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Matérias / Sífilis

Rosto de mulher com sífilis do século 16 é reconstruído por artista brasileiro

Cícero Moraes, o responsável pela aproximação digital da aparência da jovem, concedeu uma entrevista exclusiva ao Aventuras na História, confira!

Ingredi Brunato, sob supervisão de Thiago Lincolins Publicado em 03/12/2022, às 16h00

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Montagem mostrando imagens do crânio, e do rosto reconstruído digitalmente - Divulgação/ Domínio Público e Divulgação/ Cícero Moraes
Montagem mostrando imagens do crânio, e do rosto reconstruído digitalmente - Divulgação/ Domínio Público e Divulgação/ Cícero Moraes

Uma escavação arqueológica de grande escala realizada no período entre 2002 e 2012 no cemitério próximo ao mosteiro Skriðuklaustur, localizado na Islândia, trouxe à superfície um curioso esqueleto deformado por lesões causadas pela sífilis. 

Os restos mortais pertenciam a uma mulher que viveu no século 16 e estava na faixa etária dos 25 aos 30 anos quando faleceu. Sua exata causa de morte não foi determinada, mas é inegável que a islandesa experienciava graves consequências físicas em decorrência da doença, que havia alcançado nela seu último estágio, o terciário. 

Na época, não existia um tratamento efetivo para a sífilis, de forma que a infecção bacteriana podia avançar livremente no organismo dos afetados. É apenas a partir do século 20, com a descoberta da penicilina, que a humanidade passou a ter as ferramentas para lutar contra essa destruidora enfermidade. 

Estranhamente, todavia, o número de infectados voltou a aumentar nas últimas duas décadas — neste ano de 2022, por exemplo, existem mais de 7 milhões de pessoas com sífilis ao redor do globo. 

Relevância atual

É em vista desses desdobramentos que o crânio corroído da jovem islandesa chamou atenção de Cícero Moraes, conhecido por fazer reconstruções digitais em 3D de rostos do passado.

Imagem do crânio / Crédito: Domínio Público

O professor e designer brasileiro, em colaboração com Dr. Francesco Galassi e Dra. Elena Varotto, que são ambos especialistas em antropologia e paleopatologia, finalizou recentemente um projeto a respeito do caso. 

Em entrevista concedida ao site Aventuras na História, o renomado pesquisador deu mais detalhes a respeito desse curioso rosto centenário devastado pela sífilis, e, principalmente, as valiosas reflexões que ele pode inspirar nos dias atuais. 

Esse perigoso retorno da doença em anos mais recentes foi um fator determinante para atrair o interesse de Cícero:

Infelizmente, o número de infectados voltou a aumentar desde a virada deste século e os casos não se concentram apenas em adultos cientes dos seus atos, mas também em recém nascidos, por conta da sífilis congênita. Muitos infectados não tem ideia que portam o mal e colocar em discussão o assunto pode ajudá-los a identificar a patologia e tratá-la devidamente", explicou ele. 

Conforme descrito no artigo, que foi disponibilizado através da plataforma OrtogOnlineMag, seu principal objetivo é justamente "colocar o debate à mesa", e fornecer "uma visão de como a sífilis pode se tornar algo gravíssimo caso não seja devidamente tratada". 

A importância de um rosto 

A reconstrução digital realizada por Moraes torna o tópico da discussão da doença menos impessoal — ele é simbolizado por um rosto, conectado à experiência real de uma jovem que não tinha acesso aos antibióticos que temos hoje. 

Um dos detalhes explicados pelo estudo é que, para se obter uma "imagem cientificamente objetiva", o rosto estaria em escala de cinza, teria olhos fechados e não contaria com cabelos. 

A fim de tornar o material mais acessível ao público, porém, foi tomada a decisão de acrescentar "elementos especulativos" à obra, isso é, palpites de como poderia ser a aparência da islandesa. 

Não temos dados da cor dos cabelos, da cor dos olhos e da pele. Como se trata de um material didático, utilizamos esses parâmetros subjetivos para dar acabamento à obra", contou Cícero, acrescentando que essa escolha não tira a importância da "parte principal" do design 3D, que é "a estrutura volumétrica do rosto". 

O formato exato do crânio, reproduzido digitalmente após "metodologias rigorosas", foi disponibilizado pelo Museu Nacional da Islândia e pela companhia Northern Heritage Network, que administram o esqueleto.

Imagens mostrando etapas da reconstrução / Crédito: Divulgação/ Cícero Moraes

Para que a aproximação fosse o mais próxima possível da realidade, vale destacar ainda que o pesquisador e seus colegas também consultaram bancos de dados a respeito dos crânios de outras mulheres europeias do século 16. 

O produto dos esforços conjuntos é uma pálida moça de olhos claros e cabelos loiros que possui a maior parte do rosto tomado por lesões. Elas são mais profundas na testa, que é onde provocaram os danos mais críticos ao seu crânio. 

Eu tive que buscar na literatura médica exemplos de casos de sífilis terciária. A maioria dos artigos que mostravam lesões semelhantes eram da primeira metade do séc. XX. Os artigos atuais não focam muito na parte externa, mas apresentam cortes tomográficos das lesões, o que enriqueceu ainda mais o resultado final da aproximação", relatou Moraes a respeito de seu processo de trabalho. 

Ele completou o design em cerca de uma semana, que é seu tempo "padrão" para as reconstruções faciais que desenvolve. 

Um outro detalhe que vale ser mencionado é que, na realidade, o estágio final da sífilis muitas vezes produz feridas repletas de pus e com trechos necrosados, isso é, em que o tecido começa a morrer. A reconstrução de Cícero, por sua vez, oferece uma versão mais branda das lesões provocadas pela infecção: 

"Pegamos um pouco leve para não chocar tanto o público geral, mas, ao mesmo tempo, despertar a atenção com cuidados relacionados a própria saúde", explicou o especialista a respeito desse aspecto. 

Aqui no Brasil, vale lembrar que o teste de sífilis é disponibilizado de forma gratuita pelo SUS. Ele pode ser feito através de uma coleta de sangue, que demora até 20 dias para ficar pronto, ou com um teste rápido cujo resultado é disponibilizado dentro de apenas 30 minutos. 

Os exames destinados à detecção de doenças sexualmente transmissíveis, como também o HIV e as hepatites B e C, são recomendados para todas as pessoas de vida sexual ativa, e principalmente as gestantes. No caso da sífilis, por exemplo, a transmissão congênita (que ocorre da mãe para o bebê) pode causar diversos problemas para o feto. 

+ Para conferir o artigo na íntegra, clique aqui.