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Matérias / Segunda Guerra Mundial

Os heróis africanos que foram esquecidos após lutarem na Segunda Guerra

Fazendo parte do Exército Britânico, esses homens ainda sofreram com o desprezo de Winston Churchill

Fabiano Onça Publicado em 19/03/2021, às 13h00

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As tropas africanas na Segunda Guerra - Wikimedia Commons
As tropas africanas na Segunda Guerra - Wikimedia Commons

No dia 24 de janeiro de 1945, os soldados japoneses que defendiam o estratégico centro de Comunicações de Mrauk U foram surpreendidos. O posto fortificado, capital da província de Arakan, era de difícil acesso. Ficava encravado na mata da selva da Birmânia (atual Myanmar), mergulhado num vale infestado de mosquitos, com temperaturas que beiravam os 40ºC.

O que os desconcertou, no entanto, não foi o ataque desferido pelas tropas britânicas. A despeito das dificuldades do terreno, isso já era esperado, uma vez que todo o 14º Exército inglês estava na ofensiva pela retomada da Birmânia. O que os aterrorizou é que o assalto foi inteiramente conduzido por membros da 81ª divisão, que compunham a vanguarda da força expedicionária. Eram inimigos diferentes, que os japoneses jamais haviam visto: eram todos soldados negros, com exceção dos oficiais.

Os combates casa a casa foram encarniçados. Ao final de dois dias de luta, os membros da 81ª West African Division (Divisão do Oeste Africano), formada principalmente por nigerianos, mas que também contava com homens de Gana, Serra Leoa e Gâmbia, finalmente arrebataram a posição japonesa, apoiados por duas brigadas da sua divisão irmã, a 82ª West African Division.

Como reconhecimento pela bravura em combate, foram distribuídas honrarias para 11 soldados somente nesta ação. Outros 24 foram citados em despachos.

Para qualquer tropa, essas seriam belas honrarias. Para os membros das divisões africanas, no entanto, as distinções tiveram sabor especial. Além de lutar contra os japoneses, esses súditos do Império Britânico tiveram de vencer, antes de tudo, a batalha contra o preconceito generalizado enraizado nas forças aliadas – aquelas mesmas que, nos livros de história, combateram Hitlere sua doutrina baseada na superioridade ariana.

Africanos na Segunda Guerra Mundial / Crédito: Wikimedia Commons

Nada a perder

Durante a Segunda Guerra, pressionada pelos alemães e com um vasto império colonial a defender, a Inglaterra aboliu – em caráter provisório – a restrição que antes fazia ao ingresso de negros em seu exército. Isso não impediu que Churchill expressasse seu desprezo pelos combatentes africanos em telegramas para todas as embaixadas e comissariados, ordenando que utilizassem quaisquer expedientes administrativos para rejeitar voluntários da África. O que aconteceu na prática, porém, foi o contrário.

Escaldados pela flagrante derrota sofrida durante a Primeira Guerra por Von Lettow e seus askaris, os britânicos já tinham ampliado as funções de seus regimentos coloniais, como a Royal West African Frontier Force (Real Força de Fronteira do Oeste da África) e o King’s African Rifles (KAR), formadas por volta de 1900 com contingente nativo. As tropas, claro, eram lideradas por oficiais brancos, já que os negros não eram, na visão dos colonizadores, material próprio para o oficialato.

No total, cerca de 421 mil africanos serviram nas forças britânicas durante a Segunda Guerra. Destes, 120 mil lutaram na Birmânia. Isso fora os milhões de trabalhadores envolvidos na imensa tarefa logística de enviar materiais para a metrópole, como borracha, bauxita e alimentos.

Esses, aliás, foram os que mais sofreram. Dos 15 mil marinheiros africanos que serviram nos navios de transporte – justamente os mais lentos e indefesos –, cerca de um terço, ou 5 mil homens, pereceram em lugares tão distantes quanto o porto de Murmansk, principal artéria aliada de suprimentos para a URSS, a 200 quilômetros do Ártico, no mar de Barents.

De qualquer modo, os soldados negros sob comando britânico só veriam a guerra de perto quando a Itália, em 3 de agosto de 1940, atacou a Somalilândia com 25 mil homens e 100 carros de combate. Em situação de desespero, os britânicos chamaram todas as suas forças coloniais para combater os invasores. Em janeiro, enquanto a 4ª divisão indiana, recém-chegada do Egito, liderava o contra-ataque aliado pelo norte, as recém-criadas 11ª e 12ª divisões africanas atacavam a Eritréia italiana pelo sul.

Soldados durante a guerra / Crédito: Wikimedia Commons

Batismo de fogo

Foi ali que, pela primeira vez, as tropas formadas por contingentes negros puderam provar seu valor, assaltando as posições inimigas com um furor incomum. Caso do sargento-major Bawa Bazabarimi, do regimento da Costa do Ouro (atual Gana), que ganhou a Military Medal por bravura no ataque a Bulo Erillo, uma posição fortificada dos italianos.

Em 13 de fevereiro de 1941, sua companhia estava sendo duramente castigada pelo fogo de metralhadoras e granadas. Bazabarimi, sabendo que só salvaria sua companhia se suprimisse o ninho de metralhadoras inimigo, optou por uma estratégia ousada. Liderou, ele próprio, uma carga de baionetas contra a posição. Foi ferido na ação, mas continuou lutando.

Manancial de soldados

O desempenho excepcional dessas tropas obrigou os britânicos a concederem até mesmo a mais almejada honraria do Império, a Victoria Cross, a um de seus integrantes, o sargento Nigel Gray Leakey, dos King’s African Rifles (única distinção desse tipo concedida ao soldado de um grupamento africano durante toda a guerra).

