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Matérias / África

Os detalhes dos conflitos alemães na África

No continente, além do apoio técnico, a Alemanha foi responsável por conflitos marcantes

Ricardo Lobato* Publicado em 23/04/2023, às 10h00 - Atualizado em 11/05/2023, às 17h28

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Samora Machel, o líder da revolução - Domínio Público
Samora Machel, o líder da revolução - Domínio Público

Querido(a) leitor(a) que me acompanha por aqui, como você deve saber, este autor, um entusiasta de história militar, sempre se dispõe a atender às demandas dos que leem esta coluna. As referências para minhas redes sociais estão no rodapé da página e, frequentemente, recebo mensagens de apoio ao trabalho e perguntas sobre temas específicos.

Esta é a maior satisfação para um escritor: o contato com seu público. Por isso, sempre que possível, busco atender aos pedidos contando episódios peculiares sobre as guerras. Neste mês de abril, trago uma dessas histórias: a guerra travada pela Alemanha na África. Ou seriam as guerras?

A pergunta que recebi foi sobre proxy wars (guerras por procuração) – os combates indiretos entre capitalistas e comunistas – na Guerra Fria. Ao invés de focar nos mais famosos, como o próprio Vietnã (1965-1975) ou o Afeganistão Soviético (1979-1989), decidi trazer este episódio esquecido da história das guerras, que conta a participação da Alemanha Oriental nas guerras de independência na África.

Os feitos do Afrika Korps, as tropas do marechal Rommel durante a Segunda Guerra Mundial, já são mais que conhecidos – tendo sido, inclusive, tema desta coluna há algum tempo –, mas poucos sabem que, anos após o fim do conflito, os alemães se viram novamente envolvidos em guerras no continente africano.

Oficial da tropa de Erwin Rommel - Crédito: Domínio Público

Alemanha Incomum

Só que a Alemanha que lutou na África era outra: a parte comunista do país dividido pelas potências Aliadas, a República Democrática Alemã, ou simplesmente, DDR. Dentro do Bloco Comunista, popularizado pela expressão cunhada por Winston Churchill, “Cortina de Ferro”, a DDR era (depois da Rússia Soviética), o país que contava com melhores indicadores socioeconômicos – e também com as melhores Forças Armadas.

Tentando manter sua independência em relação a Moscou, os dirigentes da Alemanha Oriental se empenharam fortemente em espalhar a sua visão do socialismo perante o mundo dividido pela bipolaridade da Guerra Fria. Mandaram conselheiros para a China, Coreia do Norte e Malásia, além das Américas, especialmente para Cuba e Chile (antes do Golpe de Pinochet), e África, onde conseguiram os melhores resultados.

Eram os anos 1960 e 1970, e o continente africano era um barril de pólvora explodindo com incontáveis conflitos de independência e civis. A Guerra Fria era pano de fundo para tudo, pois os Estados Unidos apoiavam as antigas potências coloniais europeias. Apesar dos ideais de liberdade e democracia prometidos pelo Ocidente, havia o receio de que, uma vez nações independentes, os países africanos seriam “atraídos pelos ideais marxistas”. Estes, por sua vez, de fato viam com melhores olhos o sistema político de Moscou do que o de Washington.

E é justamente aqui que entra a Alemanha Oriental, pois a DDR se firmava como um fiel da balança. O antigo Império Alemão fora também uma potência colonial, mas com sua dissolução ao final da Grande Guerra (1918), a Alemanha perdera suas colônias.

Discurso potente

Com um discurso reparador, a DDR trazia o que havia de mais avançado para os países africanos que começavam a se libertar Dentro do “ideal internacional de solidariedade socialista”, médicos, engenheiros, agrônomos e tantos outros profissionais foram enviados para países como Angola, Moçambique e Etiópia. Além desses, diversos “conselheiros militares” foram encaminhados para a África.

O Nationale Volksarmee (NVA), as Forças Armadas da Alemanha Oriental, era o melhor corpo de combate do Pacto de Varsóvia, rivalizando apenas com o próprio Exército Vermelho. Segundo os arquivos que vieram a público após a queda do Muro de Berlim (1989), estima-se que entre 5 a 10 mil militares do NVA tenham sido enviados para a o continente africano.

Ao contrário, por exemplo, dos cubanos – que viram pesados combates em Angola –, oficialmente não há registros de envolvimento do NVA em batalhas. Entretanto, estiveram presentes nos conflitos em Angola; na guerra de libertação de Moçambique – a pedido do próprio Samora Machel, o líder da revolução – e principalmente na Rodésia (atual Zimbábue).

Combates difíceis

Este último é um caso complicado, pois os combates lá foram duros envolveram desde mercenários sul-africanos, passando por ex-comandos americanos, veteranos do Vietnã, de um lado, até guerrilheiros locais, treinados pelos vietcongues com apoio soviético e da NVA, do outro – episódio que merece ser contado em outra oportunidade desta coluna.

Fato é que, para além de todo o apoio técnico e, em alguns casos, de ter montado governos inteiros na África, a DDR se viu envolvida em diversos conflitos no continente. Em alguns casos, a autonomia que o país detinha era tamanha, que os alemães orientais faziam tudo sem o conhecimento soviético. O envolvimento da Alemanha Oriental na África só acabou com a queda do Muro de Berlim (1989) e a reunificação da Alemanha (1990).

Mas a influência perdura até hoje. Várias figuras políticas do continente foram formadas nas excelentes universidades da Alemanha Oriental e, em alguns casos, lutaram ombro a ombro com os alemães. Assim sendo, passados mais de 30 anos do fim da Guerra Fria, não é apenas na Europa que seus ecos podem ser ouvidos.


Ricardo Lobato é Sociólogo e Mestre em economia pela UNB, Oficial da Reserva do Exército brasileiro e Consultor-chefe de Política e estratégia da Equibrium — Consultoria, Assessoria e Pesquisa.


*Esse texto não reflete necessariamente a opinião da Aventuras na História