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Matérias / Dom Sebastião

Impostor de Dom Sebastião: O homem que fingiu ser um rei morto

Em entrevista exclusiva ao Aventuras na História, o historiador André Belo fala sobre um dos mais famosos impostores que se passaram pelo rei Dom Sebastião de Portugal

Ingredi Brunato Publicado em 13/11/2023, às 20h12

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Pintura retratando Dom Sebastião - Domínio Público
Pintura retratando Dom Sebastião - Domínio Público

Dom Sebastião é um rei de Portugal que faleceu em agosto de 1578 durante a Batalha de Alcácer-Quibir, ocorrida na África. Aos 24 anos, o monarca não era casado e nem possuía herdeiros, de forma que sua morte causou uma crise política. 

Isso, pois, o próximo na linha de sucessão era um tio-avô de Sebastião que já tinha idade avançada. Quando ele também pereceu, apenas dois anos mais tarde, o trono português foi reivindicado por ninguém menos que Filipe II, governante da Espanha — que era um reino inimigo. 

Foi um período conturbado para Portugal, e, no meio disso, surgiu um mito que perduraria por séculos: o sebastianismo, que defendia que Dom Sebastião ainda estava vivo e retornaria. Com ares conspiratórios, a lenda nacional foi tão forte que chegou a gerar debate entre historiadores. 

Conforme esclarecido pelo historiador André Belo em seu livro "Morte e Ficção do Rei Dom Sebastião", no entanto, o mito não passa de uma fake news histórica. Em entrevista exclusiva ao Aventuras na História, ele aponta que o sebastianismo começou a ganhar notoriedade duas décadas após a batalha de Alcácer-Quibir, com um de seus maiores protagonistas sendo um farsante de Veneza que dizia ser o rei português que retornou do além. 

Capa do livro 'Morte e ficção do Rei Dom Sebastião' / Crédito: Divulgação

Os primeiros sebastianistas nascem ou ganham importância em volta desse caso de Veneza. Portanto, os textos [produzidos por sebastianistas] que vão ser escritos são em torno deste episódio", explicou o autor. 

Impostores 

Vale mencionar que houve mais de um impostor que afirmava ser Dom Sebastião, o que sempre terminava com a execução dos farsantes, dado que as autoridades da época puniam com a morte aqueles que tentavam se passar por um membro da realeza. 

Começou a haver casos de impostores, de gente que se fez passar por D. Sebastião, ou que se dizia que era D. Sebastião, as histórias acabaram mal, em geral com condenação à morte, porque era um crime grave dizer-se que era um rei dado como morto, portanto, era uma usurpação de identidade, e, em geral, o que acontecia nessa época, sem piedade, era a condenação à morte", relatou Belo

Nenhum deles, entretanto, conquistou tanta relevância quanto o de Veneza, que, na verdade, era natural de Calábria, uma cidade na Itália. Tanto é que ele, inclusive, demorou a ser executado, mantendo sua farsa durante cinco anos até receber a pena capital. A parte mais estranha da história, porém, é que as mentiras do impostor nem mesmo eram convincentes: 

"[Ele] não tinha nenhuma relação com Portugal, não sabia falar português e diziam também que ele não era parecido com D. Sebastião, já que era moreno, enquanto o D. Sebastião era loiro ou ruivo. Enfim, havia uma série de coisas que se diziam sobre a impossibilidade dele ser D. Sebastião (...) Me surpreendeu que uma história como essa, sem pé nem cabeça, como se diz em Portugal, durasse cinco anos. Mas durou. Ele foi detido em várias prisões e a duração [da mentira] me surpreendeu", afirmou o escritor

Ilustração representando batalha de Alcácer-Quibir / Crédito: Wikimedia Commons 

O historiador compartilha uma história curiosa com o site Aventuras na História. Um homem de Portugal, que conheceu o farsante, decidiu submetê-lo a um teste, pedindo que traduzisse um texto do italiano para o português. O resultado deixa óbvia a falta de fluência do falso Dom Sebastião.

De acordo com a descrição de André Belo, que pôde consultar essa 'tradução' na íntegra em um documento histórico que encontrou em Florença, "é um português macarrônico, uma espécie de mistura entre italiano, português, alguma coisa de espanhol".

A grande mentira

A fim de explicar porque a farsa do impostor de Veneza foi tão duradoura, o pesquisador teoriza que existiam figuras políticas beneficiadas pela continuidade da tramoia. 

Uma das interpretações que eu dou, enfim, a principal, é que havia interesses políticos dos diferentes Estados que tiveram em mãos essa pessoa em mantê-lo na prisão, em mantê-lo vivo, não o condenar à morte. É uma história que é surpreendente porque, em princípio, ele devia ter sido rapidamente condenado à morte ou remar perpetuamente nas galés, nos barcos. E não foi isso que aconteceu. E só ao fim de alguns anos que isso veio a acontecer", apontou o pesquisador. 

Outro detalhe importante abordado pelo livro, é que alguns estudiosos e historiadores que analisaram o sebastianismo nutriram o debate a respeito da volta de Dom Sebastião.

Esse debate, porém, não possui embasamento, dado que as fontes históricas que relatam sua morte "não deixam margem para dúvida". Esses questionamentos se originam, na verdade, de teorias conspiratórias criadas décadas após o falecimento do rei, de forma que eles não devem ser vistos como legítimos. 

Surpreendeu-me também que houvesse alguns estudiosos que continuassem a dizer que o caso [do Sebastião falso de Veneza] era um pouco perturbador, porque ele falava bem português e lembrava-se de tudo. Ora, isso tudo são projeções, mais uma vez, das fontes sebastianistas", enfatizou o autor.

Através da escrita de "Morte e Ficção do Rei Dom Sebastião", André Belo buscou expor essa fake news histórica pelo que ela sempre foi: ficção, e não fato.