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Vitrine / Crimes

Confira um capítulo da obra Richthofen: O assassinato dos pais de Suzane

Através de uma narrativa ficcional, Roger Franchini apresenta os bastidores da investigação que chocou o mundo

Victória Gearini Publicado em 08/10/2020, às 19h56

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Retrato de Suzane von Richthofen - Divulgação
Retrato de Suzane von Richthofen - Divulgação

Em 2002 a sociedade brasileira se escandalizou com o brutal crime cometido por Suzane von Richthofen. Na época, a jovem de classe média alta foi responsável por orquestrar a morte dos seus próprios pais. Com ajuda dos irmãos Daniel e Cristian Cravinhos, o plano dos assassinos era dividir a alta herança deixada pelo casal Richthofen

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Obra Richthofen: O assassinato dos pais de Suzane, de Roger Franchini (2020) / Crédito: Divulgação / Editora Planeta

Recém lançada pela Editora Planeta, a obra Richthofen: O assassinato dos pais de Suzane, de Roger Franchini apresenta o crime que escandalizou o país no inicio do século. Após 15 anos dos assassinatos, Suzane ainda é lembrada como a jovem fria e calculista que planejou meticulosamente a morte dos próprios pais.

Por meio de uma narrativa ficcional  e acessível, o autor apresenta os bastidores da investigação que logo ganhou destaque nos noticiários brasileiro.

A partir do ponto de vista de três policiais, o autor aborda, ainda, suspeitas, evidências, responsáveis pelo inquérito e depoimentos chocantes dos autores do crime, são alguns dos elementos explorados na obra 

Disponível na Amazon, Richthofen: O assassinato dos pais de Suzane trata-se de uma narrativa que reconstrói os nove dias do crime que escandalizou o pais e que, ainda hoje, é lembrado pelos requintes de crueldade.


+Com autorização da Editora Planeta, a Aventuras na História reproduziu, na íntegra, o capítulo Sobre a toalha de sangue. Confira:

Sobre a toalha de sangue 

O barulho de sapatos caminhando pela madeira do assoalho no andar de baixo chamou a atenção dos policiais que observavam o corpo do homem de pernas cruzadas na cama. Por um instante, abandonaram o cadáver e voltaram-se para a porta, aguardando a chegada daqueles que pisavam firme. 

Ao chegarem ao quarto, um homem gordo, de barba espessa e com uma barriga que fazia o terno arredondar-se ao longo da silhueta, trazia consigo três outros, mais jovens e mais informais, todos com pranchetas na mão.

— Bom dia, doutor. Sou o delegado Joaquim, do DHPP. Fiquem à vontade para fazer o serviço de vocês, só vamos tirar algumas fotos, fazer nosso BO e ir embora. Alguém mexeu na arma ali no chão?

Os policiais que o acompanhavam distribuíram-se pelo quarto. Olharam a janela, o chão, debaixo da cama. Rodrigo, atento, chegou a perguntar-se por que não tivera aquela mesma ideia. Estava decidido que na tarde daquele dia iria comprar uma lanterna tática, como aquelas que os investigadores do DHPP traziam. 

— Ninguém da minha equipe colocou a mão em nada. — Rubens tentou ser simpático e sorriu abertamente pela primeira vez naquela noite. — A casa é grande. Ainda não fomos aos fundos.

— Se o senhor quiser, pode ir lá agora.  

— Depois que terminarmos aqui, e se eu achar conveniente… — A resposta foi dura. Até o PM entendeu o recado que Rubens quis dar aos policiais do Departamento de Homicídios. Quando se deu conta de que deixara transparecer um princípio de descontentamento, tentou remediar: — … Quem sabe encontramos algumas cervejas por lá.

Para confirmar que não havia sinais de rancor, fez sua risada acompanhar-se de amigáveis tapinhas nas costas do delegado. 

Os investigadores recém-chegados ao quarto pediram que todos se afastassem. Queriam registrar o lugar numa fotografia ampla, tomada da entrada do recinto. Começaram a dirigir os movimentos dos que estavam presentes para forjar a solidão dos mortos, como se o casal estivesse abandonado na cama, sozinho no lugar. 

Depois de fotografarem o detalhe da arma no chão, alguém avisou:

— Vamos retirar a toalha dele. 

