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Matérias / Cristianismo

A cruzada da vergonha: Quando cavaleiros saquearam cristãos

A Quarta Cruzada foi um dos mais infames episódios da história do cristianismo

Fábio Marton Publicado em 17/07/2018, às 07h02

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O momento infame no quadro francês - Eugene Delacroix
O momento infame no quadro francês - Eugene Delacroix

A Quarta Cruzada foi lançada em 10 de novembro 1202 para tentar reconquistar Jerusalém. A cidade havia sido tomada em 1187 pelas forças muçulmanas de Saladino (1138-1193), o que levou o Papa Inocêncio III a incitar os cristãos a empreenderem uma nova guerra contra os muçulmanos.

O plano era retomar Jerusalém por meio da ocupação do Egito, sede do poder do Império Aiúbida fundado por Saladino, que continuava a dominar a Cidade Santa. A coisa tomaria um caminho diferente, para dizer o mínimo.

Os cavaleiros da Quarta Cruzada foram liderados por Balduíno IX, Conde de Flandres e Marquês de Montferrant. Foi feito um acordo com a República de Veneza para prover o transporte a eles até o Egito. Mas, antes mesmo de saírem, receberam uma proposta do príncipe Alexios Angelos para fazerem um desvio para a capital do Império Bizantino. Ele queria que eles ajuda para se instalar no trono de seu pai, Alexios III, deposto por uma revolta. Em troca, receberiam suprimentos e financiamento para o resto da missão. Com a ajuda dos cruzados e seus aliados venezianos, Alexios, o filho, seria feito imperador em 1203. No ano seguinte, outra revolta o levou do trono para a masmorra.

Quando os cruzados souberam que Alexios havia sido executado, decidiram tomar Constantinopla — o saque seria a forma de receberem o pagamento prometido. O cerco começou em 8 de abril de 1204 e no dia 12 os cruzados conseguiram atravessar os muros, começando um saque que iria até o dia seguinte. No final, acabaram dividindo o Império Bizantino e instalando seu próprio Império Latino, que duraria até a restauração bizantina em 1261. Jerusalém ficou na promessa.

A Quarta Cruzada é apontada como um dos fatores que influenciaram o declínio do Império Bizantino e do Cristianismo no Oriente. O saque de Constantinopla foi um evento tão infame que, quase um milênio depois, foi motivo para retratações entre a Igreja Católica e a Igreja Ortodoxa. Em 2004, o papa João Paulo II recebeu o patriarca ortodoxo Bartolomeu I no Vaticano. O anfitrião aproveitou a oportunidade para pedir desculpas: "Vamos compartilhar, numa distância de 800 anos, o sentimento de dor e desgosto".

Em 1838, o rei Luís Filipe I pediu a Eugène Delacroix um quadro retratando o evento. O pintor era o autor de A Liberdade Guiando o Povo, sobre a revolução que havia posto o próprio Luís Filipe no poder. O resultado não foi, talvez, o que o monarca tinha em mente. Em vez de celebrar a conquista dos francos, ancestrais dos franceses, o autor liberal preferiu mostrar um massacre, numa imagem convoluta e violenta, que lembra as atrocidades de outro "cruzado" na memória recente, Napoleão Bonaparte. Usamos esse quadro para ilustrar os detalhes da invasão. 

1.Marinha decadente

A locação estratégica já era ocupada desde a Grécia antiga. O Estreito de Bósforo separa o Mar Negro do Mediterrâneo e a Ásia da Europa, permitindo controlar o acesso naval a uma imensa região. A Marinha bizantina foi uma força temida em séculos anteriores, sendo a única portadora do chamado fogo grego, lança-chamas medieval. Mas então era praticamente inexistente - tinha 20 navios contra 200 dos cruzados.


2.Habitantes

O Império Bizantino falava grego, mas era o que havia restado do Império Romano - eles chamavam a si próprios de "romanos" e nada mais. Gente de todo o mundo morava na cidade - inclusive nórdicos. A guarda varangiana, formada por mercenários do norte, existia desde os tempos vikings e tentou, em vão, repelir os invasores.


3.Defesa insuficiente

A capital era a maior cidade da Europa, com 250 mil habitantes, igualando-se às grandes metrópoles islâmicas de Bagdá e Alexandria. Também era a cidade mais protegida do mundo - seu complexo de muros era considerado impenetrável, mas os cruzados e venezianos tiveram sorte com o clima e puderam atacar pelo mar, tomando as torres.


4.Conquistador indeciso

Balduíno IX, conde de Flandres, havia herdado uma vasta região nas atuais Holanda e Bélgica. O artista desenhou-o liderando as tropas e com uma expressão consternada, como se já começasse a se arrepender. Dupla licença poética: o líder dos cruzados era na verdade o francês Bonifácio de Monteferrato, mas, por razões políticas, seria Balduíno a ser eleito imperador, cargo que aceitou sem restrições. Governaria por apenas um ano, até morrer em batalha.


5.O saque

Constantinopla era o entreposto final de uma das duas rotas de especiarias que proviam a Europa com caríssimos temperos e seda - a outra era controlada pela própria Veneza. Por três dias, cruzados e venezianos roubaram casas e igrejas, destruíram construções insubstituíveis, como a Grande Biblioteca, e estupraram até freiras.


6.Tortuosidade

A expressão do próprio cavalo faz parte da tortuosidade geral do quadro, indicando por seus elementos gráficos a natureza vil da conquista. Delacroix decidiu mostrar o evento como o que era: não uma vitória dos francos, mas um massacre infame, a manchar a memória de seu país por toda a História.