Esqueleto com chocalho descoberto em Palência, Espanha, em 2011 - Divulgação/Sociedad De Ciencias Aranzadi
Arqueologia

O melancólico caso do esqueleto de uma mulher enterrada com o chocalho do filho

Em 2011, arqueólogos puderam resgatar a história de uma mãe morta pela repressão franquista durante a Guerra Civil Espanhola

Redação Publicado em 06/03/2022, às 10h00 - Atualizado em 07/03/2022, às 16h21

Durante escavações feitas em 2011 onde hoje estão balanços de crianças no Parque La Carcavilla, na cidade de Palência, na Espanha, pesquisadores descobriram um esqueleto enterrado sem caixão junto a um chocalho rosa e amarelo brilhante em forma de flor.

Na época da Guerra Civil Espanhola, entre 1936 e 1939, ali ficava situado o cemitério municipal, onde foram enterradas cerca de 250 vítimas da repressão de Francisco Franco, ditador que ascendeu ao poder durante o conflito.

Para descobrir se o brinquedo poderia remontar àquele período, o etnógrafo Fermín Leizaola foi responsável por cortar um pedaço do plástico e aproximá-lo de uma chama. O objeto acendeu e fez com que um "cheiro característico de cânfora" ficasse no ar.

Como reportou o jornal El País em 2019, o experimento foi capaz de provar que o chocalho era antigo: ele era feito de celuloide, plástico desenvolvido em 1870 e usado em muitos objetos do dia a dia até os anos 1970. Poderia ser da época da Guerra Civil Espanhola.

Quando o objeto foi descoberto, a antropóloga da Sociedade de Ciências Aranzadi, Almudena García-Rubio, comentou durante as escavações que “parecia uma piada”. "Este é o objeto mais chamativo e comovente que pôde ser retirado de uma fossa da Guerra Civil", afirmou.

Histórias por trás do esqueleto

O chocalho descoberto na vala / Crédito: Divulgação/Sociedad De Ciencias Aranzadi

 

Além de ser um importante registro histórico para pesquisadores, em especial na arqueologia, para que períodos históricos possam ser entendidos mesmo muito tempo depois, a descoberta também se tornou importante para a família do corpo encontrado ali.

Quem estava enterrada na vala era Catalina Muñoz Arranz, de 37 anos, nascida no povoado de Cevico de la Torre, localizado a 30 quilômetros da capital de Palência. Ela foi detida em 24 de agosto de 1936, pouco mais de um mês após o golpe liderado por Franco.

No julgamento, afirmou-se que ela havia ido às manifestações, lavou sangue das roupas do marido, que bradava a morte da Guarda Civil, que comemorava a Rússia e que havia dito: "Ainda vamos vencer e vamos fazer deles tajadillas [fritura de pedaços de carne]".

Ela não era alfabetizada, mas conseguiu assinar seu nome na declaração em que assumiu culpa por ter ido às manifestações, negando as outras acusações, no dia 5 de setembro daquele ano. Ela foi condenada por rebelião militar com a pena máxima, ainda que não houvesse provas.

No sumário do caso, está escrito que Arranz morreu em 22 de setembro "cinco e meia do dia [...] por ferimentos causadas por arma de fogo de pequeno projétil no crânio e no peito", detalhes que arqueólogos puderam observar em esqueleto por meio de um exame osteológico anos depois, em 2011.

"Entre a centena, aproximadamente, de mulheres assassinadas nos primeiros meses da guerra na província de Palência, Catalina Muñoz é a única que foi julgada e condenada à morte, o resto eles executaram", explicou Pablo García-Colmenares, professor de História Contemporânea da Universidade de Valladolid e presidente da Associação para a Recuperação da Memória Histórica de Palência (ARMH) ao jornal.

A mulher tinha quatro filhos quando foi morta. O mais novo tinha 9 meses e provavelmente era o dono do chocalho descoberto em 2011. Quando falou com o El País sobre sua história em 2019, Martín de la Torre Muñoz tem 83 anos e vivia em Cevico de la Torre.

Além do brinquedo, a vala contava ainda com solas de borracha dos sapatos de Catalina, botões e colchetes de metal. Os pertences dela não haviam sido reivindicados na época e por isso foram enterrados junto com seu corpo.

Depois de encontrados pelos arqueólogos, os objetos poderão voltar à família após tantos anos, após Martina, a filha de Martín, ter iniciado os trâmites necessários para recuperar o corpo e o tão querido chocalho.


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