Rodrigo esperava esse comando. A face do cadáver afundada no corpo quase não se diferenciava do pescoço. Só sabiam o limite dos membros por causa da barba. 

No topo da cabeça, onde se iniciava a calva, uma grossa mancha de um vermelho intenso percorria a testa, descia em direção à nuca confundindo-se com os cabelos e percorria alguns centímetros atrás da orelha como uma máscara mórbida. 

De maneira estranha, não havia sujeira de sangue na pele branca do rosto. Ao ver a cena, Eduardo confirmou sua ideia de que o morto fora limpo com água. 

Os olhos ainda entreabertos pareciam observar a movimentação das pessoas ao seu redor. Talvez tenham visto o rosto do assassino antes de morrer. O queixo, visivelmente fraturado, caía para o lado direito, deixando os dentes à mostra. O policial com a câmera na mão aproximou-se para registrar a figura deformada. 

— Tem uma pancada forte do lado direito. Olha só como o sangue escorregou. Nariz quebrado, afundamento da testa — disse o investigador, guardando a câmera no bolso da jaqueta.

— Anote aí, Marquinhos — orientou o delegado do DHPP, descansando os braços sobre a saliente barriga. — Múltiplos ferimentos contusos na região frontal. E... incisivo na região anterior do pescoço. Marca de formato circular emergindo aproximadamente catorze milímetros na região zigomática direita; ferimento corto-contuso na região parietal direita.

— A mulher está pior — disse o policial militar, ignorado pelos outros policiais, exceto por Eduardo. Ao perceber que o investigador lhe dera atenção, começou o relato em voz alta para quem quisesse ouvir: — Quem nos chamou foram os filhos do casal. A moça se chama Suzane, de dezenove anos, e o irmão é o Andreas, de quinze. A menina disse que esta madrugada saiu com o irmão e voltaram por volta das quatro da manhã. As portas estavam trancadas, e quando entraram na casa viram as luzes acesas. Não tiveram coragem de subir para ver se os pais estavam bem. Ela então ligou para o namorado, Daniel, e ficaram lá fora nos esperando. Entramos e fomos para a biblioteca, estava tudo bagunçado e jogado no chão. No escritório tem uma maleta arrombada onde a família guardava dinheiro.

— Vazia? 

— Sim. A menina disse que havia um dinheiro lá. Quando chegamos aqui no quarto encontramos os corpos e a arma aí ao lado. Descemos e avisamos os filhos sobre as mortes.

— Eles conhecem a arma? — A pergunta de Rubens fez os investigadores do DHPP interromperem seus trabalhos para ouvirem a resposta.

— Disseram que o pai tinha uma arma que ficava guardada num fundo falso deste armário. Mas, como não vieram aqui, não souberam dizer se é a mesma. 

— Família rica, né? — quis saber Rodrigo.  

— O ruivo aí se chama Manfred. É alemão. Engenheiro, trabalha no DERSA. Quer dizer, trabalhava. 

— DERSA? — Rodrigo desistira de acompanhar o trabalho dos investigadores do DHPP. A descrição do policial militar era mais atraente que a burocracia dos mortos. 

— O Departamento de Estradas e Rodagem do Estado.  

Eduardo quis acender um cigarro quando ouviu isso, mas achou que o local não era adequado. Só pôde virar a cabeça bruscamente para o lado para ouvir seu pescoço estralar. O delegado do DHPP interrompeu a narrativa do PM: 

Marquinhos, me faz uma fineza e descobre a mulher. Vamos vê-la, doutor?

Ao remover o cobertor, encontraram-na deitada de lado, virada para fora da cama. As manchas de sangue pelo corpo eram mais aparentes que as encontradas no marido. Em comum, o saco preto sobre a cabeça. 

Os antebraços tinham estrias roxas que seguiam até as mãos, conduzindo o olhar dos policiais para a fratura nos dedos da mão direita. 

— Ela tentou se defender das pauladas. Quanta raiva. 

— Gente sem Cristo. — O PM se abençoou numa oração solitária. 

Retirado o saco plástico da cabeça, encontraram uma toalha ensanguentada. Uma das pontas estava enfiada em sua boca, inflando a bochechas com a quase metade do tecido. O investigador perguntou se poderia retirá-la do interior do cadáver para analisar melhor.

O delegado do DHPP perguntou a Rubens se ele via problemas no procedimento. Com a concordância dos dois, puxou-se devagar a toalha. Rodrigo ficou intrigado com o volume de pano que viu sair da boca da mulher. 

