A morte do ex-presidente Kennedy pela CIA é uma das mentiras criadas - Wikimedia Commons
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Kennedy foi morto pela CIA? A Apollo 11 foi uma farsa? Conheça as fake news criadas pela KGB

A agência soviética era imbatível em criar mentiras — que ainda são reproduzidas

Redação Publicado em 18/10/2019, às 08h00

A União Soviética pode ter perdido a Guerra Fria, mas, em matéria de propaganda, sempre deu um banho no adversário. Tais ações da KGB e outros serviços de inteligência soviéticos eram apelidadas de medidas ativas. Elas iam de boatos a ações violentas, e agiam em âmbito doméstico e mundial para influenciar a opinião pública, aumentar tensões sociais e políticas, e enfraquecer líderes e organizações adversárias.

Apesar de a maioria dos arquivos da organização ainda ser sigiloso, dissidentes como Vasili Mitrokhin e Oleg Kalugin revelaram dezenas deles. Kalugin, ex-general da KGB, classificou essas ações como nada menos que o coração e a alma da União Soviética.

“Eram medidas ativas para enfraquecer o Ocidente, causar discórdias em todos os tipos de alianças da comunidade ocidental, particularmente a OTAN, para semear a discórdia entre aliados, enfraquecer os Estados Unidos aos olhos das pessoas da Europa, Ásia, África, América Latina e, assim, preparar o terreno no caso de a guerra realmente ocorrer.” Segundo Thomas Boghardt, historiador do Centro Militar de História do Exército dos EUA, a União Soviética investiu cerca de 3 bilhões de dólares em "medidas ativas" somente em 1980.

A estratégia soviética era simples, mas efetiva: identificar algum conflito interno, descobrir inconsistências e ambiguidades, criar ou aumentar alguma ideia relacionada àquilo e repeti-la quantas vezes fossem necessárias até o rumor se espalhar.

A seguir, dois boatos plantados pela União Soviética (e um com sérias suspeitas que tenha sido plantado), que continuam a assombrar o feed de notícias do Facebook.

1. A aids foi criada pelos EUA

A Operação Infektion foi o caso mais espetacular entre as medidas ativas. Ela espalhou a teoria que o HIV surgiu de experimentos com armas biológicas conduzidos por agências governamentais.

Essa era uma suspeita que já existia dentre a própria população americana – na década de 80, a doença afetava desproporcionalmente homens homossexuais, e a omissão do governo Reagan influenciou o surgimento da teoria. A União Soviética apenas deu um empurrãozinho.

A campanha da KGB foi conduzida em conjunto com a inteligência da Alemanha Oriental. Começou com uma carta anônima enviada ao Patriot, um pequeno jornal de Nova Delhi – depois foi revelado que o veículo era financiado pela inteligência soviética. Publicada em julho de 1983 sob o título “AIDS pode invadir a Índia: doença misteriosa causada por experimentos americanos”, a carta apontava que a doença havia sido criada em Fort Detrick, antiga sede do programa de armas biológicas dos EUA.

A notícia chamou pouca atenção. Mas, em outubro de 1985, o veículo soviético Literaturnaya Gazeta publicou a manchete “Pânico no ocidente ou o que está por trás da AIDS”. Havia informações precisas sobre a doença e Fort Detrick, e citava a carta publicada no Patriot para ligar os pontos. Era o começo de um frenesi mundial.

A atuação do biofísico Jakob Segal, ligado à inteligência da Alemanha Oriental, também impulsionou a teoria e deu autoridade científica a ela. Além de espalhar as suas teses para a mídia, Segal publicou, em 1990, um livro sobre a AIDs. Chamava-se Die Spur Führt ins Pentagon ("AIDS – a trilha que leva ao Pentágono").

Enquanto isso, a máquina de propaganda soviética continuou a repetir e a espalhar o rumor em todos os meios possíveis – em  transmissões de rádio, cartazes, folhetos. O esforço valeu a pena. A mídia do Terceiro Mundo divulgou amplamente a história, e veículos britânicos como o Sunday Express e o Daily Telegraph divulgaram as teses de Segal. Até nos Estados Unidos a teoria foi comentada por veículos como a CBS News e por críticos do governo e da CIA.

Em 1987, a campanha soviética já havia atingido a mídia de 80 países, circulado em 200 veículos jornalísticos, em 25 línguas diferentes. “A campanha de desinformação da AIDS foi uma das mais notórias e mais bem-sucedidas campanhas soviéticas durante a Guerra Fria”, afirmou Thomas Boghardt, historiador do US Army Center of Military History, para a BBC.

E o sucesso do Projeto Infektion levou os soviéticos a expandirem e a mesclarem outras campanhas de desinformação com a campanha da AIDS. Em 1986, durante encontros de líderes mundiais em Harare, começou a circular a ideia de que a criação da AIDS pelos Estados Unidos era, na verdade, uma arma étnica contra os negros.

