Busca
Facebook Aventuras na HistóriaTwitter Aventuras na HistóriaInstagram Aventuras na HistóriaYoutube Aventuras na HistóriaTiktok Aventuras na HistóriaSpotify Aventuras na História
Matérias / Ditadura militar

A não tão falada história dos militares perseguidos após o Golpe de 64

Muitos homens de dentro das Forças Armadas foram perseguidos e até torturados pela ditadura militar brasileira

Redação Publicado em 30/03/2023, às 19h40

WhatsAppFacebookTwitterFlipboardGmail
Imagem representativa da repressão do período da ditadura militar (1964-1985) - Divulgação/Arquivo Nacional
Imagem representativa da repressão do período da ditadura militar (1964-1985) - Divulgação/Arquivo Nacional

Há 59 anos, acontecia o golpe militar de 1964, que seria responsável por destituir o presidente brasileiro eleito democraticamente, João Goulart, e iniciar um dos períodos mais sombrios de repressão da história do país, que perduraria até 1985. As histórias de estudantes, ativistas e revolucionários que foram presos e torturados são conhecidas, mas pouco se fala sobre os mais de 6,5 mil militares perseguidos pela ditadura.

Durante os 21 anos de regime militar, as Forças Armadas perseguiram, prenderam ou torturam 6.591 militares. Esses dados são da Comissão Nacional da Verdade (CNV), instituída em 2011 pelo governo federal do Brasil para investigar todas as violações de direitos humanos que ocorreram no Brasil por parte do Estado entre 1964 e 1988.

Nossa CNV foi baseada em iniciativas feitas pelo Chile e pela Argentina ao fim de suas ditaduras militares. O Brasil demorou para seguir o exemplo, já que a Comissão foi instalada mais de duas décadas depois do fim do regime militar. Nos vizinhos do Brasil, mais de 700 pessoas foram condenadas pelos crimes cometidos durante os tempos de autoritarismo. Aqui, falta justiça.

A CNV entregou um relatório final em dezembro de 2014, chegando ao número oficial de 434 mortos e desaparecidos por causa do regime militar. Eles não chegaram a uma conclusão sobre o número total de cidadãos torturados.

Repressão 

Segundo a BBC Brasil, logo após o golpe as Forças Armadas já haviam se voltado contra os seus. Oficiais e militares que divergiam do grupo que tomou o poder do país à força foram cassados, presos e constrangidos dentro da hierarquia militar.

O relatório da CNV explicita o que aconteceu com os militares divergentes. Expulsão do corpo das Forças Armadas, forçada ou instigada, processos, prisões arbitrárias e sessões de tortura aconteceram com diversos membros do Exército, da Aeronáutica e da Marinha. 

Se os militares perseguidos eram inocentados, muitas vezes não eram reintegrados às suas corporações. Se fossem, sofreriam discriminação pelo resto de suas carreiras nas Forças Armadas. "Por fim, alguns foram mortos", fecha o relatório da Comissão Nacional da Verdade.

O cientista político Paulo Ribeiro da Cunha explicou à BBC Brasil que a maioria das prisões de militares aconteceu depois do Ato Institucional número 5 (AI-5), que foi promulgado em 1968 e intensificou a repressão do regime militar. Diversos membros das Forças foram presos com seus filhos, já que a ditadura usava as famílias para atingir os oficiais.

Moreira Lima

Rui Moreira Lima foi um piloto de caça brasileiro durante a Segunda Guerra Mundial, servindo a Força Expedicionária Brasileira (FEB). Ele realizou 94 missões aéreas na Itália entre novembro de 1944 e maio de 1945. Quando voltou para o Brasil do conflito, Moreira Lima era um herói de guerra que depois virou brigadeiro. Nada disso foi considerado quando ele foi perseguido, preso e torturado pela ditadura militar.

O brigadeiro Moreira Lima comandava a Base Aérea de Santa Cruz, no Rio de Janeiro, quando foi deposto de sua posição em 1964. O motivo? Ele era um democrata, que se opôs ao golpe dese o começo. O militar foi preso, sofreu uma aposentadoria compulsória e teve a família perseguida pelo regime. Seu filho, Pedro, de 20 anos, foi sequestrado pelo regime na década de 1970.

