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Matérias / Hellfire Club

Obscenidade e deboche a religião: O Hellfire Club do século 18

Apresentado na quarta temporada de Stranger Things, o Hellfire Club da vida real era bem mais sórdido do clubinho de Hawkins

Fabio Previdelli Publicado em 17/07/2022, às 13h44

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Cena da 4ª temporada de Stranger Things - Divulgação/ Netflix
Cena da 4ª temporada de Stranger Things - Divulgação/ Netflix

A parte final da quarta temporada de Stranger Things chegou à Netflix no início do mês. Como toda a série, este penúltimo ano da produção também é cheio de referências aos anos 1980, principalmente ao jogo de RPG Dungeon & Dragons

Entretanto, agora, somos inseridos não só a novos personagens como também ao Hellfire Club (Clube do Fogo do Inferno, em tradução livre); o clube dos jogadores de D&D da escola secundária de Hawkins; formado, principalmente, pelos estudantes “não populares” do colégio. 

Na trama, o clube acaba perseguido pelos moradores da pequena cidade, que pensam que seus integrantes fazem parte de um “culto maligno” responsável pelos assassinatos que, na verdade, são cometidos por Vecna. 

Cena da 4ª temporada de Stranger Things/ Crédito: Divulgação/ Netflix

Apesar de ser um dos pontos centrais da história, poucos sabem que o Hellfire Club realmente existiu, e foi muito antes dos anos 1980. O clube original possui raízes no século 18. Entenda!

Hellfire Club

A história do Hellfire Club começa em 1718, quando o clube é fundado por Phillip, duque de Wharton. À época, conforme explica um artigo de Esmé Louise James, doutora em filosofia pela Universidade de Melbourne, na Austrália, e publicado no The Conversation, o grupo fazia uma paródia de uma tendência da época: os clubes de cavalheiros em Londres. 

Ao contrário dos originais, o Hellfire Club admitia tanto homens quanto mulheres entre seus membros. Mas engana-se quem pensa que a principal atividade de seus membros era discutir poesia ou política, o clube servia para zombar da religião e de suas hipocrisias. 

Isso era ainda mais personificado na figura de seu líder, chamado de “O Diabo”. Além do mais, seus membros eram incentivados a irem vestidos como personagens bíblicos. Todos eles participavam de cerimônias religiosas satíricas; como a realização de diversas refeições festivais em conjunto, como a Torta do Espírito Santo, Peito de Vênus e Lombo do Diabo.

Um outro Hellfire Club

Porém, o clube de Wharton acabou sendo dissolvido em 1721, mas aquele não foi o fim; ele acabou sendo substituído pelo Hellfire Club mais notório da história. A verdade é que o nome Hellfire Club acabou se tornando sinônimo do grupo criado por Sir Francis Dashwood.

Sir Francis Dashwood / Crédito: Domínio Público via Wikimedia Commons

O clube, originalmente, recebeu o nome de ‘Ordem dos Frades de São Francisco de Wycombe’. Aqui, seus membros eram conhecidos como “monges”, embora não seja assim que a história os marcou. Acontece que Dashwood era uma figura muito mais subversiva, sendo conhecido como “gênio da obscenidade”. Aliás, sua paixão pela promiscuidade se tornava ainda maior quando mesclada por seu talento para o drama. 

Para que o clube tivesse uma sede a altura, Dashwood alugou, em 1751, a Abadia de Medmenham. Ele também ordenou que o interior medieval do local fosse renovado para um estilo mais gótico. Algo que combinasse mais com seu estilo. Além disso, num vitral de uma porta de seu escritório foi incluído o lema “Fais ce que tu voudras” ("Faça o que quiser", em tradução livre do francês).

Segundo o The Conversation, especula-se que as paredes do local ainda tenham sido decoradas com obras de William Hogarth, que teria retratado membros do clube em diversas atividades eróticas. Outro ponto é que a biblioteca do Hellfire Club estava repleta de livros pornográficos, os mais infames que se tinha conhecimento na época. 

Sua formação possui membros dos mais influentes da época, como Thomas Potter, John Wilkes, John Montagu, Benjamin Bates II, fora muitos outros Dize-se ainda que até mesmo Benjamin Franklin era um membro do Hellfire Club, por conta de ele ser visto em uma das reuniões na Abadia de Medmenham, algo só permitido para membros. 

As práticas do Hellfire Club

Ao contrário dos assíduos jogadores de D&D de Stranger Things, as reuniões do Hellfire Club da vida real aconteciam apenas duas vezes ao ano, geralmente em junho ou setembro. Nessas ocasiões, uma assembleia geral costumava acontecer com duração de uma semana. Além do mais, cada participante era encorajado a trazer convidadas de “uma disposição alegre e animada”.

Os encontros foram descritos por Nocturnal Revels (1779), em um livro que teria sido escrito por um desses “monges da Ordem de São Francisco”,

[...] não eram exigidos votos de celibato nem pelas senhoras nem pelos monges, considerando-se as primeiras esposas legítimas dos irmãos durante a sua permanência dentro dos muros monásticos, sendo cada monge religiosamente cauteloso para não infringir a aliança nupcial de qualquer outro irmão”.

Além disso, a ida até esses encontros parecia muito mais cenas tiradas do universo Harry Potter. Vestidos com máscaras e mantos, os membros do Hellfire Club atravessavam o rio Tâmisa sob a escuridão em gôndolas. Quando chegavam a sede, eram recebidos com uma bebida que misturava conhaque com enxofre. O drinque era oferecido aos Deuses das Trevas; mantendo o tom de deboche originário do clube de Wharton.

“A prática dos membros era rigorosamente pagã: Baco e Vênus eram as divindades a quem eles sacrificavam quase publicamente; as ninfas e os barris que foram colocados contra as festas desta nova igreja, informaram suficientemente a vizinhança da compleição daqueles eremitas”, descreve Horace Walpole, escritor inglês da época.

Hellfire Club em 1735 / Crédito: Wikimedia Commons

Com o decorrer das horas, e o cair da noite, os membros do grupo percorriam as diferentes instalações da Abadia. As atividades, é claro, se tornavam cada vez mais obscenas.

Uma dessas festas, embora o boato não tenha sido confirmado oficialmente, ainda contou com a presença de um babuíno vestido de demônio. John Wilkes teria ficado tão assustado que chegou a implorar para o diabo poupá-lo, alegando ser um mero pecador. 

O fim do Hellfire Club

Os acontecimentos do Hellfire Club caíram no conhecimento popular em 1760, com a publicação de ‘Chrysal, or the Adventures of a Guinea’, que explanou tudo o que acontecia na Abadia de Medmenham, até mesmo a suposta história do babuíno. 

Com a popularização da história, embora poucos tivessem conhecimento do que realmente acontecia por lá, o clube ganhou fama de blasfemo e obsceno, com seus membros sendo considerados pecaminosos e libertinos.

Com cada vez mais o público se aventurando ao redor da ilha para ver as práticas do notório clube, Dashwood chegou a transferir as atividades para o subsolo da Abadia. Com o passar do tempo, porém, o clube passou a perder o interesse. O Hellfire Club teve seu fim em 1766.