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Matérias / Coluna

Mary Del Priore: A eterna busca de contato com aqueles que passaram para o além

A tentativa de se comunicar com espíritos vem sendo alvo de fascínio das pessoas desde o século 19

Mary Del Priore Publicado em 06/06/2019, às 07h00

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Reprodução / Divulgação
Reprodução / Divulgação

Na metade do século 19, o escritor José de Alencar se interessou pelo fenômeno do espiritismo. Longe de considerá-lo um fato apenas curioso, acompanhou atentamente as experiências dos círculos iniciados. E agregou ao seu romance Guerra dos Mascates, de 1873, um dos aspectos da prática em voga.

O renomado matemático e físico Silva Neto, um estudioso do magnetismo, só depois de ver uma foto de um espírito, se converteu ao espiritismo. Para ele, a imagem era um dado irrefutável, uma comprovação científica da existência de outras vidas e de outros mundos. Engenheiro de formação, Silva Neto era considerado portador de conhecimentos científicos por excelência.

Logo, ninguém mais abalizado para dar legitimidade às fotografias de ectoplasmas – sim, o século que descobriu os espíritos descobriu também a fotografia. E ela incitava a questionar o invisível. Numa época em que os indivíduos se afastavam de explicações metafísicas ou religiosas e queriam provas concretas, a imagem em preto e branco surgia! E sua explicação tinha que ser buscada no mundo físico. Nada de esoterismos, mas um realismo total. O invisível tomava forma e podia ser apalpado e mesmo fotografado. Tal realidade confirmava que o diálogo entre vivos e mortos era possível. 

Só fotografia? Não. O espiritismo acompanhava a revolução técnica dos meios de comunicação: telegrafia, descobertas da ótica e da acústica. Pois era preciso utilizar tais meios para alimentar a conversa entre vivos e mortos. As grandes transformações da época se conectavam a um conjunto de técnicas que tinham por objetivo captar e transmitir o universo invisível de ondas e raios, capazes de atravessar paredes e distâncias cada vez maiores.

E por que não transportar os espíritos? A chamada “fotografia espectral” foi inventada nos anos 1860, nos Estados Unidos. Certo William H. Mumler inaugurou um comércio delas, sendo rapidamente imitado na Europa. Se os médiuns viam os espíritos, por que não o “olho” do aparelho fotográfico? Pipocaram imagens trucadas, mas as fotos desfocadas ou em movimento, assim como as que tinham pouca ou muita exposição de luz, faziam surgir estranhas realidades sobre o papel.

Em 1873 Pierre Leymarie, diretor da Revue Spirite, de grande circulação na Europa e no Brasil, perguntou ao fotógrafo Édouard Buguet se ele fotografava espíritos, e a resposta foi sim... As imagens foram reproduzidas durante um ano na revista.

Madame Allan Kardec se deixou fotografar com o marido falecido. Na primeira prova, seu espírito segurava uma coroa sobre a cabeça da esposa. Na segunda, um quadro-negro exibia em letras diminutas: “Obrigado, querida esposa; obrigado, Leymarie; coragem, Buguet”. A viúva reclamou que nessa imagem a figura do marido não era tão clara quanto desejaria.

Depois, alguns clientes começaram a se queixar. As fotos custavam caro e então... Uma fraude foi descoberta. Um comerciante que solicitou a imagem do filho, morto aos 10 anos, recebeu uma foto de um senhor com 50! Preso, o fotógrafo confessou: antes da sessão de fotos, ele preparava os clichês com a ajuda de cabeças cortadas de outras imagens e coladas sobre papelão. Colocadas sobre um manequim e cobertas de gazes diáfanas, eram destinadas a se posicionar ao lado da imagem do cliente. Buguet e Leymarie foram julgados e condenados a um ano de prisão. A imprensa batizou o caso como “O processo dos espíritas”.

Na mesma década da fotografia psíquica, outra prática surgiu entre espíritas: a do gabinete negro. Fechava-se uma peça com cortinas pretas, criando um espaço isolado de olhares externos, onde se colocava o médium. Acreditava-se que da mesma forma que a câmara escura e a luz vermelha eram necessárias para a revelação do negativo, esse lugar permitia a aparição de espíritos.

Pela boca, nariz, umbigo e, no caso de mulheres, o sexo, médiuns produziam ectoplasmas ou pedaços de corpos que, fotografados, se tornavam a prova de sua existência. A Revue Spirite assim descreveu uma dessas imagens: “Sobre a cabeça do médium aparece uma mão, pequena como a de uma menina de 15 anos, palma virada para fora, dedos juntos e o polegar separado. A cor dessa mão é lívida; a forma não é rígida nem fluida. Dir-se-ia a mão de uma grande boneca”. 

Mão, diga-se, percebida como aquela de um espírito momentaneamente encarnado graças ao médium. Ectoplasmas eram fotografados às centenas: provas da existência no além.

 Antes presentes só nos sonhos ou pesadelos, tais seres vindos de longe eram ainda capazes de deixar suas pegadas em argila fresca disposta para esse fim nas sessões espíritas. Ilusão? Um dos mais importantes químicos e físicos do século diria que não. Sir William Crookes, especialista em espectrostopia, estudioso de eletrodos e raios catódicos, descobridor do tálio e do hélio, se deixou fotografar com uma jovem fantasma conhecida como Katie King! Tudo em seu laboratório de química!

Mais do que uma simples experiência ou espetáculo, o que se desejava era um encontro com o Outro Lado. Encontro esse que alimentava a convicção de que o contato com espíritos ou a conversa com mortos era possível.


Por Mary Del Priore. Doutora em história social com pós-doutorado na École des Hautes Études en Sciences Sociales, vencedora do Prêmio Jabuti e autora de Histórias Íntimas – Sexualidade e Erotismo na História do Brasil.