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Matérias / Civilizações

Por um século, Argentina e Inglaterra disputaram nos tribunais as Ilhas Malvinas

Em 1982, os argentinos partiram para a briga, contudo, o resultado não agradou

Eduardo Szklarz Publicado em 10/04/2021, às 09h00

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Registro de pinguim nas Ilhas Malvinas - Imagem de Tracy Jones por Pixabay
Registro de pinguim nas Ilhas Malvinas - Imagem de Tracy Jones por Pixabay

A ordem de ataque foi dada às 23 horas do dia 1º de abril de 1982. Já a postos, homens do primeiro comando anfíbio deixaram o navio Santíssima Trindade e enfrentaram em botes infláveis as águas geladas do Atlântico Sul.

Levaram uma hora para chegar a Porto Enriqueta, a 500 quilômetros da costa argentina e avançaram no meio da névoa por seis quilômetros até avistar o quartel da marinha inglesa.

Tinha início a Operação Rosário, lançada pelo governo da Argentina para recuperar as ilhas Malvinas (ou Falklands, para os ingleses) depois de 149 anos de domínio britânico.
Ao receber o alerta, os 68 homens da guarnição inglesa tomaram posição ao redor da capital das ilhas, o Porto Stanley (ou Porto Argentino, para os argentinos), mas não conseguiram conter os invasores.

Só tiveram tempo de colocar um caminhão, madeiras e ferros na pista do aeroporto. O barco-patrulha Endurance, que poderia dissuadir os argentinos, estava a 430 milhas de distância, voltando das ilhas Geórgias do Sul.

“Apesar do sinal dos serviços de inteligência, a Inglaterra achou que evitaria a invasão diplomaticamente”, dizem Paul Eddy e Magnus Linklater, no livro The Falklands War (A Guerra das Malvinas). O aeroporto foi palco dos primeiros disparos.

Os comandos argentinos limparam a pista para que aviões Hércules C130 despejassem mais soldados, enquanto os navios San Antonio, Drummond e Grandville atracavam com batalhões de infantaria, artilharia e sistemas de comunicação.

Às 4 horas, os argentinos já se espalhavam num raio de 8 quilômetros em torno
de Stanley. E, às 4h30, 120 soldados do Comando de Mergulhadores Táticos chegaram em helicópteros.

Vestidos de preto, eles se dividiram em dois grupos: o primeiro tomou o quartel inglês de Moody Brook. O outro se dirigiu para o objetivo da missão, a Casa de Governo.

Nesse momento, o governador Rex Hunt recebeu a ordem de rendição. Às 9h25, ele deixou o palácio com as mãos para o alto e foi entregue à embaixada inglesa no Uruguai. Em seu lugar, assumiu o general Mario Menéndez.

Os 1800 habitantes da ilha, súditos da coroa inglesa, ouviram por rádio que seus bens seriam respeitados. A Argentina ocupou também as Ilhas Sandwich e a Geórgia do Sul. Porto Stanley virou Porto Argentino e, às 10 horas, a bandeira britânica estava arriada.

Breve ocupação

A Inglaterra reagiu rapidamente. Em 3 de abril, a primeira-ministra Margaret Thatcher obteve luz verde do Parlamento britânico para enviar tropas às ilhas. Em poucas semanas, chegavam às Malvinas dois porta-aviões, oito destróiers, 15 fragatas e cinco submarinos, além de navios de transporte, hospitalares e de abastecimento, num total de 120 unidades.

“Se querem vir, que venham. Nós lhes daremos batalhas”, disse o presidente ditador argentino Leopoldo Galtieri, diante de uma multidão que se aglomerou na praça de Maio para manifestar apoio à iniciativa do governo.

Os jornais de Buenos Aires clamavam pela unidade nacional, enquanto intelectuais respeitados no país, como o escritor Ernesto Sábato, convocavam o povo a lutar contra o imperialismo. O resto do mundo, porém, não compartilhou de tal euforia. A Comunidade Europeia condenou a ocupação e suspendeu a venda de armas para a Argentina.

O Conselho de Segurança da ONU aprovou a Resolução 502, que exigiu o fim das hostilidades. Já o secretário de Estado americano, Alexander Haig, foi a Londres e Buenos Aires para tentar uma saída pacífica. Tudo em vão.

O governo argentino respondeu que não devolveria nem um metro quadrado das congeladas terras das Malvinas. O objetivo do presidente Galtieri e dos militares de seu país – ocupar para negociar – se transformara numa missão duradoura.

O que começou com um agrupamento de 500 soldados já somava cerca de 10 mil efetivos no final de abril. A maioria dos soldados tinha entre 18 e 19 anos, pouco treinamento e provisões insuficientes para enfrentar 10 graus negativos.

“Escutamos pelo rádio que a população havia mandado 50 caminhões de roupa, remédios e comida, mas nada chegou até nós”, disse o jornalista e excombatente Edgardo Esteban, autor do livro Iluminados por el Fuego (Iluminados pelo Fogo). “O tenente dizia que os ingleses não lutariam, pois não conheciam as ilhas e chegariam cansados da longa viagem”. Não foi o que aconteceu.

