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Matérias / Columbine

Columbine, 25 anos depois: Traumas ainda assolam sobreviventes

Há 25 anos, em 20 de abril de 1999, Eric Harris e Dylan Klebold mataram 12 alunos e um professor na Columbine High School

Fabio Previdelli

por Fabio Previdelli

fprevidelli_colab@caras.com.br

Publicado em 20/04/2024, às 07h00 - Atualizado às 11h38

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Imagens internas que mostram Eric Harris (à esquerda) e Dylan Klebold (à direita) durante o Massacre de Columbine - Reprodução
Imagens internas que mostram Eric Harris (à esquerda) e Dylan Klebold (à direita) durante o Massacre de Columbine - Reprodução

Era por volta das 11h19 da manhã quando a estudante Rachel Scott, de 17 anos, lanchava com um amigo, Richard Castaldo, também de 17, no gramado ao lado da entrada oeste da Columbine High School.

Naquele momento, Castaldo viu um garoto jogar uma bomba caseira que mal explodiu. Pensavam que se tratava apenas uma brincadeira ou algo do tipo. Não levaram a sério. Mas, tudo mudou em uma fração de segundo depois de Eric Harris gritar: "Vai! Vai! Vai!".

Acompanhado de Dylan Klebold, eles sacaram armas de seus casacos e começaram a disparar. Richard levou oito tiros, sendo baleado no peito, braço, costa e abdômen. Paralisado do peito para baixo, caiu no chão inconsciente. 

Rachel se tornou a primeira vítima fatal do massacre de Columbine, que aconteceu em 20 de abril de 1999. A estudante foi baleada quatro vezes — com tiros na cabeça, tronco e perna — e morreu instantaneamente. 

Ao todo, Eric e Dylan mataram 12 alunos e um professor, e feriram outras 21 pessoas, antes de tirarem suas próprias vidas na biblioteca da escola. Mas, mesmo após duas décadas e meia do massacre de Columbine, os traumas da chacina ainda assombram os sobreviventes. 

Montagem reunindo as vítimas fatais do massacre / Créditos: Divulgação

'Paralisado de medo'

O epicentro do tiroteio na Columbine High School aconteceu dez minutos após o início do atentado, quando Eric e Dylan chegara à biblioteca às 11h29 — onde permaneceram até às 11h36 e fizeram dez vítimas. 

Pouco antes de Harris e Klebold adentrarem o espaço, Craig Scott, estudante de 16 anos, estava na biblioteca estudando para um teste de biologia. Scott tinha acabado de se sentar ao lado do amigo, Matt Kechter, quando viu sua vida mudar para sempre. 

Agora com 41 anos, Craig revela à ABC News que ainda se lembra com clareza e vividamente da carnificina que presenciou naquele 20 de abril. Quando a dupla invadiu o local, ele chegou a se esconder embaixo de uma mesa da biblioteca, entretanto, quando viu os dois homens armados a poucos centímetros de distância, ficou "paralisado de medo".

Algumas pessoas estavam implorando por suas vidas. E [os jovens armados] trataram isso como se fosse um jogo e aparentemente se divertindo fazendo isso, e totalmente desconectados da vida que estavam tirando", disse Scott.

"Eles vieram até onde eu estava", continuou Scott. "Eles viram meu amigo, Isaiah [Shoels]. Na minha escola, Isaiah era um dos poucos estudantes afro-americanos. Um deles chamou o outro e começou a xingar Isaiah com insultos raciais. Eles tentaram tirá-lo de debaixo da mesa. E atiraram e mataram Isaiah. Atiraram e mataram meu amigo, Matt. Eles me deixaram lá embaixo", recorda.

Biblioteca da Columbine High School - Qqqqqq via Wikimedia Commons

Como se fosse um milagre, se é que podemos chamar assim diante de um cenário tão brutal, Scott saiu em segurança da biblioteca, coberto de sangue de outro colega ferido que o ajudou a escapar.

Apesar do alívio pela sobrevivência, viu sua vida desmoronar ao descobrir que sua irmã, Rachel Scott, foi a primeira vítima.

'Parecia que nada mudou'

Horas depois de escapar da chacina na Columbine High School, Missy Mendo, com 14 anos na época, dormiu entre seus pais na cama, ainda com os sapatos que usou para fugir da aula da matemática. Ela estaria preparada casso precisasse correr novamente. 

Anos após o massacre, Mendo, agora mãe, aponta que o trauma da experiência continua mais vivo que nunca. Principalmente pelos episódios que aconteceram nos anos seguintes nos Estados Unidos. 

Em 2017, por exemplo, 60 pessoas foram mortas em um tiroteio durante um festival de música country em Las Vegas — cidade que ela visitava constantemente enquanto trabalhava na indústria de cassinos. 

