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Matérias / Saúde

Há 226 anos, surgia a primeira vacina do mundo

Na Inglaterra, após muitos esforços, testes e estudos, Edward Jenner conseguiu erradicar uma doença utilizando a vacinação

Tiago Eloy Zaidan Publicado em 07/12/2020, às 15h00 - Atualizado em 14/05/2022, às 00h51

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Fotografia meramente ilustrativa de vacina - Divulgação/ Pixabay
Fotografia meramente ilustrativa de vacina - Divulgação/ Pixabay

Dentre as epidemias que varreram a humanidade, a varíola é certamente das mais mitológicas. Vista como castigo divino, arrebatou cerca de 400 mil europeus por ano no século 18 e contribuiu decisivamente para o extermínio de nações no Novo Mundo, como os astecas e os incas, relatam os pesquisadores Elvino Barros, Jordana Guimarães, Lenita Krebs e Juarez Cunha.

Na Inglaterra, a varíola chegou a ser responsável por uma em cada sete mortes de crianças. Plebeus ou nobres, o vírus não perdoava ninguém. Dentre as crianças vitimadas, havia até herdeiros do trono britânico. Os que escapavam da morte carregavam no rosto e no corpo a desfiguração provocada pela doença.

Em 1980, as diversas campanhas de vacinação pelo mundo mostraram resultado. Um comunicado oficial da Organização Mundial de Saúde declarava a varíola erradicada.

Tendo considerado o desenvolvimento e os resultados do programa global sobre erradicação da varíola iniciado pela OMS em 1958 e intensificado desde 1967. A OMS declara solenemente que o mundo e seus povos ganharam liberdade contra a varíola, uma doença devastadora que desde o início varreu de forma epidêmica muitos países deixando a morte, a cegueira e a desfiguração no seu rastro e que há apenas uma década foi desenfreada na África, na Ásia e América do Sul.

Mas o caminho seguido por cientistas até conseguirem chegar nesse momento histórico citado acima tem uma origem distante.

Cowpox

Era um período difícil e de grande profusão de enfermidades. As cidades cresciam e se tornavam mais próximas, facilitando a transmissão de moléstias. Exatamente nesse contexto, o médico e naturalista Edward Jenner (1749-1823) investigou crenças cultivadas no interior do Reino Unido.

No meio rural, havia se disseminado a ideia de que uma vez infectado por uma forma atípica da varíola, chamada de cowpox, a pessoa estaria imune à varíola propriamente dita. A cowpox, assim como a varíola, provocava feridas purulentas. Todavia, tais sintomas se restringiam às mãos e aos braços, e então desapareciam. A cowpox se manifestava no úbere das vacas e era transmitida aos sitiantes no ato da ordenha.

Quadro Lição de Anatomia do Dr. Tulp, de Rembrandt / Crédito: Getty Images

Mergulhado em sua investigação, o médico e naturalista chegou ao intrigante caso de um camponês que contaminou deliberadamente a família com a cowpox, como forma de protegê-la da doença. Jenner estava a um passo de conceber a vacina.

Variolação

Há registros sobre uma prática chamada variolação, que remonta à China e depois à Europa do século 16, baseada na observação de que um sobrevivente à varíola não mais contraía o vírus.

“A variolação era praticada por senhoras que visitavam as casas durante reuniões festivas, trazendo uma pequena quantidade de pus de varíola. Os pacientes, geralmente crianças, eram puncionados com uma grossa e sólida agulha molhada em pus”, mencionam os pesquisadores Nelson Vaz e Ana Maria de Faria.

Em poucas semanas os sintomas apareciam, mais brandos. Se desse certo, a pessoa inoculada estaria livre de ser contaminada pela varíola. Como não havia controle sobre o resultado da inoculação deliberada, o índice de mortalidade da técnica era alto.

Jenner não compartilhou da técnica da variolação. O médico recorreu ao cowpox. Após sistemáticas observações, partiu para uma ousada experimentação. Inoculou o pus da cowpox em uma criança de 8 anos. Depois de seis meses, inoculou a mesma criança com o pus de um caso agressivo de varíola. O vírus sucumbiu.