Para dar força ao rumor, foram usadas “evidências”, como o manual militar americano de 1975 – lá, é possível encontrar um trecho que afirma ser possível desenvolver armas étnicas, que explorariam as vulnerabilidades de grupos humanos específicos.

Crédito: Wikimedia Commons

Em 1987, o Patriot publicou outro artigo, dessa vez acusando o Departamento de Defesa dos Estados Unidos de conduzir experimentos na África para determinar os efeitos de despovoamento da AIDS.

Essa teoria conspiratória não foi descartada até hoje. Entre 1999 e 2008, o presidente da África do Sul Thabo Mbeki citou a caso ao se recusar a disponibilizar drogas antirretrovirais para a população. Em 2005, um estudo da Rand Corp. e da Universidade de Oregon revelou que cerca de 50% da população afro-americana ainda acreditava se tratar da verdade. Até mesmo o rapper Kanye West abraçou a teoria em algumas de suas músicas, como Heard Them Say, de 2005.

2. Kennedy foi morto pela CIA

Crédito: Divulgação

E. Howard Hunt era um agente da CIA que se envolveu no escândalo de Watergate, ajudando o presidente Nixon a espionar seus opositores políticos. A partir de 1978, passou a ser alvo de outra acusação: assassinar o presidente John F. Kennedy em 1963.

O envolvimento da KGB na disseminação da teoria foi confirmado por Vasili Mitrokhin, ex-arquivista da agência soviética que passou para o lado dos Estados Unidos. Mitrokhin afirmou que acusar Hunt era parte da campanha para desacreditar a CIA e o governo dos Estados Unidos.

Uma das atitudes da KGB foi forjar uma carta do assassino de Kennedy, Lee Harvey Oswald, endereçada para o ex-agente da CIA. A falsificação estava tão boa que a própria esposa de Oswald afirmou ser aquela a letra do marido, e três especialistas contratados pelo New York Times confirmaram a autenticidade da carta.

Ela dizia:

“8 de novembro 1963

Caro Sr. Hunt,

Eu gostaria de informações sobre a minha posição. Só estou pedindo informações. Peço para que nós discutamos a situação antes que qualquer passo seja dado por mim ou outra pessoa. Obrigado, Lee Harvey Oswald”

Hunt negou qualquer envolvimento. Em 1981, ele chegou a processar o The Spotlight por uma matéria de Victor Marchetti, também ex-agente da CIA, que sugeria o envolvimento dele na conspiração.

O cenário mudou com a morte de Hunt em janeiro de 2007. Seus filho David e Howard Saint John Hunt revelaram uma gravação feita pelo pai, à beira da morte, confessando ter sido convidado para participar do plano para matar JFK. Na gravação, ele cita diversos nomes de agentes da CIA e políticos, numa conspiração capitaneada pelo vice-presidente Lyndon Johnson.

O New York Times e o Washington Post se recusaram a publicar a confissão, que saiu na Rolling Stone dois meses depois.

Outras pessoas próximas do agente acusaram os irmãos, que tem uma história complicado com drogas e passagens com a polícia, de manipular o pai, já senil e sem lucidez, para ganho financeiro. Kevan, meia-irmã dele, chegou a falar em "abuso de idosos" e o advogado disse que Hunt só "estava especulando."

3. A caminhada na Lua foi uma farsa

Crédito: Divulgação/NASA

Este é um caso mais complicado. A União Soviética oficialmente reconheceu e parabenizou os EUA pela façanha da viagem à Lua. Não há, como nos demais casos, nenhum documento, reportagem de jornal ou revelação de ex-agentes sobre isso – ainda que seja da opinião de alguns especialistas que, sim, eles tiveram um dedo. Os maiores indícios do envolvimento soviético são planos da KGB que mencionavam explicitamente desmoralizar a NASA. Uma carta do chefe da KGB Alexander Shelepin ao comitê central do Partido Comunista sugeria:

5. Trabalhar e implementar medidas em desacreditar várias instituições científicas, comerciais e outras, usadas pela CIA para suas atividades de espionagem. Em particular, por em ação medidas atacando a Administração Nacional de Aeronáutica e Espaço (NASA) e a Agência Infomacional dos EUA (sic). 

A carta é principalmente sobre ações de como desmoralizar a CIA. E a teoria da conspiração diz que o orçamento da NASA ia, de fato, para a CIA.

Mas há um ponto fraco: o texto é de 1960, 9 anos antes da Apollo. O que levanta a possibilidade de este ser um caso de americanos superando soviéticos em destruir sua prórpria reputação. 

O Kremlin de Putin parece apoiar a teoria. Em 2015, o porta-voz do Comitê Investigativo do governo russo, Vladimir Markin, sugeriu uma investigação para saber se a filmagem da caminhada da Lua não foi feita num estúdio.

Se a KGB não criou essa, deve ter ficado com inveja. 


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