Em 19 de maio de 1941, durante uma ofensiva de tanques italianos, Leakey, sob fogo cerrado, subiu em um tanque inimigo e abriu a escotilha, matando toda a tripulação, exceto o motorista. Em seguida, forçou-o a manobrar o veículo para uma área segura. O tanque desgovernado desconjuntou todos os outros, abalando o ataque (Leakey seria morto após tentar repetir a proeza com outro blindado).

A campanha da Eritréia não trouxe apenas medalhas e honrarias. Ela mostrou aos britânicos que a África era um poderoso manancial de soldados para outros fronts. Foi assim que elementos do KAR, que lutaram na Somália contra os italianos, deram origem à 11ª East African Division.

Do mesmo modo, em março de 1943, foram formadas, na atual Nigéria, as 81ª e 82ª West Africans Divisions, a partir de contingentes da Royal West African Frontier Force. Seu destino seria um lugar que nenhum dos conscritos havia sequer ouvido falar: Birmânia, no sudeste da Ásia. Em agosto, após o período de treinamento, a 81ª viajou para a Índia. Ela seria a primeira tropa africana a atuar fora de seu continente natal, junto com a 11ª e a 82ª, que embarcaram posteriormente.

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Nigel Gray Leakey / Crédito: Wikimedia Commons

Al-Haji Abdul Aziz Brimah, veterano ganense da 81ª West African Division, em depoimento concedido à associação dos veteranos de guerra da Commonwealth Memorial Gates Trust, relembra que, também para os indianos, a chegada das tropas negras foi cercada de rumores absurdos. “Os africanos estão chegando! Eles são canibais! Eles comem pessoas! Eles tem rabos!”, diziam os indianos.

Segundo Aziz Brimah, a boataria foi tamanha que as autoridades inglesas passaram a confirmar os rumores para amedrontar os inimigos. “Diziam que estavam trazendo os africanos para comer os japoneses vivos”, conta.

Tarântulas negras

Quando os africanos desembarcaram na Birmânia, a situação na região estava longe de ser tranquila. No início de 1942, os japoneses iniciaram uma ofensiva devastadora. Em 9 de março, o 15º Exército japonês tomou a capital, Yangoon (ex-Rangoon). Com marchas forçadas através da selva, tomou de surpresa os principais aeroportos.

Ao final do ano, os japoneses haviam dominado toda a Birmânia e já ameaçavam a joia da coroa britânica: a Índia. Para piorar, o comandante britânico William Slim era desprezado por Churchill, que o chamava de General de Sipaios (indianos que serviam no exército inglês).

Uma vez na Birmânia, os africanos conquistaram a fama de exímios lutadores de selva. Conhecidos como Tarântulas Negras (a aranha era a insígnia da 81ª), receberam o apoio do 6º, 7º e 12º batalhões nigerianos em arriscadas missões (cujas baixas ocorriam na proporção de uma para cada três soldados).

Entre 1944 e 1945, operando no dificílimo terreno birmanês, que alternava montanhas íngremes com densas florestas, a 81ª e a 82ª avançaram pressionando o flanco esquerdo japonês, ao longo do litoral, na província de Arakan.

Sem contato com suas próprias linhas, estas unidades espalhadas pela selva eram abastecidas exclusivamente pela aviação – e protagonizaram a maior operação do gênero já realizada pelos britânicos. Como consequência direta de seus esforços, as tropas do exército de Slim, após três anos de luta, retomaram Rangoom em 3 de maio de 1945.

Luta pela independência

Atuar como vanguarda também teve seu preço. Em todo o corpo de exército ao qual pertenciam, foram eles os que pagaram a vitória com mais sangue. A Comissão de Sepulturas da Commonwealth, a 81ª teve 438 baixas (mortos, feridos e desaparecidos), enquanto a 82ª, mais castigada, sofreu 2 085. “A guerra na selva é algo extremamente perigoso, e você se torna uma pessoa diferente. Deixa para trás cada atitude civilizada”, relembra o veterano Aziz Brimah.

Soldados / Crédito: Wikimedia Commons

De qualquer modo, talvez a mais significativa recompensa para as tropas africanas tenha sido a chance de ver o mundo com outros olhos, em um processo que levaria à independência várias colônias inglesas nas décadas seguintes. “Antes de sair do país, sentíamos que o branco era superior ao africano. Porém, as coisas mudaram na Birmânia. Nós fomos expostos ao mundo. E se nós éramos tão bons, senão melhores do que o homem branco, por que eles deveriam nos governar?”, comenta o tanzaniano Mzee Ally Sykes, ex-integrante do KAR, em entrevista ao jornal inglês The Observer.

Os temíveis Askaris

Quando estourou a Primeira Guerra, o militar alemão Paul von Lettow estava na África do Leste germânica (atuais Tanzânia, Burundi, Ruanda e Tanganica). Eleito comandante de uma brigada de 3 mil askaris, ele sabia que a guerra africana não afetaria significativamente o resultado na Europa. Ainda assim, poderia dar trabalho aos britânicos, obrigando-os a desviar tropas para lá.

Sua estratégia, inovadora para época, foi montar seu exército usando tropas negras – algo abominado pelos britânicos, que preferiram importar seus leais indianos. Utilizando táticas de guerrilha, Lettow conseguiu vitórias contra forças muito superiores. Em Tanga (1914), por exemplo, bateu uma força oito vezes mais numerosa que a sua.

Ao final da guerra, os britânicos tinham 40 mil homens na área, contra não mais do que 12 mil de Von Lettow, que depôs as armas apenas quando soube da derrota alemã na Europa. Ali, na África, ele e seus askaris haviam permanecido invictos durante os quatro anos do conflito.


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