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Praga de Justiniano, a primeira epidemia de peste bubônica

O imperador bizantino Justiniano sonhou reviver o período clássico ao reconquistar Roma, mas seus exércitos podem ter espalhado uma praga que matou metade dos europeus

Redação Publicado em 21/11/2021, às 10h00

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Pintura de tempos de praga por Josse Lieferinxe - Domínio Público/ Creative Commons/ Wikimedia Commons
Pintura de tempos de praga por Josse Lieferinxe - Domínio Público/ Creative Commons/ Wikimedia Commons

Europa andava mal das pernas em 540 d.C.. Ainda era o início da Alta Idade Média, também chamada de Idade das Trevas, que havia começado em 476, com a queda do Império Romano do Ocidente — e duraria até por volta do ano 1000 —, período marcado pelo abandono das cidades, estagnação da economia e miséria da população.

A guerra varria o continente por causa da campanha do imperador bizantino, Justiniano, numa tentativa de restaurar o Império Romano do Ocidente. Foi nessa época dura que os europeus tiveram de enfrentar a primeira pandemia da História. Foi a chamada Praga de Justiniano, a primeira epidemia de peste bubônica, que voltaria a assolar a Europa séculos depois, entre 1346 e 1352.

Transmitida por pulgas de ratos infectados, vindos dos navios, a praga surgiu no Egito, passou pelo Oriente Médio e chegou à capital do Império Bizantino, Constantinopla, em 540, matando 5 mil moradores por dia, e eliminando metade da população (estimada entre 500 mil e 1 milhão de pessoas) da cidade.

A doença se espalhou também pela Síria, Europa e Ásia Menor (atual Turquia). Meio século depois, haviam morrido em decorrência da doença entre 25 e 100 milhões de pessoas. “É difícil precisar dados estatísticos, mas é possível afirmar que 40% da população de toda a área mediterrânea foi dizimada por volta do ano 600”, afirma Celso Taveira, doutor em história bizantina e professor da Universidade Federal de Ouro Preto.

A peste bubônica, que mais tarde ficou conhecida como peste negra, ataca os nódulos linfáticos, localizados em axilas, virilhas e pescoço, que incham e formam enormes bolhas de pus. As extremidades do corpo são atacadas por necrose, o que dava aos infectados uma aparência aterradora, algo como mortos-vivos.

Mosaico de Justiniano / Crédito: Petar Milošević/ Creative Commons/ Wikimedia Commons

Soldado invisível

Devido à sua mobilidade, as tropas justinianas podem ter ajudado a propagar a doença, mas foram também extremamente afetadas por ela. O exército foi assolado pela praga e até o próprio imperador contraiu a doença, mas sobreviveu.

O impacto na população europeia e, consequentemente, nas guerras travadas por Justiniano se deu de várias formas. Constantinopla chegou a ser fechada e a entrada de navios foi proibida, fazendo com que as pessoas passassem a morrer de fome.

Em questões militares, com a falta de pessoal para as batalhas, a situação foi de estagnação e derrotas. A praga afetou também os persas, que contraíram a doença durante a guerra contra os bizantinos, em 543.

Com o enfraquecimento do exército, Justiniano viu-se incapaz de dar continuidade aos combates e foi forçado a firmar um acordo de paz com o rei persa, Cosroes, em 545. Alguns historiadores acreditam que os danos causados aos persas e bizantinos os tornaram vulneráveis às conquistas muçulmanas no século seguinte.

Estima-se que a pandemia tenha durado mais de 200 anos. “Não se pode falar de uma epidemia que durou de um período a outro, mas que ela mudava de lugar”, afirma Silvia Waisse, professora de história da ciência da PUC-SP.

Na pandemia do século 6, nem a imperatriz Teodora escapou. Alguns a culparam, dizendo que a praga era uma punição divina por sua promiscuidade. Não passava pela cabeça dos médicos que pulgas, ratos e organismos invisíveis pudessem causar o mal.

A noção de que havia alguma coisa que se transmitia só se estabeleceu no final do século 15”, diz Silvia.
Pintura retratando a Peste Negra / Crédito: Getty Images

O (quase) retorno do império romano

Em 285, tentando organizar o caos administrativo do decadente Estado romano, o imperador Diocleciano dividiu o Império em duas partes, Ocidente e Oriente. Roma — e, com isso, o Império Romano do Ocidente — caiu nas mãos dos bárbaros em 476, mas a parte oriental sobreviveu.

A capital, na cidade de Constantinopla, foi chamada de Bizâncio até 330 — daí o nome Império Bizantino, que, aliás, não era usado pelos bizantinos. Para eles, era Império Romano e ponto, mesmo depois de mudarem a língua oficial para o grego, em 620.

A peste foi um imenso revés na campanha de Justiniano para restaurar o Império Romano às antigas fronteiras. Iniciada em 527, e contando com generais legendários, como Belisário e Narses, Justiniano retomaria dos bárbaros a Itália, norte da África e parte da península Ibérica. No entanto, pelo impacto brutal da doença, e problemas políticos e econômicos, a reunificação de Roma seria efêmera.

A Itália seria perdida para os lombardos em 568, só 3 anos após a morte de Justiniano, e o Império Romano do Oriente sofreria grandes derrotas para os povos islâmicos a partir do século 8, até a queda de Constantinopla para os turcos otomanos, em 1453. Os gregos viveram sob domínio otomano até 1822, quando declararam independência e iniciaram uma guerra contra os turcos com o apoio de países europeus.