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Matérias / Moda

Prova de masculinidade: O curioso uso das braguilhas na Renascença

Também conhecida como codpiece, a tendência dos séculos 15 e 16 era usada para ressaltar certos atributos (ou cobrir inseguranças)

Victoria Bartels Publicado em 03/10/2021, às 09h00

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Representação de homem com a chamada braguilha - Domínio Público/ Creative Commons/ Wikimedia Commons
Representação de homem com a chamada braguilha - Domínio Público/ Creative Commons/ Wikimedia Commons

“Um rosto doce, uma bela barba, um corpo gracioso e uma calça chamativa." Essas são as características do personagem Will Cricket que mais chamavam a atenção das mulheres no livro 'Wily Beguiled', de 1606. A calça em questão diz respeito ao codpiece — bolsa acoplada à calça que cobre a genital dos homens, comum entre os séculos 15 e 16.

Item da moda masculina, o codpiece cobriu (e chamou a atenção), para a parte da anatomia masculina que não podia sequer ser mencionada na sociedade daquela época. Em 1580, o filósofo francês Michel de Montaigne resumiu o curioso caso do codpiece como “um modelo vazio e inútil de um membro que não podemos sequer mencionar pelo nome, mas exibir em público”.

A moda pode ser mapeada em termos de movimentos ascendentes e descendentes, com destaques para uma ou outra parte do corpo. E o codpiece ressaltava a área peniana. O consenso histórico sobre a origem da peça é que ela foi planejada para preencher uma lacuna e preservar a autoestima dos homens. No século 15, os homens usavam gibão ou túnica na parte superior do corpo e pernas de lã ou linho separadas, prendidas na parte na roupa de cima. E tudo era envolto por uma capa.

Pintura feita por Giovanni Battista Moroni retrata o italiano Antonio Navagero, em 1565 / Crédito: Pinacoteca di Brera

Porém, à medida que os vestuários tornaram-se mais curtos, o volume da genitália masculina foi ficando mais aparente. “Não surpreende que esse estilo revelador não agradou a todos — e que os moralistas foram rápidos em condená-lo”, diz Victoria Bartels, do departamento de história da Universidade Stanford.

Em um sermão de 1429, o religioso Bernardino de Siena censurou os pais que vestiam os filhos com peças que cobriam apenas até o umbigo e pernas revelavam demais partes do corpo — dando margem a imaginação dos chamados ‘sodomitas’.

Evidências sugerem que o primeiro codpiece foi construído a partir de um pedaço de pano triangular, presos às pernas e aos cantos restantes do gibão para formar um tipo de reforço. Esta aba triangular suave foi substituída por outra recheado e acolchoada, projetada para guardar o que Montaigne chamou de “nossas partes secretas”.

A masculinidade estava em alta no século 16, juntamente com noções de cavalheirismo, honra e romance. Os codpieces foram rapidamente aderidos com o propósito de provar a masculinidade da maneira mais gritante. As versões mais elaboradas eram vistosas. Nenhuma despesa foi poupada: as peças foram feitas em veludo de seda de luxo, enfeitadas com joias ou bordadas. Até os jovens foram obrigados a usá-los.

No campo de batalha, o codpiece da armadura era tanto protetor quanto assertivo. ”Em um texto satírico do autor francês François Rabelais, um personagem afirma que os genitais masculinos exigem grande proteção em batalha, assim como a natureza equipou nozes e sementes com cascas”, revela Bartels.

Armadura de Fernando I (1503-1564), imperador Romano-Germânico / Crédito: Metropolitan Museum of Art

Existem poucos exemplares de codpiece. Sobreviventes raros incluem as versões de metal feitas com armaduras e em algumas roupas. Os historiadores de fantasias argumentam há muito tempo que o codpiece caiu em desgraça como resultado da moda da feminilidade que varreu as cortes francesa e inglesa.

Rufos elaborados e calças de balonismo anunciavam uma mudança de foco para o rosto e para os quadris. “É evidente nos retratos de jovens decorosos do final do século 16 e início do século 17 de Nicholas Hilliard e pintores similares que o estilo da moda masculina tomava uma nova direção”, diz Bartels.

No entanto, a moda é mais sutil do que pensamos. Com base em investigação detalhada de fontes contemporâneas, Bartels argumenta que o codpiece entrou em uma terceira — e até então negligenciada — fase em sua evolução. Durante os anos finais do século 16, ela sugere que o codpiece foi diminuído em tamanho e, finalmente, suplantado pelo surgimento de outra tendência conhecida como peascod.

"O peascod era um estilo de gibão construído pelo uso de acolchoamento e enchimento para obter um aspecto arredondado", diz a autora. A pesquisa de Bartels sugere que o peascod era tão imbuído de noções de virilidade quanto o codpiece. Os dois são frequentemente mencionados juntos e comparados nos primeiros textos modernos. “O peapod era um símbolo sexual potente, comparado à genitália masculina. Além disso, era usada como um eufemismo para relações sexuais”.

Jacopo Pontormo retrata jovem militar / Crédito: Wikimedia Commons

“Uma exploração de desenhos em The Fair Maid (1607), feita pelo historiador Juana Green, mostra que o peapod não era apenas um símbolo de virilidade, mas também poderia representar o noivado, o casamento e a fertilidade. Eu acho fascinante que ambos os estilos possuam fortes conotações sexuais. No entanto, também estou interessado em explorar suas diferenças sutis — e como essas duas formas distintas foram lidas na contemporaneidade”, ressalta Bartels.

O aspecto exagerado do peascod foi motivo de piadas. Robert Hayman escreveu em seu poema 'Two Filthy Fashions': “De toda moda afeiçoada, que eram usadas pelos homens. Estes dois (eu espero) nunca mais serão usados”. Há amplas evidências históricas de que os homens sempre se preocuparam com a masculinidade — e especialmente com a questão do tamanho.

No século 15, o manuscrito Detti Piacevoli relata a piada, traduzida por Barbara Bowen: “Uma mulher foi perguntado sobre o tipo de pênis que preferia: grandes, pequenos ou médios. Ela respondeu: 'Os médios são os melhores'. Quando questionada sobre a escolha, respondeu: ‘Porque não há grandes’.”.

Charles, arquiduque da Áustria, com seu peascod / Crédito: Domínio Público

Moda é uma maneira de se comunicar, afirma Bartels: “Nós usamos o vestuário para construir uma imagem externa do nosso eu interior. Os itens que escolhemos para nos adornar estão repletos de mensagens culturais complexas”. A autora ainda reforça que “para mim, a coisa interessante sobre a moda masculina século 16 é a maneira pela qual ela revela o que era importante para os homens naquele momento — preocupação com a masculinidade, proezas militares e virilidade”.


+Este artigo foi traduzido de What Goes Up Must Come Down: A Brief History of the Codpiece, Victoria Bartels, University of Cambridge (licenciado por Creative Commons).