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Matérias / 'Lordson e Jesus'

Misturando religião e acidez, ‘Lordson e Jesus’ ressalta ‘improvisação da vida’

Em entrevista exclusiva, Luciano Lagares, criador da animação, contou detalhes da trajetória da produção

Isabelly de Lima, sob supervisão de Thiago Lincolins Publicado em 06/01/2023, às 19h00

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Capa de um episódio de 'Lordson e Jesus' - Arquivo pessoal
Capa de um episódio de 'Lordson e Jesus' - Arquivo pessoal

Há cerca de 3 anos, estreou no Youtube uma animação brasileira e diferente. ‘Lordson e Jesus’ traz um teor sádico acerca do cotidiano imediatista daqueles que vivem na cidade de São Paulo. A produção retrata a vida de dois amigos que vieram de longe para tentarem ganhar a vida na maior capital do país.

Lordson vem do interior do Paraná, de uma cidade chamada Telêmaco Borba, já Jesus vem da Colômbia e está fugindo do controle familiar, que é muito rica e quer “comandar” sua vida. Eles se veem em diversas situações atípicas, totalmente diferentes de suas respectivas realidades.

O criador da animação, Luciano Lagares, contou detalhes da produção em exclusividade para a Aventuras na História. Ele ressalta que a produção destaca a “improvisação da vida, que é muito artística”.

@lordsonejesus Trailer - Forasteiros que tentam sobreviver em São Paulo com poucos recursos. De uma forma satírica e bastante ácida! #humor#desenhoanimado#FY♬ som original - lordsonejesus

Inspirações

‘Lordson e Jesus’ nasceu a partir da própria vida e experiência do autor, com inspirações temáticas e visuais de outras produções clássicas do gênero. O criador mencionou que ele buscou aspectos influentes em ‘Os Simpsons’, ‘South Park’ e ‘Family Guy’, sendo essa última sua maior fonte de inspirações, principalmente pela relação com a política, com um humor pontual e atemporal.

Luciano cita que a série animada surgiu, de certa forma, como um experimento, com a ideia inicial de que a primeira temporada explorasse coisas que geralmente não são vistas em produção, e a equipe decidiu tirar os planos do papel, com abusos do humor em situações políticas e sociais da realidade brasileira.

“Eu gosto de transformar isso com um pouco de realismo mágico. De pegar aquela ideia, o que está acontecendo agora, transformar em uma ideia que seja mais universal, com elementos mais universais, mas aquela sementinha, aquela ideia, ela continua, pra gente poder ver daqui a 10 anos e ainda ser atual”.

Capa de um episódio da série animada 'Lordson e Jesus' - Crédito: Arquivo pessoal

Ele também falou sobre como a produção gosta de “ultrapassar limites”, seja na crítica ou na piada. “Aqui no Brasil, a gente não tem esse hábito de ultrapassar muitos limites, talvez por questões judiciais e afins. A gente vai cuidando e tenta trabalhar isso da melhor forma. Acho que ‘Lordson e Jesus’ tem essa possibilidade, mas acho que podemos ir além ainda”.

Cenário da animação

Lagares explicou que a animação é feita por uma grande equipe, é uma paixão compartilhada por várias pessoas, mas também ressalta o papel que faz sozinho com a criação: “Temos parceria com uma empresa de áudio, que tem os atores que fazem as vozes, a equipe de concept, a equipe de vídeo né, de animação e edição, que fazemos em parceria com produtora Openthedoor. A parte da criação por enquanto eu tenho feito sozinho, sempre com bloquinho, quando tenho uma ideia, eu escrevo, desenho, gravo minha própria voz para criar um animatic, faço storyboard e deixo videozinhos prontos de rascunho”.

Segundo Luciano, o Brasil possui uma característica interessante para animações, com diferentes estilos, que resulta na existência de diversos estúdios voltados para essa área espalhados pelo país. Ele também pontua que a competição nesse ramo, principalmente em nível internacional, chega a ser “injusta”.