Saco plástico e toalha colocados ao lado da cabeça, puderam ver que nela os ferimentos eram mais profundos. 

Eduardo não conseguiu identificar no cadáver a mulher que viu incomodada na fotografia do andar de baixo. Seus olhos estavam fechados por causa do inchaço das órbitas provocado pelas pancadas. Os ferimentos davam ideia da dor que poderia ter sentido no momento da agressão.

— Doutor, vou apreender a arma, dar uma andada pela casa e ver se encontro algo estranho por aí. — O delegado do DHPP conversava com Rubens, mas mantinha os olhos no trabalho dos policiais sobre o casal na cama.

— Nós estamos indo embora. Já fizemos o que precisávamos, e ainda preciso entregar o plantão para a equipe que vai entrar agora. Só vou conversar com os filhos do casal lá fora antes de partir. Pegou todas as informações de que precisava, Rodrigo?

O investigador, distraído com os cadáveres, quase não ouviu a pergunta. Olhou para a prancheta e percebeu que não sabia por onde começar a história que contaria no boletim de ocorrência. 

Tinha anotado informações soltas, desconexas, nada que ensejasse um enlace dos eventos. Apesar de o estado físico do ruivo e da mulher estar minuciosamente descrito no papel, faltava ainda o elo narrativo que uniria o motivo da presença dos policiais naquela casa e os defuntos estendidos na cama.

Deveria relatar apenas a chegada ao local do crime, a condição do cenário e objetos de interesse para a investigação. Mas seu discurso não poderia vincular-se à frieza de uma planilha de cálculo. 

Dada a importância da ocorrência, sabia que a imprensa e os superiores iriam ler suas palavras com atenção redobrada. Sua obra seria julgada com severidade acadêmica, então deveria encadear os fatos de forma clara, atraente, sem deixar margem para crítica dos curiosos.  

— Doutor, infelizmente, antes de entrar na casa eu orientei o meu pessoal para que conduzisse os filhos e o namorado para o DHPP. — Rodrigo sentiu-se aliviado com a intromissão do delegado. Não precisaria mais responder à pergunta de Rubens. — O senhor sabe que a imprensa vai querer esse crime resolvido rapidamente. Então não podemos perder tempo para colher o depoimento deles. 

— Sem problema — respondeu Rubens. E dirigindo-se à sua equipe: — Rodrigo, depois você pega a qualificação do pessoal. O ruivo era engenheiro do DERSA. Talvez a cobrança sobre o caso venha da Secretaria de Segurança Pública. Edu, vamos embora. 

Rubens apertou a mão de seu companheiro de profissão, acenou para os investigadores e rumou para a porta, seguido por seus subordinados.

— O DERSA tem mais de quinhentos engenheiros como este — respondeu o delegado do DHPP enquanto retribuía o aperto de mão —, um a mais ou a menos não é motivo para pressão.

Ao descerem as escadas, o PM gritou do quarto se não gostariam de ficar com uma cópia do boletim de ocorrência que ele tinha feito. Rubens olhou para trás sem interromper a caminhada até a porta de saída da casa e, em rápidas palavras, ordenou a Rodrigo que copiasse os dados pessoais dos mortos e dos filhos. O investigador obedeceu, prendendo o documento em sua prancheta. 

Enquanto descia sozinho a escada, olhou para as informações que o PM coletara e ficou feliz com o que encontrou. Apesar de muito técnico, o começo da narrativa do policial militar era exatamente o que procurava para iniciar a sua. 

Na sala, encontrou Eduardo parado, já com outro cigarro aceso na boca, observando as fotografias da estante de roda de carroça:

Rodrigo, cadê o porta-retratos que estava ali no meio? 

— Não vi, Edu. Para mim, estão todos aí. 

— Está faltando a foto com o governador.  

Rodrigo olhou com atenção para a estante, mas não se lembrava do retrato que Eduardo estava mencionando. Tinha notado muitos outros com deputados e senadores. Se tivesse visto ali uma foto do morto com o governador, certamente se lembraria com facilidade. 

E, para ele, os objetos estavam perfeitamente alinhados, não pareciam ter sido mexidos. Não havia sequer espaço vazio na prateleira indicando que algum dos porta-retratos teria sido subtraído dali. Poderia ser um engano do velho investigador. 