Já em 2022, 19 estudantes e dois professores foram baleados e mortos em Uvalde, Texas, em um massacre na escola primária Robb. Quando a notícia veio a tona, Missy preenchia o formulário de sua filha em uma pré-escola. Ao ler algumas linhas sobre o atentado, ela apenas abaixou a cabeça e começou a chorar: 

Parecia que nada mudou", refletiu ao Associated Press.

Durante os anos que se seguiram o massacre de Columbine, os traumas daquela época continuaram a perseguir Mendo e outros que estavam lá. Alguns, inclusive, precisaram de anos para se considerarem sobreviventes, visto que não ficaram fisicamente feridos na chacina — o mesmo não pode ser dito para a parte mental. 

Bastam alguns gatilhos de coisas inofensivas de nosso cotidiano, como simples fogos de artifício, para desencadear memórias perturbadoras. Os traumas levaram alguns dos sobreviventes a desenvolver insônia, abandonar a escola e até mesmo se afastar de parceiros e familiares. 

Mendo explica que abril é, particularmente, um mês complicado, visto que seu cérebro vira um "purê de batatas" todos os anos. Nessa época, é comum com que ela chegue cedo às consultas no dentista, perda suas chaves com facilidade e até mesmo esqueça de fechar a porta da geladeira. 

Para superar o que viveu, Missy Mendo se apoia na terapia e na compreensão de um grupo de sobreviventes de tiroteios, o The Rebels Project; formado por outros sobreviventes do massacre de Columbine após um tiroteio em 2012, quando um homem armado matou 12 pessoas em um cinema no subúrbio próximo de Aurora. 

As consultas de Mendo começaram após o primeiro aniversário de sua filha, um conselho dado por outras mães sobreviventes. Depois do choque pelo que aconteceu em Uvalde, Missy, que é mãe solteira, disse que conversou com familiares, deu um passeio para tomar um pouco de ar fresco e depois finalizou a inscrição da filha no pré-jardim de infância.

Eu estava com medo de que ela fosse para o sistema de ensino público? Com ​​certeza", disse à AP. "Eu queria que ela tivesse uma vida o mais normal possível".

Traumas jamais superados

Os investigadores que estudaram os efeitos a longo prazo da violência armada nas escolas quantificaram as lutas prolongadas entre os sobreviventes, incluindo os efeitos acadêmicos a longo prazo, como o absentismo e a redução das matrículas universitárias, e os rendimentos mais baixos mais tarde na vida.

"Apenas contar as vidas perdidas é uma forma incorreta de capturar o custo total dessas tragédias", disse Maya Rossin-Slater, professora associada do Departamento de Política de Saúde da Escola de Medicina da Universidade de Stanford, à Associated Press.

Embora o massacre tenha ligado um alerta, os assassinatos em massa se repetiram com certa frequência ao longo dos últimos anos.

Para se ter uma ideia, dados compilados pela AP apontam que, desde 2006, ocorreram quase 600 ataques em que quatro ou mais pessoas morreram — sem incluir o perpetrador. Mais de 80% das 3.045 vítimas desses ataques foram mortas por armas de fogo.

Além disso, explica Rossin-Slater, em todos os Estados Unidos, inúmeras pessoas foram expostas a tiroteio em escolas que não se tornaram massacres com vítimas em massa, mas isso não significa que sejam menos traumáticos. Os impactos podem durar a vida toda, acrescentou ela. 

Mas o tempo também é um fato de cura, sendo crucial para os sobreviventes não só terem a real dimensão do que viveram como também importante para eles conseguirem lidar com tudo isso. 

Kiki Leyba, professor do primeiro ano em Columbine em 1999, foi diagnosticado com transtorno de estresse pós-traumático logo após o massacre. Mesmo assim, sentiu um forte sentimento de compromisso em retornar à escola, onde se dedicou ao trabalho. Mas, ele continuou a ter ataques de pânico.

Para lidar com a situação, Leyba chegou a tomar pílulas para dormir e um remédio para ansiedade. A situação se tornou ainda mais difícil depois da formatura da turma de Mendo, em 2002, o último grupo de alunos que sobreviveu ao tiroteio. Já que passaram por tantas coisas juntos.

Em 2005, após anos sem cuidar de si e sofrendo com a falta de sono, Leyba disse que muitas vezes se afastava da vida familiar, dormia até tarde nos fins de semana e se transformou em uma "bolha no sofá".

Finalmente, sua esposa Kallie o inscreveu em um programa de tratamento de traumas de uma semana, conseguindo que ele tirasse uma folga do trabalho sem avisar.

"Felizmente, isso realmente me deu uma espécie de ponto de apoio... para fazer o trabalho necessário para sair dessa situação", disse Leyba, que explica que a prática de exercícios respiratórios diários, meditação e antidepressivos também o ajudaram.

Esse pior dia se transformou em algo que posso oferecer aos outros", finalizou o professor, que viaja pelo país para trabalhar com sobreviventes de tiroteios.