Em 25 de abril, os comandos ingleses iniciaram a ofensiva pela ilha Geórgia do Sul. O ataque começou às 6h30, quando um helicóptero inglês Wessex 3 bombardeou o submarino argentino Santa Fé, que estava navegando na superfície.

O destróier inglês Antrim também abriu fogo contra as posições inimigas, que não tardaram a abanar três grandes bandeiras brancas. No dia seguinte, o capitão argentino Alfredo Astiz assinou a rendição de sua tropa na Geórgia do Sul.

A partir de então, os ingleses atacavam todas as noites, sempre posicionados em seus barcos. Os britânicos declararam bloqueio aeronaval num limite de 320 quilômetros em torno das Malvinas. “Na madrugada de 1º de maio, fomos sacudidos por um alerta: os ingleses estavam bombardeando Porto Argentino”, descreveu o general Martín Balza, na época tenente-coronel no comando de um grupo de artilharia.

Com o número de feridos aumentando a cada dia, a Argentina montou um hospital em um colégio abandonado em Soledad – uma das duas grandes ilhas do arquipélago. Os feridos só ficavam internados cerca de dez dias porque não havia remédios suficientes.

Mais pinguim /Crédito: Pixabay

Vencido o prazo, eram mandados ao continente a bordo de aviões Hércules, que conseguiam driblar os radares ingleses. “Tudo era feito em segundos. Tão logo um Hércules baixava a rampa, nós empurrávamos as macas sob o risco de sermos atingidos pelo fogo inimigo”, contou um médico que serviu na guerra. Como ainda pertence ao Exército, prefere não se identificar.

Guerra de trincheira

Para os argentinos, o enfrentamento tomou a forma de guerra de trincheira. “Ficamos entocados em buracos enquanto do outro lado havia um inimigo móvel no céu e no mar, e cujo contato em terra foi limitado a movimentos rápidos”, disse o historiador argentino Vicente Palermo, autor de História Argentina.

Além da inferioridade das armas, os nossos vizinhos não contavam com um comando unificado. “Nem Galtieri nem o Estado Maior Conjunto tinham um comando militar eficiente”, afirmou o especialista.

Nos combates aéreos, no entanto, os enfrentamentos foram mais equilibrados. Os argentinos pilotavam os aviões franceses Mirage e Super Étendard, além dos Skyhawk, comprados dos americanos em 1966.

Todos inferiores aos caças Sea-Harrier ingleses, mas causaram muitas perdas à frota britânica. A maior delas ocorreu em 4 de maio contra o destróier Sheffield, que patrulhava o sudeste das Malvinas. Metade dos 270 tripulantes descansava quando o tenente Nick Batho captou o sinal do perigo: um Étendard havia saído da “zona morta do radar” (abaixo da linha do horizonte) para determinar a posição do alvo.

Instantes depois, o tenente viu um míssil Exocet viajando em alta velocidade em sua direção. O foguete explodiu bem no meio do destróier, que afundou quando era resgatado.

Em 21 de maio, 3 mil soldados ingleses desembarcaram no porto San Carlos, a 90 quilômetros de Porto Stanley. Era hora de por um fim na briga. O local foi dominado e a Argentina perdeu 22 aviões em três dias. “Os gurkas eram o inimigo mais perigoso”, escreveu Esteban, referindo-se aos mercenários nepalenses pagos pelos britânicos para lutar nas Malvinas.

“Quando um deles era ferido, outro surgia de helicóptero para substituí-lo. Mas nós estávamos ali por mais de 50 dias, enfiados em poças de barro, com obuses que falhavam e a roupa destruída.” Os ingleses ainda contavam com espiões nas ilhas, como o padre. Ele mandava sinais aos navios ingleses com badaladas do sino da igreja.

Os argentinos perderam posições seguidas até que, em 29 de maio, 1400 soldados se renderam. Dez dias depois, o general Américo Daher, comandante do Exército da Argentina, viajou ao continente para expor à Junta Militar a situação das tropas – e não voltou. Na mesma semana, Buenos Aires acordou com a notícia de um novo ataque a Porto Stanley. O assalto final à capital produziu os dias mais duros da guerra

Movendo-se em helicópteros, os britânicos tomaram as colinas que rodeiam a cidade. Em 12 de junho, o Monte Longdon virou o cenário de combates corpo a corpo. Foram 24 horas de batalhas. Os ingleses perderam 23 homens; os argentinos, 50. Sem outra saída, o governador Menéndez se rendeu em 14 de junho, colocando fim ao conflito que deixou 649 mortos do lado argentino e 250 do inglês.

Com a derrota, as ilhas Malvinas voltaram a ser ilhas Falklands. E a Argentina recomeçou as reclamações de posse nos foros internacionais, como fazia desde 1833. Para manter o controle, a Grã-Bretanha alega descobrimento, ocupação e vontade dos kelpers, os habitantes locais.

Já os argentinos dizem que as Malvinas, antes território espanhol, são deles por direito desde a independência. A derrota nas ilhas ecoou também na Casa Rosada, contribuindo para a queda do regime militar. Em 30 de outubro de 1983, o país elegeu o presidente Raúl Alfonsín.