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Matérias / América

Torturas, nazistas e pedofilia: a Colônia Dignidade, colaboradora de Pinochet

Essa comuna no interior do Chile foi fundada por nazistas e funcionou ao lado do ditador na repressão política

André Nogueira Publicado em 07/11/2019, às 08h00 - Atualizado às 08h31

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As entradas do horripilante local escondiam sua face mais grotesca - Vila Baviera
As entradas do horripilante local escondiam sua face mais grotesca - Vila Baviera

No Chile, foi fundado um enclave conhecido como Colônia Dignidade, em 1961, ocupado por nazistas fugidos da Alemanha. Com apoio do governo Pinochet, nos anos 1970 esse núcleo alemão foi beneficiado pela colaboração da Dina (polícia política), além de "incalculáveis recursos financeiros", segundo documentos recentemente desclassificados pelo governo alemão.

O local possuía um grande arsenal de armas de fogo, a ponto de ter significativa influencia na política chilena. Além da conhecida origem nazista, com sua fundação ligada ao nome de Paul Schäfer, a Colônia também foi marcada pelo violento circuito de doutrinação interna que transformava seus cidadãos em robôs, e pela série de crianças e adolescentes que foram abusados sexualmente naquele lugar.

No governo Pinochet, a Colônia Dignidade foi um reduto de prisões políticas e sessões de tortura contra opositores do general. Aquele lugar era praticamente um Estado autônomo dentro do Chile, mas com relevância para o país sul-americano. Mesmo com sua proximidade de Santiago, a Colônia desde o começo se propôs a isolar os alemães numa comunidade fechada: Schäfer, quando chegou no Chile depois de ser acusado de pedofilia na Alemanha, criou o reduto fechando-o com valas e cercas de arame.

Lá havia escolas, hospitais, lojas, mercados, estábulos, produção agrícola, geração de eletricidade e até suporte jurídico. Para tudo isso funcionar, seus cidadãos trabalhavam todo dia, o dia inteiro. As regras eram centradas na tríade Deus, esforço e disciplina, enquanto dissidentes passavam por sessões de choque e psicofármacos.

Em nome do isolamento do local, todo o dinheiro e os documentos de quem entrava lá eram retidos pelos comandantes regionais. Assim, eram todos impedidos de fugir. "A maior parte não tem contato com a moeda chilena e não mantém vínculo com o exterior há décadas", afirmou um antigo membro da comunidade. E, aparentemente, Santiago tinha pleno conhecimento do que ocorria na Colônia, mas optou pela abstenção, enquanto Schäfer preferia evitavam contato.

Algumas das crianças que foram abusadas sexualmente / Crédito: Vila Baviera

Ao mesmo tempo em que a Colônia preferia não interagir com o governo de Santiago, é relatado o quanto a utopia de Schäfer colaborou com a Dina durante os anos Pinochet. Uma fugitiva do local chegou a relatar que a presença de Manuel Contreras, que chefiava a instituição, era constante em jantares em Dignidade: "Cozinhei para ele."

Ao mesmo tempo em que muitos membros da Dina treinavam e participavam de interrogatórios dentro da Colônia, já foi constatado que os alemães também forneciam materiais como transmissores de rádio para a polícia, que possivelmente foram usados na Operação Condor. Pinochet também aproveitou o conhecimento dos locais para construir túneis e bunkers no Chile.

Outro fugitivo da Colônia relatou que, a partir de 1973, era comum que carros da Colônia Dignidade estivessem em instalações da Dina em Parral, cidade próxima, onde prisioneiros políticos eram torturados e depois levado para a comuna. Schäfer foi denunciado várias vezes por violação dos direitos humanos.

O lugar tinha um grande centro de comunicação / Crédito: Vila Baviera

Outro relato assustador prova a associação entre a Colônia e o massacre de Cerro Gallo, em 1975, quando esquadrões militares fuzilaram dezenas de prisioneiros que foram enquadrados como guerrilheiros. Aparentemente, os colonos não só participaram do tiroteio, mas o fizeram enquanto "vestiam velhos uniformes alemães". Com armas melhores que as do exército chileno – que eles mesmos fabricavam –, a Colônia Dignidade era um local poderoso e perigoso.

Segundo um documento alemão com testemunhos de fugitivos, o caráter social da Colônia “é uma fachada. Na verdade trata-se de uma potente firma comercial que fornece produtos a dois supermercados e cuja operação provavelmente inclui minas de ouro e extração de titânio.”

Paul Shafer / Crédito: Wikimedia Commons

Ou seja, essa é uma chave para entender o misterioso fato de que aqueles alemães possuíam meios financeiros de grande escala. Inclusive, o local possuía contas em dólares na Alemanha. Porém, é difícil saber quanto dinheiro circulava lá, pois tudo era centrado no quarto pessoal de Schäfer, que controlava todo o dinheiro.

Por mais que a Alemanha Ocidental tenha negado por toda sua História, já é sabido que não só sua embaixada manteve relações com os nazistas no Chile, tomando ciência do que ocorria no local, como o país também era cliente dos produtos exportados de lá, desde o início da colonização. Os alemães na Europa Ocidental basicamente fizeram vista grossa para os alemães na América, preferindo boas relações com os ex-militares nazistas e com o regime ditatorial de Pinochet.

Vala comum com vítimas da comuna / Crédito: Associación por la memória y los derechos humanos Colônia Dignidad

O aparato jurídico da Alemanha Ocidental foi usado diversas vezes para impedir processos prejudiciais à Colônia Dignidade e muitos críticos àquele enclave foram processados pelos alemães. Em 1980, os europeus tentaram mudar sua posição em relação a Schäfer (que era foragido na Europa por pedofilia), mas não foi de muita atuação, já no final da Ditadura Pinochet e da Guerra Fria.

Foi apenas com a abertura democrática no Chile que Schäfer teve sua boa vida ameaçada. O presidente Aylwin prometeu uma profunda investigação da Colônia e seu líder fugiu para Argentina em 1997, onde foi detido em 2005. Foi condenado por abuso sexual de menores, tortura, assassinato e posse ilegal de armas. Ele morreu em 2010, na prisão. Felizmente, a Colônia Dignidade não existe mais.


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