Rodney King e Latasha Harlins, respectivamente - Wikimedia Commons
Crimes

Rodney King e Latasha Harlins: os casos de brutalidade que inflamaram Los Angeles em 1992

Cansada do racismo estrutural, da violência policial e do sistema injusto, a comunidade negra da cidade deu início ao maior movimento civil da história dos Estados Unidos

Pamela Malva Publicado em 02/06/2020, às 17h00 - Atualizado às 17h20

Por trás do volante de seu carro, Rodney King tentava despistar as viaturas da polícia de Los Angeles, na noite do dia 3 de março de 1991. Acusado de ultrapassar o limite de velocidade, o homem não queria ser pego e, assim, violar sua condicional.

Em determinado momento, Rodney viu em seu espelho retrovisor que estava sendo perseguido por diversos carros e um helicóptero. Eventualmente, o motorista foi abordado e cinco oficiais fardados desceram das viaturas.

Com o carro parado no meio de um cruzamento, Rodney, então, desceu do veículo junto de dois amigos que o acompanhavam. Como parte da abordagem, os policiais pediram que King ajoelhasse no chão e não resistisse.

Sem sequer levantar a voz, Rodney, um homem negro de 26 anos, levou suas mãos às coxas. Alarmados, os policiais pensaram que King estaria sacando uma arma e partiram para cima do homem. Seus cassetetes atingiram o motorista desarmado com força.

Rodney se pronunciando durante os protestos violentos em 1992 / Crédito: Divulgação

 

Uma crueldade gravada

Naquela noite, Rodney levou mais de 50 golpes pelo corpo todo. Ele foi alvo de armas de choque e de pancadas cruéis. Sem qualquer resistência por parte da vítima, o ato de violência foi gravado na íntegra por George Holliday, um civil.

Morador da região, George estava na sala de sua casa quando a abordagem começou. Ele pegou sua câmera e capturou toda a agressão de sua janela. Com a fita em mãos, mandou a prova para a estação de notícias local KTLA.

Após o espancamento, Rodney foi preso e encaminhado para uma instituição hospitalar. Sob cuidados médicos, descobriu-se que ele tinha uma queimadura no peito, um osso facial fraturado, um tornozelo quebrado e várias outras lesões graves.

Com um advogado ao seu lado, Rodney procurou por respaldos legais. O promotor do caso acusou os policiais de agressão e uso de força excessiva. A comunidade negra de Los Angeles já estava indignada com a situação.

Cena da filmagem feita por George Holliday / Crédito: Wikimedia Commons

 

Filme de guerra

Em 16 de março, dias após o espancamento de Rodney, Latasha Harlins, uma jovem negra de 15 anos, andava pelo distrito de Koreantown quando entrou em uma loja. Pegou um suco de laranja, colocou a embalagem em sua mochila e foi até o caixa.

Soon Ja Du, a dona da loja, de 51 anos, não viu o dinheiro nas mãos da jovem e pensou que ela estava tentando roubar a garrafa de suco. Houve um confronto e, antes que Latasha pudesse sair do estabelecimento, ela levou um tiro na nuca.

Nascida na Coréia, Soon cometeu o homicídio à queima roupa. O crime foi filmado pelas câmeras de segurança da loja — gravações que foram consultadas durante o julgamento. Latasha morreu na hora.

Em 15 de novembro de 1991, o júri do caso considerou Soon Ja Du culpada de homicídio a sentenciou a 16 anos de cárcere. A juíza branca Joyce Karlin, contudo, discordou da decisão e converteu a sentença da mulher coreana para cinco anos de liberdade condicional e centenas de horas de trabalho voluntário.

Soon Ja Du, a dona da loja que matou Latasha / Crédito: Divulgação

 

Revolta estadual

A população negra, que já estava inflamada desde o espancamento de Rodney King, ficou ainda mais atônita com o desfecho do caso de Latasha. Para a comunidade, o racismo no sistema judicial de Los Angeles era palpável.

Centenas de pessoas foram às ruas em passeatas e protestos pacíficos e um grande grupo se uniu na frente do tribunal no dia do julgamento do caso Rodney King. Tudo piorou quando, após sete dias de deliberação, o júri decidiu inocentar os quatro policiais acusados de espancar Rodney, em anúncio no dia 29 de abril de 1992.

Antes do veredito, o julgamento foi transferido do condado de Los Angeles para Simi Valley, uma cidade majoritariamente branca na época. O júri de 13 pessoas, por sua vez, contava com dez brancos, um mexicano, um asiático e um negro.

Civis, ativistas dos direitos dos negros e diversos políticos se revoltaram com o resultado do caso e Los Angeles entrou em colapso. Em alguns dias, a cidade da Califórnia, com um prefeito negro, decretaria estado de emergência.

Os policiais acusados de espancar Rodney King / Crédito: Divulgação

 

Em pé de uma guerra civil

Os motins em Los Angeles foram desencadeados logo que o julgamento terminou. Cansados do racismo estrutural e da injustiça, negros foram às ruas em protestos já não tão pacíficos assim. Carros foram virados; lojas, destruídas e estruturas, queimadas.

De um lado, os negros reinvidicavam uma vida com dignidade e o fim da violência policial. Do outro, coreanos viam seus empreendimentos sendo saqueados em uma clara vingança em nome de Latasha Harlins.

Rodney King viu seu nome pichado em diversos muros. Em um dia, mais de 900 focos de incêndio foram registrados pela cidade. Reginald Denny, um caminhoneiro, e diversos outros homens brancos foram arrancados de seus veículos e espancados à luz do dia, no mesmo cruzamento onde Rodney recebeu as pancadas dos policiais.

Los Angeles estava em um estado crítico. Para se proteger, Coreanos andavam armados pelas ruas. Mais de 2 mil pessoas ficaram feridas no conflito e 53 morreram. Houve um prejuízo material de cerca de US$ 1 bilhão e 11 mil indivíduos foram presos.

Foto escolar de Latasha Harlins, morta aos 15 anos / Crédito: Wikimedia Commons

 

O final de uma guerra

O presidente da época, George W. Bush, identificou o problema depois de algum tempo e mobilizou diversas forças militares do estado. Quando os oficiais fardados chegaram, no entanto, encontraram uma comunidade vazia.

Em sua defesa, coreanos decidiram sair às ruas em um protesto pacífico e pediram por paz. Um tratado social foi acordado entre as comunidades e, para a história, restaram apenas prédios queimados e corpos recém-enterrados.

Os conflitos foram eternizados no documentário LA 92 (Um crime americano, em português) e marcaram a história como o maior e mais expressivo movimento e distúrbio civil da história dos Estados Unidos.


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