De qualquer forma, era uma informação que julgou desinteressante para constar de seu boletim de ocorrência. Avisou ao colega que o encontraria na viatura, junto com o delegado.

Eduardo não tinha dúvida de que a fotografia com o governador tinha sido retirada da estante enquanto estavam no quarto. A figura bonachona da autoridade era de fácil memorização. A armação dos óculos, a calvície... só poderia ser ele.

— Ô, Edu. Deixa eu te contar uma coisa que sei que vai gostar. — O PM desceu para conversar com o investigador. — Quando eu contei pros filhos dos presuntos lá em cima que os pais deles estavam mortos, ninguém chorou.

— Ninguém? 

— Nada. Só depois de uma meia hora é que a moça ameaçou derramar lágrimas, mas de um jeito assim bem chocho, sabe? E o mais novo não disse nada. Ficou caladão, comentando baixinho com a irmã e o cunhado. Isso é reação de filhos que tiveram os pais mortos a cacetadas?

— Já contou isso pros polícia do DHPP? 

— Quero que esse pessoal se foda. — O policial militar olhou para cima, diminuindo o volume da voz. — Se são tão bons, que descubram sozinhos.

O PM queria retribuir as refeições e os bicos que Eduardo sempre lhe conseguia. A amizade de trabalho, apesar de antiga, não era tão forte a ponto de conhecerem a vida pessoal um do outro. O investigador não o conhecia sem a farda, e muitas vezes era preciso que o policial militar, quando à paisana nas horas de folga, se identificasse para ser reconhecido.

Eduardo brincava que o semblante de PM também mudava quando eles tiravam o uniforme, por isso ficavam tão estranhos à paisana.

— Viu o quarto do garoto, Edu? 

— Só de relance. 

— Tem uma montanha de travesseiros embaixo do cobertor. Lembra do filme Curtindo a vida adoidado? Pois é. A mesma coisa. Alguém montou aquilo para fingir que dormia.

— O garoto fez isso? 

— Eu lá vou saber? O tira aqui é você. Se quiser que eu faça seu serviço, deixa seu salário comigo. 

Eduardo riu e agradeceu a informação. Disse que a investigação não seria feita pelo distrito policial, mas pelo Departamento de Homicídios. Despediram-se com um abraço. 

Na saída, o sol já apontava no horizonte. Enquanto caminhava para o portão, encontrou um homem grisalho, de óculos combinando com o terno e maleta de couro na mão, indo na direção da casa. Quis perguntar quem era e o que fazia ali, mas a pressa de ambos o impediu. O homem, apesar de quase trombar com Eduardo, não o cumprimentou, nem mesmo o olhou nos olhos. 

Estava tão firme em seu propósito de entrar que convenceu Eduardo a não interrompê-lo.

A aglomeração de pessoas no portão tinha aumentado enquanto estavam no interior da casa. A imprensa com suas câmeras e mais policiais com suas viaturas. Foi preciso pedir licença ao policial militar responsável pela fiscalização da entrada.

Ao abrir a porta do carro, encontrou Rubens de mau humor. 

— Caralho! Perdi a prova. Que merda! 

— Doutor, quem era a figura de terno e maleta que entrou agora na casa? — perguntou Eduardo, enquanto tomava seu lugar no banco do motorista do carro. 

— Um advogado do DERSA. Ele quer acompanhar as investigações.

— E desde quando órgão público acompanha investigação de homicídio de seus funcionários?

— Eu sei lá, Edu. Toca essa porra pra delegacia. Quero acabar logo essa merda de BO, entregá-lo para o titular e sumir desse DP. Perdi mais um concurso. Às vezes dá vontade de me enfiar de vez nessa merda de Polícia, tá sabendo? Acabar com essa história de concurso e começar a ganhar dinheiro como gente grande faz.

— Quanto ganha um engenheiro do DERSA? — perguntou Rodrigo enquanto devolvia o revólver que Eduardo havia lhe emprestado.

Eduardo se lembrou de ter pagado quatro mil reais para um engenheiro aposentado quando precisou de um projeto para a ampliação do escritório. 

A mesma quantia que um delegado com trinta anos de profissão recebia em seu contracheque.

— O suficiente para morrer a pauladas.


++AH - SUZANE VON RICHTHOFEN: O CRIME QUE CHOCOU O BRASIL


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