Então o cenário para a gente é até meio injusto, nós temos que competir com tudo que é produzido no mundo, não só com as produções brasileiras. Não é uma competição entre si, tem uma enxurrada de produções de fora”.

A fim de criar algo autêntico, a equipe então decidiu desenvolver algo mais próximo, que tivesse mais o estilo do time, incluindo a parte visual da animação, que possui o que Luciano define como um “traço mais underground”. “A ideia de colocar no Youtube foi para ficar livre de qualquer amarra, ficarmos um pouco mais livres”.

Críticas à religião

A série animada possui como um de seus destaques a abordagem religiosa, que brinca com os conceitos pré-formados socialmente da imagem de Deus e do Diabo.

A religião, no caso, principalmente no Cristianismo, tem uma imagem de Deus que é uma criação, uma imagem que alguém que fica lá na frente impõe. Tem sempre alguém dizendo ‘É esse Deus aqui e ponto final’. A imagem de Deus em ‘Lordson e Jesus’ é exatamente essa, com todos os rótulos que as pessoas criaram dele, e ele não gosta disso, ele quer ser ele mesmo. E o Diabo é quase um pobre coitado”.

Inclusive, na animação, o inferno possui uma fila gigantesca de gente que entra lá, devido a todas as coisas que os humanos apontam como “do Diabo”, e esse personagem, o Lucius, tem que ficar cadastrando essas pessoas na fila, sem tempo de torturar qualquer um que seja, logo, as pessoas fazem festa no inferno, que se torna um local “legal”, mas para entrar, é necessário ficar milênios na fila.

No entanto, essa é exatamente o que a equipe visa oferecer ao público, uma visão distorcida dos pré-conceitos estabelecidos pelas religiões. “Quem entender, quem compreender, vai ver que não tem nada de agressivo, nada demais, é apenas um ponto de vista de algo que é muito possível. O público jovem gosta disso né, eles gostam que alguém mostre um ponto de vista diferente sobre esses temas”.

Luciano também aposta que a série trará comoção acerca da temática: “A gente tem essa ideia de que o Diabo é o culpado de tudo, mas em ‘Lordson e Jesus’, o cara quer é que ninguém mais vá para o inferno. Na produção, Deus e o Diabo são amigos, e isso vai irritar muita gente. Com certeza vai cair no problema do conservadorismo”.

Storyboard de uma cena de 'Lordson e Jesus' - Crédito: Arquivo pessoal

Premiações internacionais

Mesmo com o estilo sarcástico, o criador afirma que não irá modificar as bases da animação, ele defende esse ponto dizendo que “não podemos transformar uma coisa por medo”.

‘Lordson e Jesus’ foi vencedor de dois prêmios e fora selecionado em outros três, nos quais chegou a ser finalista. Um deles foi na Espanha, garantindo o prêmio na categoria “Melhor Roteiro de Série”. A produção foi bem recebida, não somente na Europa, mas também na América do Sul.

Luciano disse que os resultados impressionaram futuros investidores: “Quando começamos a mostrar os números, de respostas do público, as produtoras, as marcas começaram a se interessar. Por isso nós queremos ser fiéis ao nosso público e não às produtoras e marcas”.

Luciano Lagares durante premiação - Crédito: Arquivo pessoal

Planos futuros

Lagares revelou quais os planos para ‘Lordson e Jesus’, que já está com a terceira temporada sendo produzida, e, segundo ele, com episódios mais lineares, com tempos lineares.

A introdução de marcas na série é a nova aposta comercial da equipe, inserindo mais aspectos reais dentro da narrativa.

A terceira temporada nós já queremos trabalhar com marcas, tal como a cerveja Duff, em ‘Os Simpsons’, que é fictícia, mas nós queremos marcas reais. Uma coisa legal da improvisação da vida é a rapidez. Como na cozinha, o miojo era a ‘barra de ouro’ do armário”.

As duas primeiras temporadas de ‘Lordson e Jesus’ já estão disponíveis no Youtube, assim como os “shorts”, derivados da produção, também estão disponíveis no canal oficial da série no TikTok.