O brigadeiro Moreira Lima, pilotando um caça modelo P-47 durante a Segunda Guerra Mundial - Divulgação/FAB

Depois do filho, foi a vez do brigadeiro ser sequestrado e levado à "masmorra" do DOI-CODI, como ele mesmo chama. Ele ficou três dias preso, sendo submetido à privação do sono. Moreira Lima contou essas histórias quando depôs à Comissão Nacional da Verdade, em 2012, quando tinha 93 anos. Ele morreu no ano seguinte.

Na ocasião de sua morte, a FAB organizou uma homenagem ao brigadeiro, chamado de "herói" e "guerreiro da Nação". Nenhuma palavra foi dita sobre a perseguição e a violência que ele sofreu pelo DOI-CODI, órgão de repressão do regime militar.

General Bevilacqua

Pery Constant Bevilacqua foi um dos generais contrários ao golpe de 1964. Mesmo assim, até o fim da vida ele chamou o acontecimento pelo nome mais positivo de "revolução". Ele acreditava que os militares deveriam livrar o país da ameaça comunista e prontamente devolver o governo aos civis. Portanto, ele foi um grande opositor do endurecimento do regime e do AI-5.

Católico fervoroso, anticomunista e de direita, nada disso serviu para blindar Bevilacqua da perseguição que o regime realizava contra seus opositores. Ele foi cassado após o AI-5, pouco antes de se aposentar. Em 1977, ele se filiou ao MDB, partido dos civis, e começou a fazer campanha pela anistia.

"O AI-5 foi o maior erro jamais cometido em nosso país e comprometeu os ideais do movimento de 31 de março", afirmou o general. Ele também chegou a dizer, em entrevista à jornalista Inimá Simões e à escritora Maria Rita Kehl, que estava tentando evitar que o regime militar "se afogasse na ignomínia de um hediondo crime de sangue e destruição".

Brigadeiro Teixeira

O brigadeiro Francisco Teixeira serviu durante a Segunda Guerra Mundial, assim como Moreira Lima. Ele era um ferrenho nacionalista, que participou da campanha "O Petróleo é Nosso", que culminou na criação da Petrobras. No ano do golpe, ele atuava como comandante da 3ª Zona Aérea, no Rio de Janeiro.

Sua esposa, Iracema Teixeira, prestou depoimento à CNV, dizendo que o marido "sempre foi a favor que se cumprissem as leis do país". Ele foi preso em sua casa logo após o golpe, incomunicável por 50 dias. Depois disso, fora afastado da FAB, teve direitos políticos cassados por dez anos e a cidadania suspensa. Como outros em sua época, Teixeira foi oficialmente considerado morto.

Nos primeiros anos do regime essa era a principal forma de perseguição. Os oficiais eram expulsos, considerados mortos, não tinham direito nenhum. Tinham que trabalhar em mil coisas pra sobreviver", conta o cientista político Paulo Ribeiro da Cunha.

Sua carteira de piloto também foi cassada. Para trabalhar, ele abriu um curso supletivo com sua esposa. Cinco anos depois do golpe, em novembro de 1969, sua casa foi incendiada, em um episódio misterioso que nunca foi esclarecido pela polícia.

Quando o general Emílio Garrastazu Médici foi empossado como presidente em 1969, Teixeira foi preso e mantido incomunicável por 50 dias. Sua esposa conta que, toda vez que se trocava o militar no comando do governo, o brigadeiro era preso, como se fosse reagir ao regime sozinho, mesmo depois de deposto e aposentado.

O filho do casal, Aloísio, era estudante da PUC e foi preso pelo regime durante seis meses, chegando a ser torturado. No início da década de 1970, Teixeira foi preso novamente, junto da filha, Maria Júlia Werneck Viana

O brigadeiro Francisco Teixeira morreu de câncer em 1986. Antes disso, em julho de 1983, ele fundou a Associação Democrática e Nacionalista de Militares, reunindo alguns e seus colegas que foram cassados e perseguidos pela ditadura militar. A perseguição, durante o período do regime, não poupou nem os de casa.

O brigadeiro Francisco Teixeira, durante uma audiência de processo movida contra ele pelas Forças Armadas em 1965 - Divulgação/Arquivo Nacional