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Matérias / São Paulo

Passaporte da vacina: Não se trata de nenhuma inovação ou invenção da Prefeitura de São Paulo

Em meio à pandemia do novo coronavírus, o comprovante passou a ser exigido em algumas regiões

Murilo Rezende dos Santos Publicado em 09/09/2021, às 11h12

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Imagem ilustrativa de vacina - Getty Images
Imagem ilustrativa de vacina - Getty Images

Seguindo o exemplo da Prefeitura Municipal de São Paulo, muitas cidades estão anunciando que estabelecimentos de acesso público só poderão receber pessoas imunizadas contra a covid-19. Isto é, as que apresentem o chamado "passaporte da vacina".

Portanto, nos municípios em que vigora essa restrição, quem quiser ter acesso a eventos, shoppings, restaurantes e outros estabelecimentos, precisará atender a exigência. O estabelecimento que descumprir e permitir ingresso sem esse "passaporte" poderá sofrer multa.

Em São Paulo, os cidadãos precisarão baixar um aplicativo no celular, efetuar o cadastro e emitir um QR Code. A leitura do código permitirá que os estabelecimentos saibam se a pessoa está com alguma dose atrasada, caso em que deverá ser barrada.

Não se trata de nenhuma inovação ou invenção da Prefeitura de São Paulo, pois essa é uma medida que já vem sendo implementada em outros países:

Como noticiado pelo Portal G1, em matéria de 23/08/21, na França, "desde o dia 9 de agosto, as pessoas que quiserem ir a restaurantes, bares, aviões e trens, museus, salas de cinema e piscinas, precisam comprovar que foram vacinadas ou mostrarem um teste de covid-­19 com resultado negativo".

O Portal da CNN, por sua vez, noticiou em 27/07/21 que outros países, igualmente, como Áustria, Coréia do Sul, China, Dinamarca, Eslovênia, Estados Unidos, Grécia, Holanda, Israel, Irlanda, Itália, Japão, Letônia, Lituânia, Luxemburgo e Portugal adotaram a ideia do "passaporte da vacina".

Enfim, parece uma ideia que vem encontrado amplo apoio mundial e a tendência é de que se espalhe por muitos outros lugares.

Seria isso possível? Essa exigência, porventura, feriria a liberdade individual? O direito de ir e vir?

Há bons argumentos contra e a favor. Mas só é possível chegar a um resultado aceitável, deixando de lado as paixões e as opiniões apenas individuais.

Em termos de sociedade, o que deve sempre prevalecer é o interesse geral e não o interesse individual.

Por isso, os direitos individuais podem eventualmente vir a ser relativizados, quando no sopesamento destes com outros direitos fundamentais transindividuais. No confronto entre direitos fundamentais, os direitos de uma comunidade costumam se sobrepor aos individuais.

Logo, atentando bem - e de uma forma isenta - sobre a dimensão dessa questão, certamente se conclui que, em situações de saúde coletiva, não pode prevalecer a liberdade individual de decidir não se submeter à regra adotada em favor da saúde pública.

A não vacinação põe em risco os direitos à saúde e à vida de toda a coletividade, uma vez que a estratégia de aplicação de vacinas só tem efetividade em âmbito coletivo. Ou seja: a vacinação só é agente que promove a desaceleração do contágio pelo vírus se sua estratégia de aplicação for coletiva.

Em fevereiro de 2020 foi sancionada lei que tratava das medidas de enfrentamento da emergência de saúde pública causada pelo Covid-­19 (Lei federal nº 13.979/20), válida até 31/12/2020 e que se encontra com vigência prorrogada.

Essa lei prevê em seu artigo 3º a possibilidade de adoção de algumas medidas para o enfrentamento da pandemia, entre elas a realização compulsória de vacinação (artigo 3º, inciso III, "d").

O STF, pelo ministro Ricardo Lewandowski, considerou que as medidas são compatíveis com a Constituição, na medida que prezam pelos direitos à saúde e à vida, e essenciais ao enfrentamento da Covid-­19.

O mesmo Supremo Tribunal Federal (em decisão de dezembro de 2020), decidiu sobre a vacinação compulsória e que os governos locais - União, Estados, Distrito Federal e municípios - podem estabelecer medidas legais para indiretamente promover a vacinação compulsória da população.

E deixou claro que não é permitida a vacinação forçada, mas, sim, uma restrição de direitos em casos de não vacinação, como por exemplo o corte de algum benefício, a impossibilidade de realizar matrícula na rede pública de ensino ou a vedação a entrar em determinado lugar, dentre outras.

Em resumo, o Supremo entendeu que a obrigatoriedade da vacinação não viola norma constitucional, pois com ela visa-se à preservação da vida humana, além de que, sua imposição pelo poder público não atinge a liberdade do indivíduo que não deseja se vacinar, eis que a vacinação obrigatória não se confunde com a vacinação forçada.

Logo, pela decisão da Corte Suprema, o cidadão que recusar a vacina não será submetido ao imunizante contra sua vontade, respondendo apenas por eventuais sanções definidas, de modo que continuará preservada sua liberdade individual.

A propósito, bem ressaltou a ministra Cármen Lúcia, "a Constituição não garante liberdades às pessoas para que elas sejam soberanamente egoístas", especialmente quando se trata de vacinação, que demanda adesão de parcela significativa da população para efetivo controle do contágio, e a recusa de poucos pode colocar muitos em risco.

Essa restrição a certos direitos, serve também como incentivo e modo de conscientização para aquelas pessoas que permanecem resistentes, pois serão tolhidos de uma prerrogativa e ainda podem ser penalizados em caso de descumprimento, por meio de multas e advertências, situação facilmente evitável por meio de sua própria e simples imunização, que aproveita toda a coletividade.

No julgamento da ARE 1267879/SP, o Tribunal Pleno ao decidir pela obrigatoriedade dos pais vacinarem crianças e adolescentes consignou:

"A liberdade de consciência é protegida constitucionalmente (art. 5º, VI e VIII) e se expressa no direito que toda pessoa tem de fazer suas escolhas existenciais e de viver o seu próprio ideal de vida boa. É senso comum, porém, que nenhum direito é absoluto, encontrando seus limites em outros direitos e valores constitucionais".

Na ADI 6586 / DF, o Tribunal Pleno decidiu de forma semelhante, assim fixando: "A vacinação em massa da população constitui medida adotada pelas autoridades de saúde pública, com caráter preventivo, apta a reduzir a morbimortalidade de doenças infeciosas transmissíveis e a provocar imunidade de rebanho, com vistas a proteger toda a coletividade, em especial os mais vulneráveis".

Contudo, ponderou a mesma Suprema Corte que "a vacinação compulsória não significa vacinação forçada, porquanto facultada sempre a recusa do usuário, podendo, contudo, ser implementada por meio de medidas indiretas, as quais compreendem, dentre outras, a restrição ao exercício de certas atividades ou à frequência de determinados lugares, desde que previstas em lei, ou dela decorrentes".

Portanto, tudo sopesado, é de se concluir pela constitucionalidade da restrição a ser implementada pela exigência do "passaporte da vacina", que é medida restritiva indireta que, de forma razoável, busca a implementação da vacinação em massa como forma de garantir o direito à saúde pública.


Murilo Rezende dos Santos é doutor em Direito Civil e professor da Universidade Presbiteriana Mackenzie Campinas.