Várias experiências depois, chegou-se à “vacina humanizada”, método pelo qual se retirava o pus que surgia nas feridas de um inoculado e injetava-se em outra pessoa. O método aportou no Brasil em 1804, com Felisberto Caldeira Brant Pontes, o marquês de Barbacena.

Em 1840, após constatar que a proteção oferecida pela vacina humanizada era perecível e que o procedimento era passível de transmitir outras doenças entre os inoculados, como tuberculose e sífilis, os cientistas voltaram-se para o pus da cowpox das vacas. 

Vacina animal

O líquido terapêutico oriundo diretamente dos animais recebeu o nome de “vacina animal”. Mas ainda não resolvia o problema da perda do efeito imunizante com o tempo. A solução foi indicar a revacinação, o que forneceu munição aos desconfiados e opositores declarados ao procedimento terapêutico.

“A demora na difusão da vacina animal nos países europeus decorreu, principalmente, do receio, tanto técnico como moral, do uso de um produto terapêutico extraído da vaca. Afirmava-se, na época, que a inoculação da vacina ‘avacalharia as pessoas’, transplantando-lhes características do animal”, relata a pesquisadora Tânia Fernandes. Havia um ponto positivo a ser considerado: o procedimento direto com o ruminante eliminava a fase de punção da ferida dos humanos, cuja dor causada era terrível.

A vitória

Com ou sem dor, a vacina venceu, e a varíola foi considerada a primeira doença importante a ser erradicada pela humanidade. O último registro de varíola naturalmente adquirida é de outubro de 1977, na Somália. Atualmente, em tese, o vírus da doença só pode ser encontrado em alguns laboratórios do mundo.

São mantidos para fins científicos, como para um eventual estudo do genoma, esclarece José Luiz de Lima Filho, médico e diretor científico do Laboratório de Imunopatologia Keizo Asami da Universidade Federal de Pernambuco.

Edward Jenner / Crédito: Wikimedia Commons

O método de Jenner foi aperfeiçoado e evoluiu. Além de vitelos, embriões de galinha e coelhos, dentre outros animais, foram utilizados como meio de cultura. Técnicas de purificação e conservação foram inseridas ao modus operandi, para filtrar a secreção das pústulas, possibilitando a exclusão de materiais orgânicos como restos celulares e micro-organismos não necessários ao efeito da vacina.

Nesse sentido, o uso da glicerina tem destaque, a partir de 1886, em Berlim. "No final do século 19, os trabalhos do cientista francês Louis Pasteur apresentaram a ideia de que as doenças são causadas por micro-organismos e que elas podem ser evitadas por meio de vacinas ou soros específicos", relatam Nelson Vaz e Ana Maria Faria, no livro Guia Incompleto de Imunobiologia. Foi o advento do que foi nominado como Teoria dos Germes.

Sistema imune

Grosso modo, o que a vacina faz é substituir o agente causador pleno da doença, enganando o organismo e induzindo-o ao desenvolvimento da memória imunológica, ou seja, de defesa. O invasor inoculado pela vacina é na realidade um engodo. Quando a doença propriamente dita aparece, o sistema imune já está preparado para combater o inimigo, como se este fosse um velho conhecido.

É consenso entre os autores que Jenner chegou à vacina sem dominar o funcionamento do sistema imunológico humano, responsável por nossas defesas. Por um simples motivo: a imunologia, na condição de ciência, ainda não havia surgido. Somente mais tarde seria desenvolvida uma teoria que explicaria, de fato, o funcionamento da vacina. Até então, sua eficácia era conhecida apenas por meios empíricos.

As vacinas estão diretamente relacionadas ao aumento da expectativa de vida das pessoas e até mesmo dos animais. Basta observar os efeitos da vacina antirrábica (descoberta por Pasteur) e a de combate à febre aftosa, esta largamente utilizada em rebanhos bovinos. As vacas, heroínas no início do desenvolvimento das vacinas, puderam finalmente beneficiar-se do imunoterápico cujo nome as homenageia.