Guimarães Rosa durante a viagem pelo sertão de Minas Gerais, em 1952 - Reprodução
Brasil

A viagem de Guimarães Rosa ao grande sertão

Neste dia, em 1967, falecia o escritor brasileiro que se lançara em uma jornada pelo interior de Minas Gerais

João Correia Filho Publicado em 19/11/2018, às 13h00

Algumas viagens entram para a história. Outras entram também para a literatura. Foi o que aconteceu com o escritor João Guimarães Rosa, quando, em maio de 1952, se lançou numa empreitada pelo sertão mineiro que marcaria sua vida e sua obra. Acompanhado de oito vaqueiros e levando 300 cabeças de gado, percorreu em dez dias os 240 quilômetros que separam Três Marias e Araçaí, na região central de Minas Gerais, sua terra natal. Trazia amarrada ao pescoço uma caderneta, onde anotava tudo que via e ouvia – as conversas com os vaqueiros, as sensações, as dificuldades e tudo que brotasse daquele mundo que ele reencontrava depois de anos vivendo como diplomata no exterior.

As cadernetas, hoje parte do acervo do Instituto de Estudos Brasileiros da Universidade de São Paulo, foram reunidas em dois diários, que Rosa chamou de A Boiada 1 e A Boiada 2. As anotações seriam utilizadas como elementos de suas próximas obras – entre elas, Corpo de Baile (lançado em 1956), Tutaméia (de 1967) e Grande Sertão: Veredas (1956).

Em dez dias, Guimarães Rosa percorreu 240 quilômetros Wikimedia Commons

No dia 16 de maio, o escritor chegava à fazenda Sirga, de seu primo Francisco Moreira, em Três Marias. Três dias mais tarde, a boiada partiria para a viagem, fazendo seu pouso em várias fazendas e vilarejos da região. Rosa fez questão de acompanhar o dia-a-dia dos vaqueiros em tudo, comendo da mesma comida – carne-seca, toucinho, feijão e arroz com pequi – e dormindo nos mesmos locais. Em Barreiro do Mato, por exemplo, teria dormido dentro de uma grande forma de rapadura, um enorme tacho côncavo, e em vários outros locais passou a noite em colchões de palha de milho, comuns naquela época. Já próximo a Cordisburgo, cidade em que nasceu e etapa final da viagem, a comitiva teve um encontro com uma equipe da revista O Cruzeiro, que cobria a viagem do já famoso autor de Sagarana, lançado em 1946.

Inspiração

As obras de Rosa possuem uma infinidade de referências diretas e indiretas à viagem de 1952. A principal delas está em Corpo de Baile, mais especificamente na novela Uma Estória de Amor, inspirada na vida de Manuel Nardy, um dos oito integrantes da comitiva. Ele aparece transfigurado no personagem de Manuel Jesus Rodrigues, o Manuelzão. As semelhanças vão além do nome: estão em acontecimentos da vida do vaqueiro.

Rosa durante o almoço com os vaqueiros Reprodução

Outro vaqueiro que se destacou durante a viagem foi João Henrique Ribeiro, o Zito. Embora não tenha ficado tão famoso quanto Manuel, era Zito quem seguia o tempo todo ao lado do escritor. Assumiu as funções de guia e de cozinheiro da tropa e tirava quase todas as dúvidas de Guimarães Rosa. Embora não tenha resultado na criação de um personagem, a relação entre Zito e o escritor também teve seu destaque na obra. A perspicácia do vaqueiro chamou tanto a atenção de Rosa que, anos mais tarde, ele o homenagearia em Tutaméia, lançado no ano da morte do escritor. Em um dos quatro prefácios, Guimarães Rosa transcreve trechos de conversas com o vaqueiro e elogia sua inteligência e criatividade.

O guia de Rosa

Dono de uma memória prodigiosa, o vaqueiro Zito guardou detalhes da viagem de Guimarães Rosa que ajudaram a reconstituir cada passo da aventura vivida pelo escritor – incluindo nomes, lugares e datas. “Ele queria saber de tudo. Se visse aquele pau ali, queria saber o nome daquele pau. Se ouvisse uma conversa, queria saber do que a gente falava. E ia escrevendo tudo nas cadernetas que levava penduradas no pescoço”, disse, em 2001. Segundo o vaqueiro, Rosa teria dito que pagaria seus estudos no Rio de Janeiro, proposta que ele recusou. “Queria mesmo era ser vaqueiro.” Zito morreu aos 65 anos, em 2002, em Três Marias. Foi o penúltimo dos oito vaqueiros da tropa a morrer – o último foi Sebastião Leite, há dois anos. Da viagem, Zito deixou um caderno escolar. Todas as noites, sentava-se próximo à fogueira e escrevia versos sobre o duro dia de trabalho. Em frases simples e com uma caligrafia arrastada, Zito transformava a vida real em poesia, tal como o fez João Guimarães Rosa.

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