do Milagre / Crédito: Governo do Brasil

Ao mesmo tempo, índices como endividamento e inadimplência também aumentaram, acompanhando o bizarro crescimento do crédito a setor privado, que subiu aproximadamente 340%. Todo esse processo não ocorreu sem graves consequências sociais: houve o claro aumento na estatística do analfabetismo, da mortalidade infantil, da desnutrição e outros fatores socioeconômicos.

“Nesse período, o Brasil se tornou o recordista mundial em volume de acidentes de trabalho”, explicou Ana Beatriz Ribeiro Barros Silva à revista Mundos do Trabalho em 2015. Foi consequência do projeto econômico, que tinha como grande sintoma a grave concentração de renda na mão de poucos, que passou a ser 0,63 no Índice de Gini, e a negligência em relação aos direitos trabalhistas. 

O crescimento econômico brasileiro tinha como bases o crédito e o consumo, enquanto a sociedade era completamente controlada pelas ferramentas da repressão do governo, que chegaram ao seu limite com o AI-5. Naquela época, liberdade “traduzia-se no direito de comprar, vender e acumular símbolos de bem-estar social”, afirma Anna C. Figueiredo em seu artigo "Liberdade é uma calça velha, azul e desbotada". Essa equação teve consequências drásticas que afligem o país até hoje.

Além da concentração de renda, ficou claro o enfraquecimento dos sindicatos nesse período. A economia se tornou refém do crédito e do preço baixo dos produtos de importação (por isso, com a crise do petróleo, a euforia do regime deixou de ser milagrosa). Além disso, não havia qualquer rede de proteção ao trabalhador.

Médici, o presidente principal da época do Milagre / Crédito: Wikimedia Commons

É o que afirmou Pedro Ferreira Souza, da UnB, à BBC: ”O governo arranjou um motivo político para acabar com a estabilidade e criou um mecanismo de poupança forçada para subsidiar empréstimos para financiar setores escolhidos. Ficou mais barato para as empresas demitirem”. 

O milagre deixou de surtir efeito a partir dos anos 1970. No ano seguinte, houve um crash na bolsa de valores nacional, com o aumento das participações e com uma crise especulativa sem precedentes. Em 1974, então, dá-se o golpe final na economia brasileira: com a crise do petróleo fomentada pela Guerra do Yon Kippur, o Brasil, despreparado e sem investimento na estrutura industrial, aumentou a importação de maneira desregulada.

Os juros cresceram, acompanhados da inflação. O sistema de créditos colapsou, os produtos internos aumentaram de preço e a dívida externa atingiu o recorde de 90 bilhões de dólares.

Aqueles que não chegaram a ter os benefícios do "milagre" mantiveram-se na linha da pobreza, enquanto o resto da população foi assolada pela inflação e recessão, que desencadeou uma onda de desemprego e travou a economia até as reformas dos anos 1990, já na redemocratização.

O débito econômico do Milagre da Ditadura é complexo de balancear, mas é possível ter uma noção básica. É curioso que, se pegarmos e compararmos os períodos entre 1946 e 1964, e entre 1964 e 1985, considerando os momentos de recessão, o crescimento do PIB é praticamente o mesmo. Porém, se os restringirmos ao período entre 1968 e 1973, nunca crescemos tanto em nossa História. Mas essa grande altura levou a uma dramática queda.


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