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Matérias / Personagem

Renaud Camus, o homossexual que criou teoria usada por supremacistas

Antes um ícone da esquerda cultural, sua ideologia foi adotada por radicais extremistas de direita

Fabio Previdelli | @fabioprevidelli_ Publicado em 21/05/2022, às 00h00

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O escritor Renaud Camus - Divulgação/ Arquivo Pessoal via Wikimedia Commons
O escritor Renaud Camus - Divulgação/ Arquivo Pessoal via Wikimedia Commons

No fim de semana passado, um supermercado em Buffalo, no estado norte-americano de Nova York, foi palco de um brutal massacre orquestrado por Payton S. Gendron, de apenas 18 anos.

Na ocasião, conforme relatou a equipe do site do Aventuras na História, Gendron executou a sangue frio 10 pessoas e deixou outras 3 feridas. O massacre foi totalmente planejado e transmitido ao vivo pela internet. 

Segundo a polícia local, o episódio se tratou de um "ato de extremismo violento racialmente motivado". O que explica isso, muito além do fato do ataque ter sido cometido em um bairro negro, é que o jovem publicou um manifesto de 180 páginas explicando suas inspirações e os motivos para tal atrocidade.

A principal razão para isso, conforme ele mesmo aponta, seria a ‘Teoria da Grande Substituição', estabelecida pelo escritor francês Renaud Camus

Ativista de vanguarda, artista e homossexual 

Nascido em Chamalières, na região francesa de Auvérnia, no centro do país, em 1946, Renaud Camus foi criado em uma família que sempre prezou pelos valores mais tradicionais e pelo conservadorismo. 

O escritor Renaud Camus/ Crédito: Divulgação/ Arquivo Pessoal via Wikimedia Commons

Por conta disso, em sua adolescência, acabou sendo tirado do testamento de seus pais após assumir sua homossexualidade, segundo relata matéria da BBC. Ainda assim, seguiu sua vida acadêmica com certo prestígio, estudando em instituições na Inglaterra e também em Paris. 

Na Cidade-Luz, se formou em Direito e Literatura, além de concluir um mestrado em Filosofia com especialização em Estética. Na capital francesa, aliás, durante o fim da década de 1960, participou de manifestações e liderou marchas LGBTQIA +.

Nos anos 1970, começou a dar cursos de literatura francesa nos Estados Unidos, onde permaneceu por muitos anos. Por lá, inclusive, se relacionou amorosamente com grandes artistas da época, como Gilbert & George e Andy Warhol — que recentemente voltou aos noticiários por conta do leilão de sua obra que retrata a icônica Marilyn Monroe

Em 1979, seu romance autobiográfico ‘Trick’ foi lançado e recebeu um prólogo escrito por Roland Barthes. No livro, Renaud Camus conta um pouco mais sobre suas aventuras sexuais. 

O mundo de Camus é completamente o de um novo homossexual urbano, (que se encontra) confortável em meia dezena de países", comenta o escritor norte-americano Allen Ginsberg. 

Teoria supremacista

Até então, o francês era visto como um ícone da esquerda cultural, mas cada vez mais passou a ocupar as cabeças da extrema-direita. Tudo isso começou em 2012, quando publicou o livro ‘Le Grand Remplacement’.

É justamente nesta obra em que ele apresenta uma teoria conspiratória que diz que a Europa branca e cristã está sendo substituída por uma horda de imigrantes negros e de ‘pele escura’ oriundos do norte da África e da África subsariana. Assim, o Velho Continente não só teria sido invadido como estaria sendo destruído, aponta a BBC. 

Um ponto a se ressaltar é que o livro de Camus não foi traduzido ao inglês, mesmo assim, grupos supremacistas norte-americanos vem usando sua tese para justificar massacres ocorridos em solo americano. 

Manifestação supremacista nos EUA/ Crédito: Getty Images

Em agosto de 2017, por exemplo, grupos de extrema-direita marcharam em Charlottesville, no estado da Virgínia, entoando palavras como “não nos substituirão" e “os judeus não nos substituirão”. No dia posterior ao fato, um supremacista jogou seu carro contra um grupo de antifascistas. Uma mulher acabou morrendo. 

Ao ver o que seus ‘ensinamentos’ tinham ocasionado, Camus demonstrou um misto de repúdio com satisfação do próprio ego. Embora tenha condenado qualquer forma de violência, ainda mais pelo fato dos manifestantes terem mencionado os judeus, ele pareceu estar satisfeito com o fato de seus pensamentos terem cruzado o Atlântico. 

Concordo totalmente com o slogan 'não nos substituirão' e creio que os americanos têm boas razões para estarem preocupados com seu país", disse em uma entrevista à época, conforme repercutiu a BBC. 

Outros ataques

Em março de 2019, duas mesquitas foram atacadas em Christchurch, na Nova Zelândia. Na ocasião, 51 pessoas morreram e outras 49 se feriram. Antes do massacre, o responsável pelo ato, o supremacista branco Brenton Tarrant, de 29 anos, havia publicado na internet um texto de 74 páginas justificando seu ato brutal. O panfleto recebeu o título de “A Grande Substituição”.

Em abril de 2018, um homem usou o mesmo argumento para atacar uma sinagoga em Poway, na Califórnia. Já em agosto de 2019, um massacre ganhou repercussão após um jovem de 21 anos matar 22 pessoas dentro de um Walmart em El Paso, no Texas. 

Capturas de tela da câmera de vigilância mostrando Patrick Wood Crusius na entrada do Walmart/ Crédito: Divulgação

Patrick Wood Crusius diz que tinha como objetivo "matar tantos mexicanos quanto fosse possível". Sua ação seria uma resposta à "invasão hispânica do Texas".

Com o passar dos anos, situações como essas deixam cada vez mais de seres ‘fatos isolados’. Facilitados por leis armamentistas, grandes massacres nos Estados Unidos parecem ser apenas mais uma questão de ‘onde’ e não mais de ‘quando’. Aliado a isso, uma pesquisa divulgada pela Associated Press mostrou que um em cada três norte-americanos acredita na ‘Teoria da Grande Substituição’.

A resposta de Camus

Embora os episódios de violência em torno de sua teoria se tornem cada vez mais frequentes, Renaud Camus mantém seu discurso de que sua filosofia tem a “não violência” como um elemento central. 

O fato de sua obra não ter sido traduzida para o inglês, ainda, o faz questionar se os autores que cometeram tais atrocidades realmente leram ou entenderam a teoria que ele propôs. 

Mesmo assim, aponta a BBC, analistas entendem que a ‘Grande Substituição’ se encaixa muito bem com a nova retórica que os supremacistas brancos tentam implantar — usando narrativas falsas de que ao invés de sua “superioridade racial” já enraizada há décadas, eles seriam na verdade as vítimas de um suposto “genocídio” causado pela “invasão”.

O francês nega ser de extrema-direita, explicando que seu apoio a candidatos mais conservadores seria apenas uma forma de querer que a "a França siga sendo francesa". 

Em 2015, porém, vale ressaltar, ele foi condenado a indenizar a Associação Francesa de Luta contra o Racismo. Na ocasião, havia declarado que "a imigração ameaça a civilização francesa". Além do mais, chamou alguns imigrantes muçulmanos de "bandidos".