"A possibilidade futura de uma ditadura mais ou menos disfarçada de democracia não é pequena", explica Lincoln Secco, historiador da USP, em entrevista ao site Aventuras na História
A ditadura militar ocorrida entre os anos de 1964 e 1985 foi um dos mais marcantes períodos da história recente do Brasil.
Na época, uma série de direitos foi retirada dos cidadãos, como a liberdade de expressão e de imprensa, sendo que muitas pessoas foram torturadas e mortas, enquanto outras foram dadas como desaparecidas.
O jornalista Vladimir Herzog foi, certamente, uma das vítimas notáveis do regime. No dia 25 de outubro de 1975, o diretor de jornalismo da TV Cultura, foi até a unidade do DOI-CODI em São Paulo para responder a um interrogatório, no entanto, não saiu do local com vida.
O que aconteceu foi que os militares, assim como fizeram a muitas outras pessoas, simularam que Herzog havia cometido suicídio no local. Mas logo a verdade veio à tona e foi constatado que ele, na verdade, havia sido torturado até a morte.
Porém, ainda que exista uma série de elementos que comprovam uma enorme supressão de direitos ocorrida durante a ditadura, existem constantes debates entre defensores e aqueles que rejeitam qualquer possibilidade de repetição do passado. Por esse motivo, o assunto é considerado um dos mais polêmicos existentes.
Para comentar o tema, o site Aventuras na História realizou uma entrevista exclusiva com o historiador Lincoln Secco. O professor da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências humanas da USP, apresentou uma série de pontos importantes que devem ser levados em consideração quando falamos em "ditadura militar brasileira".
Em primeiro lugar, devemos sempre lembrar que a história não pode ser negada ou distorcida. Como Secco enfatiza, "o negacionismo tem um histórico que remonta à própria época dos fascismos do entre guerras. Os regimes fascistas mentiam, distorciam a história e negavam seus crimes. Os nazistas jamais assumiram o Holocausto."
Lincoln ainda firma que existem historiadores que são capazes até mesmo de esconder ou justificar o injustificável, como o genocídio indígena e até mesmo a escravidão.
Não seria diferente em relação ao período militar com a manipulação das informações sobre a tortura e o desaparecimento de opositores. Com isso, há o risco de que aqueles que cometeram crimes permaneçam impunes.
Para combater esse problema, Secco considera necessário que exista "punição legal do negacionismo como crime", além da "valorização da História como disciplina científica, baseada em evidências e debates racionais."
É muito comum encontrarmos defensores da ditadura que afirmam que o período foi bom para o brasileiro. A partir do ponto de vista dessas pessoas, "tudo era melhor", o que inclui o ensino nas escolas, o acesso à saúde e até mesmo a segurança pública. A falácia também tenta argumentar que índices de criminalidade seriam muito menores do que nos dias atuais.
No entanto, Lincoln desmente esses relatos. "O que havia de 'melhor' não foi obra da ditadura e sim o resultado de décadas de lutas sociais que conquistaram um país menos desigual e em desenvolvimento". Para ele, foi justamente o contrário: a ditadura destruiu a escola pública e promoveu o aumento das desigualdades sociais e violência.
Se tratando de questões econômicas, "depois de um período de crescimento baseado em condições internacionais favoráveis e arrocho salarial, legou um país com uma inflação persistentemente alta, depressão econômica e desemprego," ressaltou.
"Em 1960, o 1% mais rico do Brasil possuía 12% da renda nacional e, em 1980, 17%", acrescentou Secco.
Não eram apenas guerrilheiros que morriam. Entre às vítimas, também havia estudantes, intelectuais, artistas, militares que se opunham àquela política e até mesmo freiras. O historiador ainda explicou o uso do termo 'terrorista', constantemente relacionado aos opositores da ditadura.
"Na América Latina, Terrorista é todo opositor considerado ilegal por uma ditadura. Houve na verdade o terrorismo de Estado: militares e civis que agiram fora das próprias leis da ditadura e torturaram, estupraram, assassinaram e esconderam os corpos."
O argumento central daqueles que defendem a ditadura se baseia na afirmação de que havia uma ameaça comunista no país. Sobre o tema, Secco declarou: "Os comunistas nunca foram uma ameaça revolucionária no Brasil. Em 1964 estavam lutando por reformas sociais dentro da lei. Os golpistas de 1964, como qualquer batedor de carteira, justificam-se com as 'melhores intenções".
Por último, quando questionado acerca de quais seriam as chances de uma nova ditadura ser instaurada na Brasil em um futuro próximo, Lincoln lembrou que "o atual governo defende abertamente a ditadura."
Considerando que as instituições estão falidas, "a possibilidade futura de uma ditadura mais ou menos disfarçada de democracia não é pequena", declarou ele, ressaltando que a ditadura de 1964 tentou parecer democrática, uma vez que criou dois partidos e manteve o Congresso em funcionamento.
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