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Matérias / Arqueologia

Toca do Boqueirão da Pedra Furada: uma chave para o passado do Brasil

Conheça o sítio arqueológico encontrado na Serra da Capivara, que possibilitou reentender o passado da ocupação do continente

André Nogueira Publicado em 03/04/2019, às 13h40

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Parque Nacional da Serra da Capivara - Divulgação
Parque Nacional da Serra da Capivara - Divulgação

O parque Nacional da Serra da Capivara abarca uma série de importantes sítios arqueológicos da pré-história brasileira (para ler sobre o assunto na Amazônia, clique aquiaqui) que foram importantíssimos a partir das expedições francesas dos anos 1970 para compreendermos melhor a ocupação do território milhares de anos atrás e a formação dos "paleoíndios" brasileiros. O principal desses sítios encontra-se no Boqueirão da Pedra Furada, estrutura geológica enorme com entradas que formam tocas e um grande buraco visível que dá nome ao lugar.

O sítio encontra-se no atual estado do Piauí, em plena caatinga, mas ainda no Vale do São Francisco. Começou a ser escavado em 1978, durante a missão franco-brasileira iniciada em 1973 no município de São Raimundo Nonato liderada por Niède Guidon, e surpreende pela singular amplitude cronológica que abrange: encontrado há 19 metros da base do vale há uma estratigrafia de, no mínimo, 60.000 ou até 100.000 anos de ocupação humana, além de vestígios de animais como tigres-dente-de-sabre e preguiças gigante.

Durante os 10 anos de escavação inicial do sítio, foram encontrados diversos artefatos líticos (pontas de lança, machadinhos meia-lua, lâminas de pedra lascada, etc.), fogueiras estruturadas, cropólitos, pinturas rupestres e diversas marcas de ocupação humana.

Pintura símbolo do Parque Nacional (Fundação do Museu do Homem Americano)

Pinturas rupestres do Boqueirão (Wikimedia Commons)

Marcas na pedra (Reprodução)

As pinturas marcadas na pedra são úteis na datação do sítio. Como os blocos de parede caíram sobre o sítio, os cientistas conceberam a relação entre a datação da pigmentação e as camadas que estão relacionadas. Estima-se que a marcação mais antiga tem 23.000 anos e trata-se de duas manchas de pigmento vermelho.

Porém, em termos de ocupação humana, o dado de 60.000 anos ainda é a mais consensual. Os primeiros acampamentos pré-históricos provavelmente ocupavam a base da pedra, no encontro entre o chão rochoso e a parede de pedras. Com o passar dos séculos, a erosão e os ventos encobriam os vestígios de areia e pedra sobre os quais os próximos acampamentos se adensavam.

As primeiras camadas da chamada "fase cultural" já envolvem a presença de enterramentos, uso de fogões e prática de pinturas em parede. Datadas de antes de 17.000 anos atrás, esses registros possibilitam o estudo aprofundado das formações sociais e formas de ocupação do nordeste brasileiro e do próprio território brasileiro, chegando a trazer importantes contrapontos à hegemonia da teoria de ocupação americana a partir de Bering e a teoria de Clóvis (assim como foi a Luzia em Lagoa Santa - MG).

Estruturas contemporâneas para visitação das cavernas (FUMDHAM)

A área era amplamente ocupada mesmo em termos contemporâneos. Com o início da colonização portuguesa, diversas tribos que fugiam de diferentes regiões do Brasil buscaram abrigo na Serra da Capivara, aumentando muito a população da região. No fim do século XVII, quando a iniciativa colonial chega ao interior piauiense, há um extermínio generalizado das populações que lá ocupavam. Desde então, foram extintas as populações indígenas da região, somente ocupada por populações alóctones hoje em dia. 

Porém, sabemos que as datações extremamente antigas da ocupação indígena desse território vai botar em xeque a teoria de Clóvis (EUA), que sustentava a ideia de uma única cultura de lascamento generalizada e que marcava a ocupação do território americano do Norte para o Sul. Hoje, podemos dizer que essa teoria não se sustenta tão facilmente: no Brasil já temos registros distintos à cultura Clóvis e muito anteriores às especulações existentes, que fariam sentido somente em consonância com os estadunidenses.

Pontas de lança do tipo Clóvis (Wikimedia Commons)

Indústria lítica do Pleistoceno na Serra da Capivara (Reprodução)